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Direito Imobiliário

Comprei um apartamento com direito a uma vaga de garagem específica. É possível que o condomínio determine que as vagas sejam rotativas?

Ao adquirir um imóvel, especialmente em condomínios, muitos compradores consideram como diferencial o direito a uma vaga de garagem específica. No entanto, algumas questões podem surgir quando, em assembleias de condôminos, são aprovadas deliberações que modificam o uso das vagas, transformando-as em vagas rotativas.

Isso levanta uma dúvida comum: até que ponto o condomínio pode alterar um direito originalmente registrado em matrícula?

O que diz a lei?

A propriedade e o uso de vagas de garagem em condomínios estão diretamente ligados à forma como elas estão descritas na convenção do condomínio e, principalmente, na matrícula do imóvel. O Código Civil, em seu artigo 1.245, §1º, dispõe que um direito real sobre o imóvel só pode ser modificado com o devido registro junto ao cartório de imóveis.

Ou seja, qualquer alteração que afete os direitos relacionados à propriedade de um bem, como uma vaga de garagem específica, precisa ser formalizada e registrada na matrícula do bem.

Em casos como este, mesmo que uma assembleia de condôminos decida pela rotatividade das vagas, essa decisão não prevalecerá sobre um direito registrado em matrícula, a menos que a alteração seja levada a registro no cartório de imóveis.

Precedente judicial: direito à vaga específica prevalece

Um caso julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ilustra bem essa situação. Uma proprietária de sala em um edifício comercial teve seu direito a uma vaga de garagem garantido, mesmo após o condomínio alegar que, em 2011, havia deliberado em convenção que sua unidade não teria mais direito à vaga. A matrícula do imóvel, no entanto, continuava a constar a vaga como direito associado à unidade.

A decisão determinou que, sem o devido registro no cartório de imóveis, a convenção dos condôminos não poderia modificar o direito real da proprietária. A matrícula atualizada do imóvel, expedida em 2020, ainda fazia menção à vaga de garagem como direito da unidade, prevalecendo sobre a decisão tomada em assembleia.

No entanto, é preciso destacar que, no caso de vagas coletivas ou vagas não vinculadas diretamente à matrícula de um imóvel, as assembleias de condôminos têm o poder de deliberar sobre o uso, podendo instituir o sistema de rotatividade.

No entanto, mesmo nesse contexto, qualquer alteração deve respeitar os princípios de razoabilidade e não pode prejudicar direitos adquiridos.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do TJSP acerca da impossibilidade de alterar a vaga de garagem adquirida pelo proprietário e que está devidamente registrada em matrícula:

AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. Vaga de garagem. Convenção entre os condôminos afastando a sua utilização vinculada ao imóvel aquirido pela autora. Juntada de prova nova com a apelação. Falta, porém, de expressa referência ao exigido pelo art. 435, par. único, do CPC. Desconsideração. Precedente. Matrícula imobiliária com expressa referência ao imóvel principal e à vaga de garagem. Extinção do direito à vaga de garagem que dependente do ingresso no Registro Imobiliário (art. 147, Lei 6.015/73). Emprego, por analogia, do destacado no art. 1.245, § 1º, do Código Civil, segundo o qual enquanto não se registrar a modificação de um direito real, o antigo proprietário continua a ser havido como dono do imóvel. Uso abusivo da prerrogativa de que cuida o art. 1.228 do Código Civil. Matéria, se o caso, que deve ser objeto de ação própria. Inexistente reconvenção para a ampliação dos limites objetivos da demanda. APELO DESPROVIDO. (TJSP;  Apelação Cível 1052536-23.2022.8.26.0576; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2024; Data de Registro: 02/10/2024)

Conclusão

A tentativa de transformar uma vaga de garagem vinculada à matrícula de um imóvel em vaga rotativa não encontra respaldo legal sem o devido registro da alteração no cartório. Se você adquiriu um imóvel com direito a uma vaga específica, verifique a matrícula para garantir seus direitos.

Em caso de dúvidas ou conflitos, é fundamental consultar um advogado especializado para proteger sua propriedade e assegurar o cumprimento da legislação.

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Direito Tributário

Transação tributária permite que contribuintes comecem o ano sem dívidas tributárias

O início de um novo ano é o momento ideal para regularizar pendências fiscais e começar com as finanças organizadas. A transação tributária, promovida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), é uma ótima oportunidade para contribuintes, especialmente empresas, quitarem ou renegociarem suas dívidas tributárias com condições diferenciadas.

Em 2024, a PGFN lançou novos editais que oferecem a possibilidade de regularização de débitos inscritos na dívida ativa da União, inclusive do FGTS, com benefícios que incluem descontos, parcelamentos longos e uso de precatórios federais. Essa iniciativa permite que contribuintes com débitos de até R$ 45 milhões possam aproveitar condições especiais e começar 2025 sem pendências fiscais.

O que é a transação tributária

A transação tributária é um mecanismo jurídico que permite a negociação de dívidas tributárias com a União. Instituído pela Lei nº 13.988/2020, o instituto busca solucionar litígios administrativos e promover a regularização fiscal, beneficiando tanto o contribuinte quanto o Fisco.

Entre os principais benefícios oferecidos estão:

Descontos em juros, multas e encargos: O abatimento pode chegar a 100% desses valores, respeitando o limite de 65% do débito total.

Parcelamento facilitado: O valor consolidado da dívida pode ser pago em até 120 meses, com entrada parcelada em seis vezes.

Estímulo à regularização: Empresas que aproveitam a transação tributária têm condições para manter a competitividade no mercado e evitar sanções como restrições de crédito ou exclusão de programas fiscais.

Quem pode aderir

A adesão é aberta para pessoas físicas e jurídicas que possuam débitos inscritos na dívida ativa da União há mais de 90 dias. Para débitos de pequeno valor, como aqueles de até 60 salários mínimos, o prazo de inscrição exigido é menor.

Segundo o edital PGDAU nº 6, só podem ser negociados débitos inscritos até: 1º de agosto de 2024, para dívidas gerais; 1º de novembro de 2023, para dívidas de pequeno valor.

Entre os detalhes do último edital, destaca-se a obrigatoriedade de desistência de processos judiciais, recursos ou impugnações relacionadas às dívidas negociadas. Essa medida visa reduzir o volume de ações judiciais e proporcionar maior eficiência à cobrança tributária.

Além disso, o contribuinte deve cumprir os prazos para adesão, que já começaram e se encerram em 31 de janeiro de 2025.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos que merece atenção pelos contribuintes é que, deferido o pedido de parcelamento, o atraso no pagamento das parcelas pode significar o cancelamento do acordo com a União.

No entanto, uma decisão importante do Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu que, o contribuinte que atrasou somente a última parcela agiu de boa-fé e, portanto, não seria devido o cancelamento do acordo. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA DE URGÊNCIA. REINCLUSÃO EM PARCELAMENTO. ATRASO NO PAGAMENTO DE PARCELA DA ENTRADA. BOA-FÉ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Da análise da Portaria PGFN nº 14.402/2020, que regulamenta a transação excepcional na cobrança da dívida ativa da União, resta incontroversa a possibilidade de cancelamento da transação em face do contribuinte que deixar de efetuar o pagamento de todas as parcelas relativas ao “pedágio” (artigo 16, § 3º). Por outro lado, não se extrai qualquer dispositivo expresso que vede o pagamento de parcelas em atraso, caso seja este o motivo da rescisão. 2. No caso ora analisado, a agravante efetuou o pagamento de onze parcelas da entrada do parcelamento, deixando de adimplir a última parcela no prazo, sendo inequívoca, porém, a sua boa-fé em regularizar os débitos tributários, a fim de que possa permanecer no acordo de transação. 3. Nesses termos, a negativa de reinclusão no parcelamento vai de encontro aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sobretudo quando evidenciada a ausência de prejuízo ao Fisco. Precedente. 4. Agravo provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5031851-15.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 02/06/2022, Intimação via sistema DATA: 03/06/2022)

Conclusão

A adesão à transação tributária oferece uma oportunidade valiosa para contribuintes que desejam evitar juros excessivos, regularizar pendências fiscais e manter a saúde financeira de seus negócios. Para empresas, essa regularização pode significar maior competitividade e liberdade para investir em novas iniciativas.

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Direito das Sucessões

O que alterou com a nova norma que permite o inventário extrajudicial com herdeiros menores?

Segundo as regras do Código de Processo Civil, nos inventários em que os herdeiros são menores, é obrigatório o processamento pela via judicial. Esta regra visa assegurar o direito dos menores, dado que o processo será fiscalizado pelo Ministério Público, que intervirá caso a partilha resulte no prejuízo ao menor.

No entanto, a regra tornava os inventários extremamente demorados, ainda que houvesse consenso entre os herdeiros. Em muitos casos, sequer o montante deixado seria expressivo ao ponto de tornar tão demorado o inventário.

Em vista disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que permite a realização de inventário extrajudicial com herdeiros menores, desde que observadas algumas regras.

A Resolução n. 571/2024 do CNJ

Em agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 571, que trouxe mudanças significativas para a realização de inventários e partilhas de bens de forma extrajudicial, mesmo em casos que envolvem herdeiros menores e incapazes ou a existência de testamento.

Para que esse inventário extrajudicial seja válido, algumas condições precisam ser cumpridas, entre elas:

  1. Manifestação Favorável do Ministério Público: O tabelionato de notas deve encaminhar o processo ao Ministério Público, que analisará se os interesses dos herdeiros menores ou incapazes estão sendo devidamente protegidos.
  2. Partilha em Partes Iguais: A divisão dos bens deve ser feita de forma igualitária para todos os herdeiros, sem a possibilidade de uma “partilha cômoda”.

A partilha cômoda é aquela em que os bens são distribuídos entre os herdeiros e não há a divisão do bem. A medida busca garantir que o patrimônio dos herdeiros vulneráveis seja preservado e que não sofram desvantagens em possíveis negociações entre os demais herdeiros.

Um exemplo é o falecido ter deixado 3 herdeiros e 1 casa, 1 carro e valores em banco. A partilha cômoda destinaria cada um dos bens a um herdeiro, não havendo divisão do bem, tampouco o registro de dois proprietários em cada bem.

No caso do inventário extrajudicial com menor, seguindo este caso, a casa e o imóvel passariam a ser dos três herdeiros e o dinheiro seria dividido igualmente. A divisão pode ser a ideal a depender do caso em concreto e, nesta hipótese, a celebração do inventário em meio judicial seria a melhor saída.

Inventário Extrajudicial com Testamento

Outra mudança significativa trazida pela Resolução nº 571 é a possibilidade de realizar inventários extrajudiciais mesmo que exista um testamento. Antes, para que o inventário com testamento fosse feito em cartório, era necessária a autorização pelo juiz.

Agora, desde que respeitadas certas condições — como a validade do testamento, a concordância de todos os herdeiros e a representação por advogado — o inventário pode ser realizado em cartório. Caso o testamento contenha disposições irreversíveis, como reconhecimento de paternidade, a via judicial ainda é obrigatória.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que o Código de Processo Civil não tenha permitido o processamento do inventário extrajudicial quando há herdeiro menor, questão resolvida pela Resolução do CNJ, o STJ já decidiu que, caso o falecido tenha deixado somente valores em conta, é possível o levantamento a partir de alvará judicial, ainda que haja herdeiros menores.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SUCESSÓRIO. ALVARÁ JUDICIAL. DEPÓSITO. LEI Nº 6.858/1980. CADERNETA DE POUPANÇA. VALORES RESIDUAIS. LEVANTAMENTO. HERDEIROS MENORES. – POSSIBILIDADE. SUBSISTÊNCIA. EDUCAÇÃO. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. RAZOABILIDADE. ART. 1.754 DO CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA. 1. A controvérsia dos autos está em verificar a possibilidade de levantamento de valores depositados judicialmente em conta-poupança com o intuito de beneficiar herdeiros menores. 2. Os pais são administradores e usufrutuários dos bens dos filhos menores e, salvo justo motivo, têm legitimidade para levantar valores depositados em prol desses filhos. 3. No caso concreto, a liberação dos valores objeto do presente recurso configura melhor investimento social do que a sua mera manutenção em caderneta de poupança. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.828.125/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.)

Conclusão

A Resolução nº 571/2024 representa um grande avanço para a desjudicialização do processo de inventário, agilizando e reduzindo custos. Ainda assim, a norma exige cuidado e responsabilidade, especialmente em casos que envolvem herdeiros menores, testamentos e uniões estáveis.

A orientação de um advogado é fundamental para garantir que todos os direitos dos envolvidos sejam preservados e que o processo ocorra de forma justa e segura.

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Direito Civil

Juros exorbitantes em contratos bancários: justiça tem decidido que abusividade da taxa deve ser coibida

A volatilidade da taxa de juros no Brasil somada ao índice de inadimplência tem tornado cada vez mais difícil o acesso ao crédito no país. Com isso, é exponencial o número de reclamações no judiciário acerca da abusividade dos juros aplicados e que tornam impossível o pagamento da dívida pelos devedores.

No entanto, diversos são os tribunais que entendem que, em caso de juros abusivos aplicados, é dever da instituição financeira reduzir a taxa ao patamar aplicado pelo Banco Central.

No artigo de hoje explicaremos os detalhes desta questão, no intuito de te auxiliar a lidar com estas questões.

As taxas de juros determinada pela lei

No Brasil, o limite para a taxa de juros varia de acordo com o tipo de operação financeira e com as regulamentações aplicáveis a cada caso.

A Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) estabelece que, em contratos simples feitos entre pessoas físicas, os juros cobrados não devem ultrapassar o dobro da taxa legal, que é de 1% ao mês (ou 12% ao ano), resultando em um limite de 2% ao mês. No entanto, essa regra não se aplica a contratos com bancos e instituições financeiras reguladas pelo Banco Central.

O Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) são os responsáveis por regular as taxas de juros em várias operações financeiras. Por exemplo, na modalidade de crédito rotativo do cartão de crédito — quando o consumidor opta por pagar apenas parte da fatura — a taxa de juros não pode ultrapassar 8% ao mês.

Já nos contratos bancários, as taxas de juros podem ser negociadas entre as partes, mas o banco tem a obrigação de ser transparente e agir de boa-fé. Se a instituição financeira aplicar uma taxa muito acima da média de mercado, sem uma justificativa clara, a Justiça pode interpretar essa cobrança como abusiva.

Esses limites variam conforme o tipo de crédito e as condições específicas de cada contrato.

O conceito de abusividade determinado pelo STJ

A jurisprudência do STJ que vem sendo amplamente utilizada pelos tribunais estaduais determina que a taxa de juros é abusiva quando está 1,5 vez a mais que a taxa média.

Quando a taxa de juros é considerada excessiva e abusiva, ela deve ser ajustada para o nível da taxa média estabelecida pelo Banco Central, correspondente ao período em que o contrato foi firmado para operações similares.

Em suas decisões, os tribunais geralmente ajustam a taxa de juros do contrato para a média de mercado e determinam que a instituição financeira devolva ao cliente o valor cobrado a mais.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que conheceu a abusividade da taxa de juros aplicada, tendo por base o entendimento do STJ e determinou a devolução dos valores pagos a mais:

Apelação Cível. Ação Revisional de Juros Abusivos. Sentença de procedência do pedido. Inconformismo. Contratação de empréstimo pessoal não-consignado. Preliminar de contrarrazões sobre violação ao princípio da dialeticidade recursal. Afastamento. Repetição dos argumentos da contestação, por si só, que não impossibilita o conhecimento da apelação. Taxas de juros que estão acima das médias praticadas pelo mercado no contrato objeto destes autos. Precedente do E. STJ. São abusivas taxas superiores uma vez e meia ao dobro ou ao triplo da taxa média. Abusividade identificada. Onerosidade excessiva. Limitação das taxas de juros que se impõe reconhecida. Adequação às taxas médias de mercado, nos termos da fundamentação. Restrição à liberdade contratual que tem por escopo a preservação da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Recálculo em liquidação, para devolução simples do excesso, como fixado no r. julgado. Quantias que deverão sofrer correção monetária desde o desembolso e acréscimo de juros moratórios desde a citação, restituídas ou decotadas por recálculo do contrato, em havendo obrigações vincendas. Sentença parcialmente reformada. Prequestionamento suscitado pela autora em contrarrazões. Previsão legal. Artigo 1.025 do Código de Processo Civil. Expediente, todavia, prejudicado, pois analisados todos os temas relativos à controvérsia apresentada. Recurso provido em parte. (TJSP;  Apelação Cível 1065007-78.2021.8.26.0100; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/03/2023; Data de Registro: 12/03/2023)

Conclusão

A cobrança de juros exorbitantes em contratos bancários é uma prática que pode e deve ser questionada judicialmente. Cada vez mais, o Judiciário tem reconhecido o direito do consumidor à revisão de contratos abusivos, principalmente quando há desproporção nos juros aplicados.

Portanto, se você se encontra em uma situação de juros excessivos, é válido buscar orientação jurídica e, se necessário, recorrer ao Judiciário para garantir que seus direitos sejam respeitados.

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Direito Imobiliário

Comprei um lote de terreno que não possui registro. A venda pode ser anulada?

A compra de imóveis irregulares é uma prática comum no Brasil e isso se deve principalmente aos procedimentos burocráticos para a regularização e aos custos, que tantas vezes são inacessíveis a boa parte da população.

Ainda que seja muito comum comprar um imóvel que não tenha escritura nem registro, quando se trata de lotes a questão se torna diferente. Isto porque, a lei que rege o assunto veda a venda de lotes sem o registro e os tribunais têm decidido que é possível a anulação do contrato de compra e venda.

O que a lei diz sobre o assunto?

A Lei n. 6.766/1979 trata do parcelamento do solo, o que abrange os loteamentos. Nos termos do da lei, o loteamento deve ser devidamente autorizado pela prefeitura, para que sejam realizadas as obras necessárias que viabilizem a moradia no local.

Além disso, o art. 37 da referida lei é claro ao expressar que “é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”.

Como medida em caso de descumprimento, o art. 38 da lei permite que o comprador do lote suspenda o pagamento das prestações e notifique o loteador para suprir a falta. O pagamento, neste caso, deverá ser depositado ao Registro de Imóveis competente, para que com a regularização do imóvel, os valores sejam transferidos ao credor.

Além da infração civil mencionada, o artigo 50, parágrafo único, inciso I, da mesma Lei considera crime a ação de vender, prometer vender ou trocar um imóvel em loteamento que não esteja registrado no Registro Público de Imóveis.

A decisão do STJ sobre o tema

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento sem o devido registro é nulo. No julgamento do REsp 2.166.273, a 3ª Turma do STJ decidiu que, quando o loteador não solicita a aprovação do loteamento à prefeitura e inicia a urbanização sem essa autorização, caracteriza-se um loteamento clandestino.

Nesse caso, a compra e venda de um lote não registrado é considerada ilícita, pois a Lei 6.766/1979 busca justamente evitar os impactos ambientais e sociais de loteamentos irregulares.

O que diz a jurisprudência?

Quando o loteamento é considerado clandestino, ainda que seja possível a nulidade do contrato e restituição dos valores pagos, em muitos casos há o legítimo interesse de que haja a regularização, para que os adquirentes possam permanecer com os imóveis construídos.

Neste caso, a justiça tem entendido pela condenação do vendedor e do munícipio, para que ambos procedam com as obras de regularização. Vejamos:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PARCELAMENTO DO SOLO URBANO – LOTEAMENTO CLANDESTINO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – REGULARIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO – RESPONSABILIDADE. Parcelamento irregular do solo urbano. Ausência de quaisquer formalidades legais perante os órgãos públicos. Obrigação do empreendedor. Poder-dever do Município de fiscalizar e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF). Dever de todo loteador de tomar as providências referentes ao parcelamento do solo e atender às exigências urbanísticas da Lei n° 6.766/79. Irregularidades comprovadas. Condenação do Município e da loteadora à execução das obras de infraestrutura básica para regularização do loteamento. Admissibilidade. Pedido procedente, em parte. Sentença mantida. Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 3001813-08.2013.8.26.0470; Relator (a): Décio Notarangeli; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Porangaba – Vara Única; Data do Julgamento: 06/12/2020; Data de Registro: 06/12/2020)

Conclusão

É essencial analisar e consultar a matrícula atualizada do imóvel antes de qualquer negociação, pois este documento é público e constitui uma diligência mínima que todos os envolvidos em uma transação imobiliária devem adotar.

Se você adquiriu um terreno em um loteamento sem registro e está passando por dificuldades legais, procure a orientação de um advogado especializado em direito imobiliário. Esse suporte profissional pode ajudar a esclarecer seus direitos e a tomar as providências necessárias para resolver a situação com segurança. Proteja seu patrimônio e evite riscos, contando com o apoio de um especialista.

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Direito Tributário

Recebo pensão do INSS, mas moro fora do Brasil. Devo recolher imposto de renda no Brasil?

Para muitos brasileiros que recebem pensão do INSS e residem fora do país, a questão sobre a incidência de imposto de renda sobre esses valores é uma preocupação comum.

Até recentemente, a legislação impunha uma alíquota fixa de 25% sobre os rendimentos de aposentadoria e pensão pagos a residentes no exterior, conforme o art. 7º da Lei 9.779/99. No entanto, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou essa prática inconstitucional.

A decisão do STF

O caso de origem envolvia uma aposentada brasileira que vive em Portugal e recebia aposentadoria proveniente do Brasil. Com o recebimento, sob o valor era descontado 25%, a título de imposto de renda.

Em âmbito judicial, a aposentada argumentou que essa tributação desrespeitava os princípios de isonomia e progressividade previstos na Constituição, uma vez que os residentes no Brasil são tributados por uma tabela progressiva, enquanto os que vivem no exterior são sujeitos a uma alíquota única, sem considerar o valor dos rendimentos.

A tese defendida pela aposentada foi acolhida pelo STF, que considerou a alíquota única de 25% uma violação dos princípios constitucionais da progressividade e da não confisco.

Um dos argumentos utilizados pelo ministro relator do caso é que a progressividade é fundamental para garantir justiça tributária e que a aplicação de uma única alíquota desproporcional poderia até mesmo constituir confisco de recursos essenciais à subsistência.

O que muda após a decisão do STF

Com o entendimento do STF, os aposentados e pensionistas brasileiros que residem fora do país deixam de ser obrigados a pagar o imposto de renda na alíquota fixa e passam a serem tributados a partir da tabela progressiva, aplicada aos residentes no Brasil.

Vale ressaltar que, apesar dessa decisão, ainda existe a possibilidade de novas regulamentações sobre o tema, conforme apontado pelo ministro Flávio Dino, que sugeriu que a tributação dos residentes no exterior pode ser diferenciada, desde que respeite o princípio da progressividade.

Mesmo com a nova decisão, é importante que quem reside fora do Brasil continue atento às normas fiscais vigentes. Embora o pagamento do imposto sobre os rendimentos do INSS seja agora equiparado ao dos residentes no Brasil, a obrigação de declarar ou não depende das normas de cada ano fiscal e da faixa de isenção aplicável.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da alíquota fixa sob a aposentadoria de residentes no exterior:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Tema nº 1.174. Imposto de renda na fonte. Alíquota de 25%. Aposentadoria e pensão. Pessoa física residente ou domiciliada no exterior. Inconstitucionalidade. Desarmonia com a progressividade, a vedação do confisco, a isonomia, a proporcionalidade e a capacidade contributiva. 1. O imposto de renda cobrado de pessoa física orienta-se pelo critério da progressividade e, ainda, pelos princípios da vedação do confisco, da isonomia, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, entre outros preceitos constitucionais. 2. Está em desarmonia com o referido critério e os citados princípios a incidência, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, da alíquota de 25% de imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos de aposentadoria e pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior 3. Não apresentou o Fisco justificativa razoável para o tratamento tributário em questão aos residentes e domiciliados no exterior, o qual é, em termos gerais e abstratos, muitíssimo mais gravoso do que aquele conferido aos residentes e domiciliados no Brasil em situações similares. 4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É inconstitucional a sujeição, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, dos rendimentos de aposentadoria e de pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)”. 5. Recurso extraordinário não provido (STF – Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.327.491/SC. Min. Relator: Dias Toffoli. Data do Julgamento: 21/10/2024).

Conclusão

A decisão do STF se torna um alívio aos aposentados brasileiros que tem residência fiscal em outro país, dado que agora a tributação será progressiva, tal qual ocorre com os residentes no Brasil.

O ideal é contar com o auxílio de um advogado ou contador especializado em direito tributário internacional para evitar possíveis problemas com a Receita Federal e garantir que todos os trâmites sejam feitos de maneira correta. A orientação profissional é essencial para que se entenda como as normas se aplicam em cada caso específico e para assegurar o cumprimento das obrigações fiscais sem prejuízos.

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Direito de Família

Financiei um imóvel com meu marido antes de nos casarmos, mas me casei no regime de separação total e eu paguei sozinha as parcelas. Terei que dividir o imóvel em caso de divórcio?

A partilha de bens em divórcio está longe de ser definida tão somente pelas regras do regime de casamento escolhido pelas partes. Existem diversos fatores que influenciam em como os bens serão divididos e a existência de um imóvel financiado é uma delas.

Diante de tantas possibilidades, no artigo de hoje trataremos da questão do imóvel que foi financiado em nome de ambos os cônjuges antes do casamento, e a união foi pactuada sob o regime de separação total e, após o casamento, a quitação foi feita somente pela esposa.

As regras aplicáveis ao regime de separação total

No regime de separação total de bens, a regra é de que, com o divórcio, cada uma das partes manterá a propriedade exclusiva dos bens. Isto é, aquilo que era de cada um antes do casamento permanecerá com a parte e, os bens adquiridos durante a união ficará com o respectivo dono.

Pois bem, no caso do imóvel adquirido antes do casamento do nosso exemplo, por ter sido adquirido por ambos os cônjuges, a regra aplicada é de condomínio, já que foi comprada antes do casamento e, portanto, não se aplicam as normas de partilha do divórcio.

No entanto, na hipótese de o imóvel ter sido comprado por ambos os ex-cônjuges antes do casamento e somente uma das partes ter contribuído com o pagamento das partes, aqui é preciso destacar que, pelo imóvel estar em condomínio, não existe previsão de que é necessário a contribuição por igual pelas partes.

Outro ponto importante é que se o imóvel for adquirido para moradia da família, deverá ser verificado se ambos os cônjuges contribuíram para o sustento do lar. Neste caso, o pagamento das parcelas unilateralmente será visto como uma forma de contribuição para a manutenção do lar.

Hipótese do imóvel ser adquirido em nome de um dos cônjuges

Outra questão muito comum é a aquisição do imóvel para moradia da família durante a constância do casamento, mas que, por questões burocráticas, a compra do imóvel é feita em nome de um dos cônjuges.

Neste caso, ainda que o casamento seja celebrado sob o regime de separação total, comprovado que houve o esforço de ambos os cônjuges, a casa deverá ser partilhada igualmente.

Esta é uma regra que não se restringe ao imóvel financiado, mas também a todo bem adquirido sob essa condição.

O que diz a jurisprudência?

Outra questão relevante é que, os Tribunais têm entendido que, se as partes compram um imóvel antes do casamento, o regime de casamento aplicado não retroage para o período em que não estiveram casadas, conforme se verifica neste julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – UNIÃO ESTÁVEL – EMPRÉSTIMO ENTRE COMPANHEIROS – Alegação de que entre os companheiros se fez empréstimo visando à aquisição conjunta de imóvel, em regime de separação de bens, que foi registrado em nome de ambos – Conjunto probatório que infirma a tese do empréstimo – Imóvel adquirido durante a união estável, porém antes de firmado o acordo sobre o regime de separação total de bens – Regime de bens mais gravoso que não retroage – Negócio realizado sob o regime da comunhão parcial – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP; Apelação Cível 1017565-82.2021.8.26.0564; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2022; Data de Registro: 30/09/2022)

Conclusão

Embora o regime de separação total de bens estabeleça que cada cônjuge é responsável pelo que adquiriu individualmente, a situação de um imóvel financiado antes do casamento pode trazer interpretações diferentes.

Se o imóvel foi comprado em conjunto, e as parcelas foram pagas exclusivamente por um dos cônjuges, aplica-se as regras do condomínio e a partilha por regra além da metade para cada dependerá do caso em concreto.  A recomendação é sempre consultar um advogado especialista para obter uma análise precisa e personalizada.

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Direito Imobiliário

Comprei um imóvel e me arrependi. Posso fazer o distrato?

A compra de um imóvel, muitas vezes, representa a concretização de um plano de vida e, por isso, merece grande atenção dos compradores. Dada a seriedade do ato, é recomendável que as partes consultem um advogado especialista no assunto antes de concretizar a compra. Porém, é bem sabido que imprevistos acontecem e, durante este processo, é possível que o comprador precise desfazer o negócio, seja pela impossibilidade de pagamento, seja por questões pessoais.

Mas, será que a lei permite a desistência do negócio? Para responder a esta questão, é preciso, primeiro, verificar qual o tipo de imóvel adquirido: na planta ou já construído.

O distrato do imóvel comprado na planta

Para o imóvel comprado na planta, o distrato pode ser feito graças à Lei nº 13.786/2018. A partir desta lei, o distrato pode ser celebrado caso haja descumprimento contratual por parte da construtora ou caso haja desistência por parte do comprador. Nos termos da referida lei, o contrato de compra e venda celebrado com a construtora deve conter uma cláusula que estabeleça as razões que permitam o distrato e que esclareçam quais as penalidades aplicáveis.

Outro ponto importante é que é possível que o adquirente faça o distrato antes da entrega do imóvel. Neste caso, o contrato deve ter sido firmado exclusivamente com a incorporadora. A empresa, por sua vez, deverá devolver os valores atualizados pelo índice disposto em contrato, sendo possível o desconto da taxa de corretagem e de multa de até 25% do valor.

O distrato do imóvel já construído

No caso de imóvel já construído, não é aplicável a Lei nº 13.786/2018, visto que a norma regula somente os imóveis adquiridos na planta. Para estas situações, é aplicável o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Este último código só é aplicável nos casos em que a compra tenha sido realizada através de uma empresa e fora do seu estabelecimento.

No caso do contrato de compra e venda, o Código Civil estabelece que o distrato poderá ser feito caso haja inadimplemento da outra parte, isto é, caso o vendedor deixe de cumprir com o disposto em contrato. Porém, além desta disposição, o que será aplicável à relação jurídica é o que estiver escrito em contrato. Na hipótese de o contrato não prever situações que permitem o distrato, não será possível o desfazimento da venda sem a concordância do vendedor.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos importantes do distrato é que a sua anulação somente ocorrerá a partir da análise do caso concreto, feita na Justiça.

Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto, em que um comprador assinou o distrato, recebeu os valores e, dois anos após a celebração do ato, requereu a anulação:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESILIÇÃO UNILATERAL (DESISTÊNCIA) POR PARTE DO PROMITENTE COMPRADOR. AUSÊNCIA DE MORA DA PARTE RÉ. Autor que desistiu da compra de imóvel e firmou distrato com a ré. Autor que pretende anulação do distrato. Sentença anulando o distrato e condenando a parte ré na restituição de 80% da quantia paga pelo autor, corrigidos monetariamente do desembolso e com juros contados da citação. Apelação da parte ré. Sentença que se reforma. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por parte do comprador quando não for suportável o adimplemento contratual, com imediata restituição de valores pagos. Autor que, no entanto, já obteve administrativamente dos promitentes vendedores o distrato, mas busca agora a anulação do mesmo. Instrumento particular de distrato convertendo os valores pagos em carta de crédito a ser utilizada obrigatoriamente na aquisição de imóvel de grupo econômico do qual a ré faz parte. Autor maior de idade, plenamente capaz e, supostamente, com bom nível de instrução. Cláusula contratual clara e expressa, que não deixa margem a dúvidas de como se dará a restituição dos valores pagos. Autor que, inexplicavelmente, somente dois anos após assinatura do distrato buscou o Judiciário para obter sua anulação sem demonstrar qualquer vício de consentimento ou onerosidade excessiva a justificar sua pretensão. Necessidade de observar os princípios gerais que regem os contratos, tais como o da boa fé e do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora, com inversão dos ônus sucumbenciais. (0069054-18.2018.8.19.0002 – APELAÇÃO. Des(a).  RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 08/07/2021 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel é uma situação que demanda que as partes tenham muita cautela e atenção às leis.

É por isso que, se você está adquirindo um imóvel já construído, principalmente vendido por um particular, é extremamente importante que a venda seja celebrada a partir de um contrato de venda e que o documento seja redigido e revisado por um advogado especialista no assunto.

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Direito Civil

Meu plano de saúde não tem uma especialidade médica que preciso. Posso me consultar com um médico particular e pedir reembolso do valor da consulta ao plano?

A compra de um imóvel, muitas vezes, representa a concretização de um plano de vida e, por isso, merece grande atenção dos compradores. Dada a seriedade do ato, é recomendável que as partes consultem um advogado especialista no assunto antes de concretizar a compra. Porém, é bem sabido que imprevistos acontecem e, durante este processo, é possível que o comprador precise desfazer o negócio, seja pela impossibilidade de pagamento, seja por questões pessoais.

Mas, será que a lei permite a desistência do negócio? Para responder a esta questão, é preciso, primeiro, verificar qual o tipo de imóvel adquirido: na planta ou já construído.

O distrato do imóvel comprado na planta

Para o imóvel comprado na planta, o distrato pode ser feito graças à Lei nº 13.786/2018. A partir desta lei, o distrato pode ser celebrado caso haja descumprimento contratual por parte da construtora ou caso haja desistência por parte do comprador. Nos termos da referida lei, o contrato de compra e venda celebrado com a construtora deve conter uma cláusula que estabeleça as razões que permitam o distrato e que esclareçam quais as penalidades aplicáveis.

Outro ponto importante é que é possível que o adquirente faça o distrato antes da entrega do imóvel. Neste caso, o contrato deve ter sido firmado exclusivamente com a incorporadora. A empresa, por sua vez, deverá devolver os valores atualizados pelo índice disposto em contrato, sendo possível o desconto da taxa de corretagem e de multa de até 25% do valor.

O distrato do imóvel já construído

No caso de imóvel já construído, não é aplicável a Lei nº 13.786/2018, visto que a norma regula somente os imóveis adquiridos na planta. Para estas situações, é aplicável o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Este último código só é aplicável nos casos em que a compra tenha sido realizada através de uma empresa e fora do seu estabelecimento.

No caso do contrato de compra e venda, o Código Civil estabelece que o distrato poderá ser feito caso haja inadimplemento da outra parte, isto é, caso o vendedor deixe de cumprir com o disposto em contrato. Porém, além desta disposição, o que será aplicável à relação jurídica é o que estiver escrito em contrato. Na hipótese de o contrato não prever situações que permitem o distrato, não será possível o desfazimento da venda sem a concordância do vendedor.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos importantes do distrato é que a sua anulação somente ocorrerá a partir da análise do caso concreto, feita na Justiça.

Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto, em que um comprador assinou o distrato, recebeu os valores e, dois anos após a celebração do ato, requereu a anulação:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESILIÇÃO UNILATERAL (DESISTÊNCIA) POR PARTE DO PROMITENTE COMPRADOR. AUSÊNCIA DE MORA DA PARTE RÉ. Autor que desistiu da compra de imóvel e firmou distrato com a ré. Autor que pretende anulação do distrato. Sentença anulando o distrato e condenando a parte ré na restituição de 80% da quantia paga pelo autor, corrigidos monetariamente do desembolso e com juros contados da citação. Apelação da parte ré. Sentença que se reforma. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por parte do comprador quando não for suportável o adimplemento contratual, com imediata restituição de valores pagos. Autor que, no entanto, já obteve administrativamente dos promitentes vendedores o distrato, mas busca agora a anulação do mesmo. Instrumento particular de distrato convertendo os valores pagos em carta de crédito a ser utilizada obrigatoriamente na aquisição de imóvel de grupo econômico do qual a ré faz parte. Autor maior de idade, plenamente capaz e, supostamente, com bom nível de instrução. Cláusula contratual clara e expressa, que não deixa margem a dúvidas de como se dará a restituição dos valores pagos. Autor que, inexplicavelmente, somente dois anos após assinatura do distrato buscou o Judiciário para obter sua anulação sem demonstrar qualquer vício de consentimento ou onerosidade excessiva a justificar sua pretensão. Necessidade de observar os princípios gerais que regem os contratos, tais como o da boa fé e do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora, com inversão dos ônus sucumbenciais. (0069054-18.2018.8.19.0002 – APELAÇÃO. Des(a).  RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 08/07/2021 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel é uma situação que demanda que as partes tenham muita cautela e atenção às leis.

É por isso que, se você está adquirindo um imóvel já construído, principalmente vendido por um particular, é extremamente importante que a venda seja celebrada a partir de um contrato de venda e que o documento seja redigido e revisado por um advogado especialista no assunto.

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Direito Tributário

STF inicia julgamento sobre o uso de precatórios para pagamento de dívidas de ICMS

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou recentemente um julgamento que pode impactar a maneira como os estados brasileiros administram suas dívidas tributárias.

Em análise, está a possibilidade de usar precatórios — dívidas que o poder público tem com particulares, reconhecidas judicialmente — para quitar débitos de ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

O caso em questão envolve uma lei do Estado do Amazonas, mas a decisão pode abrir precedentes para outros estados.

A regra do ICMS e a questão do repasse

O ICMS é um imposto importante para os estados e municípios, pois 25% da sua arrecadação deve ser repassada aos municípios. Uma lei do Amazonas permite que os contribuintes utilizem precatórios para pagar dívidas de ICMS. Porém, essa prática foi questionada na Justiça, pois poderia prejudicar o repasse obrigatório aos municípios.

O relator do caso votou a favor dessa compensação, desde que sejam cumpridas as exigências da Constituição. Ele argumentou que a lei não viola a Constituição, pois permite que todos os contribuintes usem precatórios para quitar suas dívidas de ICMS de forma igualitária.

Na visão do relator, essa compensação não prejudica outros credores de precatórios e, na verdade, pode até acelerar o pagamento dessas dívidas, ajudando as empresas com débitos de ICMS e acelerando a quitação das dívidas do governo.

O ponto principal é garantir que o uso de precatórios para pagar ICMS não afete o repasse obrigatório de 25% da arrecadação aos municípios. O STF já decidiu que, em casos de compensação ou negociação tributária, os estados precisam repassar essa porcentagem ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O relator deu ganho parcial à ação, determinando que a Lei nº 3.062/2006, do Amazonas, deve ser interpretada de acordo com a Constituição. Isso significa que o uso de precatórios para compensar ICMS deve respeitar o repasse de 25% aos municípios, conforme o artigo 158 da Constituição Federal.

Impacto para o Amazonas e outros estados

A Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas informou que o estado já cumpre a regra de repasse dos 25% aos municípios e que essa prática continuará. Para empresas e estados, o julgamento é de grande importância, pois define como será permitido o uso de precatórios na compensação de débitos fiscais, o que pode impactar o fluxo de caixa e o equilíbrio orçamentário.

Caso a decisão do STF abra precedentes, outros estados poderão adotar práticas semelhantes, utilizando precatórios para ajudar na gestão de suas dívidas tributárias, desde que garantam o repasse obrigatório aos municípios. Isso pode representar uma alternativa interessante para aliviar o caixa dos estados e, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos municípios e dos credores de precatórios.

O que diz a jurisprudência?

A questão do uso de precatórios para compensar o pagamento de tributos é objeto de extensa discussão nos Tribunais.

Nos julgamentos, existe a questão primordial de que, para ser autorizada a compensação, deve haver identidade de credor e devedor das relações tributárias, conforme verificamos nesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

COMPENSAÇÃO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO COM PRECATÓRIO – Eficácia suspensa do art. 78 do ADCT determinada pelo C. STF na ADI nº 2356 e ADI nº 2362 – Tema nº 111, de repercussão geral reconhecida, pelo C. STF, ainda sem julgamento – Pretensão de compensar dívidas de ICMS com precatórios de natureza alimentar – Descabimento – Precatórios indicados pela empresa que não são relativos à dívida da Fazenda, mas de autarquia – Falta de identidade entre credor e devedor das relações jurídicas – Débitos, aliás, que não têm a mesma origem – Falta de lei que autorize e discipline a pretendida compensação, nos termos do art. 155, §2º, XII, c, da CF/88 e art. 170 do CTN – Precedentes dos Tribunais Superiores – EC nº 62/09 que não favorece a tese da empresa – Dívida de agosto de 2018, não abrangida pela modulação dos efeitos da decisão proferida na ADI nº 4357, que julgou a inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10º, do art. 100 da CF/88, com redação dada pela EC nº 62/09 – Precedentes deste E. Tribunal – Sentença de improcedência mantida. APELO IMPROVIDO. (TJSP;  Apelação Cível 1045617-74.2018.8.26.0053; Relator (a): Maria Fernanda de Toledo Rodovalho; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/03/2022; Data de Registro: 15/03/2022)

Conclusão

O julgamento sobre o uso de precatórios para pagamento de ICMS está longe de ser apenas uma questão técnica; ele representa um equilíbrio delicado entre gestão fiscal e o respeito ao pacto federativo.

Para empresas com dívidas de ICMS, essa decisão pode abrir uma nova possibilidade de negociação e compensação de débitos. Já para estados e municípios, é uma oportunidade de repensar o uso de recursos, desde que sejam mantidos os repasses constitucionais.