CNJ determina a possibilidade de realização de testamento por vídeo

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Por: Fiaux Advogados

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Com o advento da pandemia de Covid-19, a digitalização dos procedimentos se tornou imprescindível, tendo em vista a necessidade de manter a população em isolamento.

Em vista disso, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento n. 100/2020, que prevê a prática de atos notariais eletrônicos através do sistema e-Notariado. E dentre das possibilidades previstas no Provimento está a da realização do testamento por vídeo.

Como será a realização de testamento por vídeo?

Primeiramente, é preciso destacar que, nos termos do Provimento n. 100/2020, não basta que o testador grave o vídeo com suas disposições da partilha de bens. É preciso que sejam cumpridos alguns requisitos para que o testamento seja válido.

O primeiro deles é que a disposição testamentária seja validada pelo sistema e-Notariado. Para isso, é preciso que o testador cumpra os seguintes requisitos: I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico; II – concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico; III – assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado; IV – assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil; V – uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital.

Isso significa que, em dia e horário previamente acordado entre o testador e o tabelião, o testador realizará a leitura do seu testamento, com a presença de três testemunhas, sendo o ato gravado e validado pelo tabelião de notas.

No vídeo, deverá estar contida também as seguintes informações: a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas; b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública; c) o objeto e o preço do negócio pactuado; d) a declaração da data e horário da prática do ato notarial; e e) a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato notarial.

Assim, é possível verificar que algumas formalidades deverão ser cumpridas, sob risco de nulidade do testamento.

Os possíveis riscos no processo

Ainda que o testamento digital possa ser uma alternativa viável, existem alguns pontos que devem ser observados pelas partes.

A primeira delas diz respeito a previsão legal do Código Civil de que o testamento deve ser assinado pelo testador e mais três testemunhas. Tendo em vista que, após a morte do testador, é comum que os herdeiros discutam judicialmente a validade do documento, existe a grande possibilidade de que herdeiros insatisfeitos venham questionar o testamento digital com base no que dispõe o Código Civil.

Esta discussão ocorre com frequência, em razão dos testamentos possibilitarem que o dono do patrimônio doe metade dos bens a pessoas que não são seus herdeiros necessários, causando grande descontentamento neste grupo.

Além disso, caso o testador não realize o testamento através de um advogado, a chance de a declaração ser declarada nula é grande, razão pelo qual é necessário que um profissional antecipe os requisitos necessários.

O que diz a jurisprudência?

Recentemente, o Tribunal de Justiça julgou um caso relevante: os herdeiros de uma senhora questionaram judicialmente a validade do testamento escrito deixado por ela. No entanto, uma das testemunhas trouxe um vídeo, em que a falecida havia lido para as testemunhas o documento.

Com isso, ficou demonstrado que a mulher estava lúcida no momento do registro do seu testamento particular, de modo que foi determinado o cumprimento das disposições testamentárias. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. REGISTRO E CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO PARTICULAR. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANUTENÇÃO DA R. SENTENÇA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. […] 4. Não serão analisadas, nessa via, quaisquer alegações de vício de consentimento da testadora, porque fogem, absolutamente, ao escopo do presente procedimento de jurisdição voluntária. 5. Testamento que existe, foi assinado pela testadora e por quatro testemunhas. Análise que se restringirá à observância dos requisitos previstos no artigo 1.876 do Código Civil. 6. Alegação de que a testadora teria lido o testamento de forma “artificial” e “mecânica”, o que demonstraria que não foi a própria que redigiu o referido documento, não impressiona. A lei não exige que a redação do testamento seja fruto da criatividade própria do testador, mas deve refletir, fielmente, o desejo do testador. 7. Lucidez mental e discernimento da testadora devidamente comprovado por um atestado médico. 8. Versões narradas pela ex-funcionária do lar da testadora que não se revestem de credibilidade, a qual mudou repentinamente sua narrativa, após ter sido descoberto o vídeo filmado por um dos herdeiros no momento em que a falecida leu o testamento para as testemunhas. 9. No vídeo, não há dúvida de que a senhora que lê o testamento é a falecida, e que algumas das testemunhas se encontram, de fato, presentes. Ausência de indícios de constrangimento, descontentamento, nervosismo ou irritação por parte da testadora, ou seja, nada que leve a crer que a mesma não estava lendo o seu testamento por livre e espontânea vontade. 10. Versão da quarta testemunha que destoa de todo o arcabouço probatório. Porém, eventual irregularidade na colheita de sua assinatura não importa na nulidade do respectivo testamento. 11. Lei que exige a subscrição de três e não quatro testemunhas. 12. Vícios relativos à quantidade de testemunhas ou da ausência da leitura do testamento a todas elas, na mesma ocasião, são puramente formais, que se relacionam essencialmente com aspectos externos do documento que formaliza o testamento. 13. O C. Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, decidiu que as formalidades prescritas em lei, no tocante às testemunhas, devem ser flexibilizadas, “quando o documento tiver sido escrito e assinado pelo testador e as demais circunstâncias dos autos indicarem que o ato reflete a vontade do testador”. Exatamente esse o caso dos autos. 14. Recursos desprovidos. (TJ-RJ – APL: 01322255420158190001, Relator: Des(a). GILBERTO CLÓVIS FARIAS MATOS, Data de Julgamento: 10/12/2019, DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 2019-12-12)

Conclusão

O testamento ainda é um tema sensível, visto que ele exige que os herdeiros aceitem a vontade daquele que não está mais aqui para defender as disposições escritas no documento.

É por isso que, as partes devem sempre confiar em profissionais preparados para lidar com este tema delicado e que exige um conhecimento jurídico extenso.

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