O direito à moradia é garantido pela Constituição Federal. Com isso, o Poder Público tem o dever de assegurar que todos os cidadãos tenham um lugar digno para viver.
A cada início de ano, tornam-se comuns as notícias de deslizamento de terras e outros desastres provocadas pelas chuvas. Uma das medidas tomadas pela Defesa Civil dos municípios é interditar e determinar a desocupação as áreas consideradas de risco.
Mas, diante deste cenário, qual são os direitos dos moradores? A resposta para esta questão é complexa, mas é possível estabelecer alguns pontos importantes.
O que diz a lei?
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXV, prevê que: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. Tal dispositivo assegura que o Poder Público possa ordenar a desocupação das áreas que sofrem iminente risco de desastres, no intuito de resguardar a vida dos moradores. Além deste inciso, não existe uma lei federal que regulamente como é feita a indenização das pessoas que foram desapropriadas de suas residências em razão de risco ao imóvel. Em vista disso, estes casos são resolvidos a partir de leis municipais e de decisões judiciais.
Como funciona na prática?
Na prática, quando a defesa civil declara que uma área deve ser desapropriada devido aos riscos da região, a indenização dos moradores dependerá de como é feito o uso da área. Nos casos em que a ocupação é irregular, isto é, em que o Poder Público proibiu a ocupação, mas ainda assim os moradores permaneceram no local, a indenização não é devida. Também, se os moradores estiverem ocupando área de propriedade pública, mesmo que não haja proibição explícita de ocupação, não será devida a indenização, de acordo com a Súmula 619 do STJ. Porém, se a área ocupada for devidamente regulamentada e com o pagamento dos impostos próprios, caso haja a necessidade de desocupação pelos moradores será dever do Poder Público indenizá-los.
Este direito está atrelado ao dever de o Poder Público somente permitir que os cidadãos morem em locais que sejam seguros. Se o Estado permitiu que fossem ocupadas as áreas mesmo com o risco, é dever do ente público indenizar os moradores.
O que se tem visto nos julgamentos pelos Tribunais é a determinação para que o Estado pague um aluguel social aos moradores ou que seja realizada a indenização pelo preço da área. Infelizmente, na prática os pagamentos levam anos, o que gera extensos prejuízos às partes.
A boa notícia é que em cidades como São Paulo existem leis que regulamentam como é feita a indenização nestes casos, sem que haja a necessidade de um processo judicial. Em São Paulo, por exemplo, a indenização pela área poderá chegar até o valor de R$ 30.000,00.
O que diz a jurisprudência?
O STJ tem entendimento consolidado de que, caso a administração haja para conter os danos iminentes a uma área, é possível que o Poder Judiciário intervenha para evitar maiores problemas:
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENXURRADAS E ALAGAMENTOS. OBRAS DE DRENAGEM EM PROL DO MEIO AMBIENTE. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. RISCO DE VIDA DA POPULAÇÃO. PROTEÇÃO POR VIA DA ACP. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. Cuida-se de inconformismo contra acórdão do Tribunal a quo que, com argumento na proteção do princípio da separação dos Poderes, denegou o pleito de realização de obras de drenagem no Município de Dourados, necessários para conter os alagamentos, devastação das áreas florestais pela força das águas, queda de muros causada pelas enxurradas, abertura de crateras que tomam as ruas da cidade, causando risco à saúde e à vida das pessoas. 3. Nesse contexto, cinge-se a controvérsia a verificar a possibilidade de intervenção judicial em matéria de saneamento, ante a morosidade em se implementar o sistema de drenagem de águas pluviais no Município de Dourados. 4. Nesse diapasão, observa-se que há contradictio in adjecto no acórdão recorrido, uma vez que ele demonstra claramente ter havido sérios alagamentos em certos bairros da cidade e que o responsável seria o Executivo através de projetos de drenagem, contudo não considera violados os arts. 2º, I e III, e 3º da Lei 11.445/2007 e o art. 3º da Lei 8.080/1990. Ao reverso, o aresto eterniza a omissão do Executivo, engessando o Judiciário. 5. Consoante a posição do Supremo Tribunal Federal: “O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes”. 6. O STJ tem firme orientação de que, ante a demora ou inércia do Poder competente, o Poder Judiciário poderá determinar, em caráter excepcional, a implementação de políticas públicas para o cumprimento de deveres previstos no ordenamento constitucional, sem que isso configure invasão da discricionariedade ou afronta à reserva do possível 7. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de drenagem, tem o Judiciário legitimidade para exigir o cumprimento da norma. 8. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.804.607/MS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/9/2019, DJe de 11/10/2019.)
Conclusão
A questão da indenização pelas áreas irregulares ainda é objeto de muito debate entre os juristas e, na prática, o pagamento costuma levar anos.
Por isso, antes de adquirir um imóvel, verifique junto às autoridades se existe algum risco de desastre na área.