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Direito das Sucessões

Concubina não pode se beneficiar de seguro de vida deixado por homem casado

O seguro de vida é um importante instrumento no planejamento sucessório, tendo em vista que é possível que uma pessoa que não seja herdeira necessária receba uma herança do falecido.

No entanto, esta transferência não ocorre de qualquer forma. O Código Civil possui algumas regras que possibilitam que o cônjuge sobrevivente anule as doações feito ao amante do falecido e, diante disso, a indicação da concubina como segurada do seguro de vida torna-se inviável.

O disposto no Código Civil sobre a anulação de doação a concubina

O Código Civil prevê em seu art. 550 que “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”.

Com isso, se verificado que o falecido era casado ou vivia em união estável com uma pessoa e que, ainda assim, realizou uma doação ao amante, o cônjuge sobrevivente e os herdeiros necessários poderão anular a doação.

A questão se torna controversa quando verificado que, no seguro de vida, não há doação em vida, mas sim indicação de pessoa a ser beneficiária de um prêmio após a morte do instituidor.

Porém, o art. 793 do Código Civil determina que o companheiro só poderá ser beneficiário do seguro se o instituidor fosse separado judicialmente ou de fato no momento da celebração do contrato.

Assim, existiam diversas brechas sobre a possibilidade de a pessoa casada contratar um seguro para que o prêmio fosse deixado para o amante. No entanto, recentemente o STJ resolveu esta controvérsia e decidiu que o amante não pode ser beneficiário do seguro de vida.

A decisão do STJ

O caso julgado pelo STJ teve origem em um processo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que determinou que o prêmio do seguro de vida deixado pelo falecido deveria ser pago à concubina, que foi indicada no contrato.

O instituidor do seguro, sabendo que sua amante ficaria de fora da herança, contratou o seguro de vida, de modo a não a desamparar com sua morte.

Em sede de Recurso Especial, o STJ entendeu que, como sua jurisprudência tem entendido pelo dever de fidelidade e, ainda, pelos preceitos monogâmicos, será indevida a transferência do prêmio à concubina.

Além disso, o Tribunal entendeu que os arts. 550 e 793 vedam a transferência dos valores, de modo que é indevida a instituição do seguro de vida à amante do falecido.

Deste modo, cessaram as dúvidas quanto à interpretação dos referidos artigos e, a partir daqui, as seguradoras deverão ter cautela quanto à entrega do prêmio a pessoa que manteve relação extraconjugal com o falecido.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que a ação que deu origem a decisão do STJ tenha sido proveniente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o referido tribunal já decidiu de forma semelhante ao STJ.

Em uma decisão proferida em 2019, o TJRJ decidiu que a amante de um homem que viva em união estável com outra mulher, não teria direito ao recebimento do seguro de vida, ainda que o falecido tivesse a indicado como beneficiária. A decisão se baseou no art. 550 do Código Civil, que permite que o cônjuge anule a doação feita ao amante do falecido. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONSIGNATÓRIA. BENEFICIÁRIA INDICADA NO SEGURO DE VIDA COMO COMPANHEIRA. ESTIPULANTE QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL COM OUTRA MULHER. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A DEMANDA E DETERMINOU O LEVANTAMENTO DO VALOR PELA BENEFICIÁRIA INDICADA NO CONTRATO. RECURSO DA COMPANHEIRA. 1. Capital estipulado no contrato de seguro de vida que não se confunde com a herança. Art. 794 do CC. 2. Liberdade de contratar, da qual se extrai a regra geral, que garante liberdade de indicar qualquer pessoa como beneficiária. 3. Exceção limitadora, com fundamento no art. 550 e 793 do CC, que proíbe a indicação da concubina como beneficiária. Proteção à entidade familiar. 4. Configurada a relação de concubinato entre o estipulante e a beneficiária. Nulidade da cláusula. 5. Aplicação da regra do art. 792 do CC. Pagamento de 50% (cinquenta por cento) da indenização à companheira, e outra metade aos herdeiros. 6. Existência de herdeiros que não integram a relação processual. Transferência do quinhão dos herdeiros ao Juízo no qual tramita o inventário. 7. Ônus sucumbenciais da Sra. Maria Hildaci, que deu causa à demanda. Teoria da Causalidade. 8. Recurso provido. (0346577-67.2014.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). PLÍNIO PINTO COELHO FILHO – Julgamento: 03/04/2019 – DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

Ainda que o seguro tenha repassado o prêmio à concubina, o Código Civil estabelece o prazo de dois anos para a anulação da doação, prazo este contado da data do falecimento do instituidor.

Se você está pensando em contratar um seguro de vida, tenha em mente a decisão do STJ e como ela pode impactar a transferência dos valores pós-morte.