Um processo de inventário torna-se mais simples de ser resolvido quando as partes possuem um consenso quanto à divisão dos bens. No entanto, dado os novos formatos de família, é extremamente comum que os casais se casem e já tenham filhos de outros relacionamentos.
Então, a partir desta possibilidade, vejamos a seguinte situação: Marcos casa com sua Helena, que possui um filho de uma união passada, o João. João não considerada Marcos como um pai e a relação dele com o menor é distante. Durante o casamento, Marcos e Helena constroem um patrimônio considerável e tem uma filha juntos, a Carolina. Em certo dia, Helena vem falecer. Dada esta situação, os bens deixados por ela e que também são de Marcos, deverão ser divididos com João?
A resposta é sim. No entanto, a forma da divisão será feita de acordo com o regime de bens escolhido pelas partes. Neste artigo, trataremos da partilha nos dois principais regimes utilizados no país, o regime de comunhão parcial e o de comunhão universal de bens.
Como é feito o inventário de um casal casado em regime de comunhão parcial e que tenham filhos?
Primeiramente, é preciso esclarecer que pelo art. 1.829 do Código Civil, os herdeiros necessários são o cônjuge e os descendentes, de modo que, na existência de pessoas nestes dois grupos, excluem-se os demais parentes, como pais, irmãos, primos, etc.
Pois bem. Neste regime, em eventual falecimento de uma das partes, a partilha será feita da seguinte forma: todo o patrimônio adquirido pelo casal durante a união será destinado em 50% ao cônjuge sobrevivente. Tal cota não diz respeito a herança do cônjuge, mas sim a sua meação, ou seja, os bens que são dele por direito, em razão dos esforços comuns do casal.
A outra metade dos bens adquiridos na constância do casamento serão divididos com os demais herdeiros do falecido. Já os eventuais bens particulares do de cujus, ou seja, aqueles que foram adquiridos antes do casamento, serão partilhados entre os herdeiros e também com o cônjuge sobrevivente.
Para ilustrar, pensemos no exemplo do início do artigo: pensemos que Marcos e Helena casaram-se no regime de comunhão parcial. Antes do casamento, o patrimônio de Helena era de R$ 100 mil. Junto com Marcos, eles construíram um patrimônio de R$ 300 mil. Neste caso, Marcos terá direito a R$ 150 mil dos bens adquiridos em conjunto; A outra parte, os R$ 150 mil serão divididos de forma igual com Carolina e João. Já os R$ 100 mil, correspondente aos bens particulares de Helena, será dividido igualmente entre Marcos, Carolina e João.
E como será a partilha de bens de um casal casado em regime de comunhão universal?
Já na comunhão universal, o cônjuge sobrevivente tem direito a metade de todo patrimônio deixado pelo falecido, independente se adquirido antes ou durante o casamento. Neste tipo de regime, o sobrevivente não tem direito a concorrer com os demais herdeiros a outra cota deixada.
No caso do exemplo, a partir do patrimônio deixado, que no total somava em R$ 400 mil, Marcos terá direito a R$ 200 mil, João terá direito a R$ 100 mil e Carolina terá direito a R$ 100 mil também.
O que diz a jurisprudência?
Quando se fala em divisão de herança com cônjuge, um aspecto que precisa ser levado em conta é a hipótese das partes estarem unidas por uma união estável. Ainda que neste tipo de união o regime de bens adotado seja o de comunhão parcial, o Código Civil não considerou esta questão nas regras para sucessão.
A norma estabelecida pela lei civil é que o companheiro só poderá participar da partilha de bens se os bens forem adquiridos na vigência da união estável e ainda, caso concorresse com outros herdeiros do falecido, a cota do sobrevivente seria diferenciada.
No entanto, o STF reconheceu a inconstitucionalidade desta norma, de modo que, agora, as regras aplicáveis para a união estável são as mesmas para os cônjuges casados em regime de comunhão parcial. Vejamos.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. CONCORRÊNCIA HÍBRIDA. FILHOS COMUNS E EXCLUSIVOS. ART. 1790, INCISOS IE II, DO CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. APLICAÇÃO AO CÔNJUGE OU CONVIVENTE SUPÉRSTITE DO ART. 1829, INCISO I, DO CC/2002. DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO DA METADE DISPONÍVEL. SÚMULAS 282/STF E 7/STJ. 1. Controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança. 2. O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável. 3. Insubsistência da discussão do quanto disposto nos incisos I e II do art. 1.790, do CCB, acerca do quinhão da convivente – se o mesmo que o dos filhos (desimportando se comuns ou exclusivos do falecido) -, pois declarado inconstitucional, reconhecendo-se a incidência do art. 1.829 do CCB. 4. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma. 8. 10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.016-0200912-6 (STJ – REsp: 1617501 RS 2016/0200912-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 11/06/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 06/09/2019 DJe 01/07/2019)
Conclusão
O regime de bens escolhido pelo casal é de extrema relevância para a partilha pós morte. Independente se os filhos forem frutos da relação atual ou anterior, todos eles terão direitos a parte da herança do genitor falecido.
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