Com o avanço da medicina, vem sendo possível que as pessoas congelem seus gametas para uma gestação futura. Esta prática é comum em pessoas que passam por tratamentos severos, como quimioterapia. Nesta hipótese, o congelamento é uma via de preservar o material genético da agressividade do tratamento.
No entanto, no caso da pessoa dona do material vier a falecer, poderia seu cônjuge utilizar o material para realizar inseminação artificial? Em razão da falta de regulamentação legal do assunto, a resposta dependerá de alguns fatores.
O que dispõe o Código Civil sobre o assunto?
O Código Civil Brasileiro estabelece que, presume-se como filhos concebidos na constância do casamento aqueles que foram havidos por fecundação artificial homóloga, ainda que falecido o marido e, também, aqueles decorrentes de embriões excedentários, realizados através de concepção artificial homóloga.
Por fecundação artificial homóloga entende-se aquela feita com o material genético do marido da gestante.
Assim, a única disposição sobre o assunto trazida pelo Código Civil é esta. Porém, devido a esta lacuna, mulheres que desejam realizar a fertilização artificial com o material do cônjuge falecido têm encontrado dificuldades em realizar o ato em razão da ausência de autorização deixada pelo referido.
O que se tem verificado na jurisprudência é que as clínicas vêm requerendo a apresentação da autorização do cônjuge, para que a esposa possa usar o material após a morte do referido. Quando não há este documento, os estabelecimentos se negam a fornecer o material, obrigando as mulheres recorrerem à justiça.
Os tribunais de justiça, por sua vez, têm permitido a utilização do material e a consequente fecundação in vitro. Infelizmente, em alguns casos a autorização judicial vem de forma tardia, o que prejudica o sucesso da inseminação.
Por isso, é fundamental que, no momento da coleta, o cônjuge deixe por escrito a permissão para utilização do material após a sua morte.
A herança do filho concebido após a morte do genitor
Realizada a inseminação artificial, surge aí outra implicação: a herança do filho concebido após o falecimento do genitor.
O cerne da questão está no disposto no art. 1.798 do Código Civil, que estabelece que são consideradas herdeiras as pessoas nascidas ou já concebidas no momento do falecimento do dono da herança.
Porém, a questão se torna controversa quando é verificado que o mesmo Código presume como filhos aqueles que são concebidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.
Assim, não existe uma regra para o assunto, de modo que os casos em concreto deverão ser discutidos judicialmente. Vale ressaltar que são poucas as decisões referentes ao tema, tendo em vista que é recente a possibilidade de se conceber um filho após a morte do pai.
A recomendação é que, no momento da coleta, o dono do material deixe disposto em testamento a questão da sucessão de bens aos herdeiros que ainda não nasceram, já que o Código Civil permite que seja disposto em testamento a transmissão de herança aos filhos ainda não concebidos.
O que diz a jurisprudência?
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso interessante: um homem veio a falecer, e sua esposa coletou seu material genético após o óbito. Posteriormente, ao tentar realizar a inseminação artificial em uma clínica, o estabelecimento recusou a realização do procedimento.
Em sede de julgamento, o Tribunal de Justiça decidiu que, devido a ausência de previa autorização por escrito do marido, não seria possível a realização da inseminação. Vejamos.
APELAÇÃO. Ação de obrigação de fazer. Sentença de improcedência. Inconformismo da autora. Pretensão de autorização judicial para realização do procedimento de inseminação artificial homóloga post mortem. Inviabilidade. Hipótese em que o material genético não foi fornecido pelo falecido marido da recorrente, mas sim recolhido após o óbito. Ausência de prévia autorização expressa por escrito. Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento. (TJSP – 1000586-47.2020.8.26.0510. Apelação Cível / Responsabilidade Civil Relator(a): José Rubens Queiroz Gomes Comarca: Rio Claro Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 11/02/2021 Data de publicação: 12/02/2021).
Conclusão
Devido o tema de fecundação artificial ainda ser novo em nosso ordenamento, existem diversas lacunas a serem preenchidas pelo legislador.
Nosso conselho é que, caso você deseje armazenar seu material genético, deixe por escrito e registrado a autorização para o uso após a morte e, principalmente, as disposições testamentárias para a criança que poderá nascer.