Ao adquirir um imóvel, especialmente em condomínios, muitos compradores consideram como diferencial o direito a uma vaga de garagem específica. No entanto, algumas questões podem surgir quando, em assembleias de condôminos, são aprovadas deliberações que modificam o uso das vagas, transformando-as em vagas rotativas.
Isso levanta uma dúvida comum: até que ponto o condomínio pode alterar um direito originalmente registrado em matrícula?
A propriedade e o uso de vagas de garagem em condomínios estão diretamente ligados à forma como elas estão descritas na convenção do condomínio e, principalmente, na matrícula do imóvel. O Código Civil, em seu artigo 1.245, §1º, dispõe que um direito real sobre o imóvel só pode ser modificado com o devido registro junto ao cartório de imóveis.
Ou seja, qualquer alteração que afete os direitos relacionados à propriedade de um bem, como uma vaga de garagem específica, precisa ser formalizada e registrada na matrícula do bem.
Em casos como este, mesmo que uma assembleia de condôminos decida pela rotatividade das vagas, essa decisão não prevalecerá sobre um direito registrado em matrícula, a menos que a alteração seja levada a registro no cartório de imóveis.
Um caso julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ilustra bem essa situação. Uma proprietária de sala em um edifício comercial teve seu direito a uma vaga de garagem garantido, mesmo após o condomínio alegar que, em 2011, havia deliberado em convenção que sua unidade não teria mais direito à vaga. A matrícula do imóvel, no entanto, continuava a constar a vaga como direito associado à unidade.
A decisão determinou que, sem o devido registro no cartório de imóveis, a convenção dos condôminos não poderia modificar o direito real da proprietária. A matrícula atualizada do imóvel, expedida em 2020, ainda fazia menção à vaga de garagem como direito da unidade, prevalecendo sobre a decisão tomada em assembleia.
No entanto, é preciso destacar que, no caso de vagas coletivas ou vagas não vinculadas diretamente à matrícula de um imóvel, as assembleias de condôminos têm o poder de deliberar sobre o uso, podendo instituir o sistema de rotatividade.
No entanto, mesmo nesse contexto, qualquer alteração deve respeitar os princípios de razoabilidade e não pode prejudicar direitos adquiridos.
Vejamos a decisão do TJSP acerca da impossibilidade de alterar a vaga de garagem adquirida pelo proprietário e que está devidamente registrada em matrícula:
AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. Vaga de garagem. Convenção entre os condôminos afastando a sua utilização vinculada ao imóvel aquirido pela autora. Juntada de prova nova com a apelação. Falta, porém, de expressa referência ao exigido pelo art. 435, par. único, do CPC. Desconsideração. Precedente. Matrícula imobiliária com expressa referência ao imóvel principal e à vaga de garagem. Extinção do direito à vaga de garagem que dependente do ingresso no Registro Imobiliário (art. 147, Lei 6.015/73). Emprego, por analogia, do destacado no art. 1.245, § 1º, do Código Civil, segundo o qual enquanto não se registrar a modificação de um direito real, o antigo proprietário continua a ser havido como dono do imóvel. Uso abusivo da prerrogativa de que cuida o art. 1.228 do Código Civil. Matéria, se o caso, que deve ser objeto de ação própria. Inexistente reconvenção para a ampliação dos limites objetivos da demanda. APELO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1052536-23.2022.8.26.0576; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2024; Data de Registro: 02/10/2024)
A tentativa de transformar uma vaga de garagem vinculada à matrícula de um imóvel em vaga rotativa não encontra respaldo legal sem o devido registro da alteração no cartório. Se você adquiriu um imóvel com direito a uma vaga específica, verifique a matrícula para garantir seus direitos.
Em caso de dúvidas ou conflitos, é fundamental consultar um advogado especializado para proteger sua propriedade e assegurar o cumprimento da legislação.