Imagine a seguinte situação: você e sua família anualmente planejam férias fora de temporada e costumam ir a uma cidade do litoral. Você já pensou em adquirir uma propriedade no local, dada a recorrência das visitas à cidade, mas sabe que utilizaria o imóvel uma vez ao ano.
A partir desta situação, que é recorrente, o mercado instituiu o modelo de multipropriedade (ou, em inglês, time-sharing, compartilhamento de tempo, em tradução livre), atualmente regulado pelo art. 1.358-B do Código Civil.
Neste artigo trataremos dos principais aspectos desta forma de aquisição de propriedade.
O que é, afinal, uma multipropriedade?
A multipropriedade, ao contrário do que o nome sugere, se trata de um imóvel que é de diversos donos. A partir daí, o que se imagina é que, então, estes proprietários estão em condomínio com o bem.
Porém, a forma em que o imóvel é desfrutado é o que garante esta nova forma de propriedade. Por este instituto, os diversos donos do bem terão o período pré-estabelecido para utilizar o imóvel sob a forma que bem entenderem.
O art. 1.358-C do Código Civil traz a seguinte definição deste instituto: “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.
Assim, na prática, se o contrato de aquisição determinar que o proprietário poderá desfrutar do imóvel no mês de abril, durante este período do ano ele poderá utilizar o imóvel para fins próprios ou locar a terceiros, por exemplo. Não obstante, o Código Civil determina que o prazo mínimo de desfrute será de 7 dias.
Como funciona a multipropriedade na prática?
No geral, as multipropriedades são feitas para o lazer dos proprietários, sendo construídas e geridas por redes hoteleiras.
No entanto, dado o caráter de direito real, os proprietários são obrigados a responder pelos encargos decorrentes do bem. Assim, os deveres de pagamento de tributos, como IPTU, são devidos por todos os donos do imóvel na medida de suas cotas.
Se, por exemplo, um proprietário tem direito a 3 semanas ao ano e outro tem direito a 2 meses anuais, este último pagará um valor maior, a título de IPTU, em comparação ao primeiro.
Além disso, nos termos do Código Civil, haverá uma administradora responsável por gerir o imóvel, de modo a realizar a manutenção necessária, reunir os proprietários para discutir as questões importantes no modelo de um administrador de condomínio.
O que diz a jurisprudência?
Um dos aspectos relevantes da multipropriedade é que ela tem caráter de direito real, de modo que são aplicadas as regras desta natureza, ainda que de forma parcial. A penhora é uma das características do direito real, ao passo que a propriedade poderá ser penhorada em caso de dívidas do proprietário.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que é possível a penhora a multipropriedade. Para isso, será tomado do devedor e multiproprietário a sua fração sobre o bem, no intuito de que sejam pagas as dívidas contraídas por ele. Vejamos.
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp: 1546165 SP 2014/0308206-1, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 26/04/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2016 RB vol. 636 p. 36)
Conclusão
A multipropriedade pode ser uma opção válida para aqueles que desejam diminuir os custos com locação de imóveis para férias.
Vale ressaltar que a jurisprudência tem entendido que o proprietário deste tipo de bem é resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor, já que ele fica subordinado à prestação de serviços de uma empresa.
Deste modo, em caso de problemas com o desfrute do bem, é possível reclamar junto ao Procon.