A locação de imóveis exige uma série de cuidados pelo locador e pelo locatário. Uma delas é a realização de vistoria de entrada e de saída. A vistoria gerará um documento que atestará a condição em que o bem foi locado e, com a saída do inquilino e a realização de nova vistoria, serão atestados os reparos que devem ser feitos.
No geral, o imóvel deve ser desocupado para a realização da inspeção. Em regra, a vistoria deve ser feita em seguida à saída do inquilino, devendo ser dado um prazo para as partes apresentarem contestação. Mas, e se a vistoria for feita muito tempo após a entrega das chaves? Será que o locatário tem a obrigação de pagar pelos reparos alegados pelo locador? A resposta para esta questão dependerá de algumas questões.
Primeiro ponto: a entrega das chaves deve ser feita mesmo com pendências
Muito embora a Lei do Inquilinato não estabeleça a obrigatoriedade de realização de vistoria do imóvel, este documento é comumente elaborado nas relações de locação. Em vista disso, não há um prazo para que a inspeção seja feita. Porém, em nome da razoabilidade, é importante que seja o mais breve possível após a saída do inquilino, sob pena de abrir brechas a contestações. E, dentro deste assunto, o STJ estabeleceu uma questão importante: o locador não pode se recusar a receber as chaves em razão de pendências de reparos ou débitos. Segundo o STJ, a recusa do recebimento gera o direito ao locador de ajuizar uma ação de consignação de chaves, visando evitar o acúmulo de débitos.
Segundo ponto: mesmo após a entrega das chaves, é possível que o locador cobre pelos reparos
A Lei do Inquilinato estabelece que é dever do inquilino devolver o imóvel sob as condições em que foi alugado, com ressalva dos desgastes naturais do uso. E é aí que reside a maioria dos conflitos: as partes comumente vão para o Judiciário discutir se os reparos são desgastes naturais ou se é devido ao inquilino o pagamento pelo conserto. Em vista disso, nossas considerações são:
- A vistoria inicial e final do imóvel é um procedimento importante e que deve ser feita na presença do locador e do locatário, devendo ambos assinar o documento para garantir a transparência e a fidelidade das informações;
- Deve-se evitar postergar a vistoria e, de preferência, a pessoa responsável pela vistoria inicial deve realizar a vistoria de saída;
- É importante que só seja dada quitação quando tudo estiver averiguado e confirmado, tanto em relação às pendências financeiras do imóvel quanto às suas condições.
O que diz a jurisprudência?
O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma decisão importante para este assunto. No processo julgado, o locador aceitou a devolução das chaves e realizou posteriormente a vistoria no imóvel, sem o acompanhamento do locatário, cobrando judicialmente os valores necessários para a obra. O TJSP entendeu que a cobrança era indevida, dado que era necessária a presença dos locatários na vistoria.
Locação. Imóvel residencial. Ação de cobrança de aluguéis, encargos e gastos com reparos no imóvel. Sentença de parcial procedência. (…) Responsabilidade dos réus pelo pagamento dos aluguéis e encargos locatícios até a data de entrega das chaves. Pretensão da locadora ao reconhecimento da responsabilidade dos réus até o encerramento das reformas necessárias. Inadmissibilidade. Recebimento das chaves que não pode ser condicionado à realização de reparo no imóvel locado. Laudo de vistoria de saída do imóvel não assinado por locatário e fiadores. Imprestabilidade. Autora que não se desincumbiu de demonstrar o fato constitutivo do seu direito quanto aos reparos no imóvel. Sentença mantida. Recurso desprovido, com observação. (…) Restou incontroversa a entrega das chaves ocorrida em 29/04/2020, não subsistindo a recusa da locadora condicionando a entrega à realização de consertos e reparos que considerou necessários, pois é sabido que constitui direito potestativo do locatário a entrega das chaves do imóvel locado, não podendo ser negado pelo locador. Não deve prevalecer o laudo de vistoria de saída apresentado, sem o devido acompanhamento dos locatários e fiadores, tratando-se de prova produzida unilateralmente, sendo imprestável para embasar o pleito de ressarcimento por danos no imóvel (TJSP – AC 10066090920208260510. Relator(a): KIOITSI CHICUTA. Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado. Data de julgamento: 27/08/2021).
Conclusão
Tendo em vista os constantes conflitos entre locatário e locador, é fundamental que ambas as partes estejam cientes dos seus direitos e deveres em relação à entrega das chaves. O locatário deve receber o imóvel em boas condições e o proprietário deve garantir a entrega das chaves no prazo estipulado em contrato. Caso haja alguma divergência, é importante buscar orientação jurídica para evitar prejuízos e garantir o cumprimento das obrigações contratuais.