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Posso ser cobrado extrajudicialmente por dívida prescrita?

O tema da cobrança de dívidas prescritas tem gerado muitas dúvidas e discussões, especialmente em relação à legitimidade de cobranças extrajudiciais e o impacto nos direitos dos consumidores.

Com o avanço de plataformas de cobrança de órgãos de proteção de crédito, que disponibilizam dívidas antigas para negociação, surge a pergunta: até que ponto é permitido cobrar dívidas prescritas?

No artigo de hoje, exploraremos a questão da prescrição de dívida e dos entendimentos recentes dos tribunais superiores.

O que é uma dívida prescrita?

No Brasil, o prazo de prescrição para a cobrança judicial de dívidas é, em regra, de cinco anos, conforme estabelece o Código Civil. Isso significa que, após esse período, o credor perde o direito de exigir o pagamento pela via judicial. No entanto, a dívida em si não é extinta — ela permanece existindo, isto é, o devedor ainda tem o dever de pagar.

Isso cria uma separação entre a obrigação devida (que persiste) e a possibilidade de o credor acioná-la judicialmente (que se extingue com a prescrição). Com base nessa distinção, credores argumentam que a cobrança extrajudicial — como propostas de negociação amigável — seria legítima.

Cobrança extrajudicial de dívida prescrita: é permitido?

A cobrança extrajudicial de dívidas prescritas é um tema sensível e controverso. De um lado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege os consumidores contra abusos, especialmente no artigo 43, que limita a permanência de informações negativas em cadastros de crédito a cinco anos. Após esse período, registros sobre a dívida devem ser excluídos, de modo a não expor o consumidor ao constrangimento.

Por outro lado, o Código Civil permite que o credor busque meios amigáveis para receber o valor, desde que isso seja feito sem coação ou práticas abusivas. O artigo 882 do Código Civil reforça essa possibilidade ao estabelecer que, se o devedor decidir pagar uma dívida prescrita, não poderá exigir o valor de volta. Esse entendimento fundamenta a legitimidade das cobranças extrajudiciais.

No caso de plataformas de órgãos de proteção de crédito, elas funcionam como um ambiente restrito, no qual apenas o devedor tem acesso às informações sobre suas dívidas e pode optar por negociar com o credor.

Diferentemente dos registros de inadimplência, essas plataformas não expõem os dados a terceiros, o que evita constrangimento público. Por isso, defensores desse modelo argumentam que ele não viola o CDC.

O que diz a jurisprudência?

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) está analisando o Tema Repetitivo 1264, que definirá os limites da cobrança extrajudicial de dívidas prescritas. Essa decisão terá impacto direto em todos os processos sobre o tema e poderá trazer maior clareza jurídica, conciliando a proteção ao consumidor com a necessidade de recuperação de crédito.

Os tribunais de justiça, por sua vez, vêm entendendo que a dívida prescrita não pode ser cobrada em âmbito extrajudicial, conforme verificamos nesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

AÇÃO DECLARATÓRIA – COBRANÇA INDEVIDA – DÍVIDA PRESCRITA – I- Sentença de procedência – Apelo do réu – II- Prescrição do débito incontroversa – O fato de a dívida estar prescrita é suscetível de torná-la inexigível, impedindo os interessados de cobrar e tomar medidas extrajudiciais para a satisfação dos créditos sobre os quais já ocorrera a perda da pretensão do seu direito, não passando de uma mera obrigação natural, cuja satisfação somente poderia ser paga voluntariamente por quem já foi devedor – Prescrita a dívida, impossível que se proceda à cobrança, quer por meio judicial, quer por meio extrajudicial – Ação procedente – Sentença mantida – Sentença proferida e publicada quando já em vigor o NCPC – Honorários advocatícios majorados, nos termos do art. 85, §11, do NCPC, para R$1.300,00 – Apelo improvido. (TJSP;  Apelação Cível 1015128-90.2021.8.26.0007; Relator (a): Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII – Itaquera – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/04/2022; Data de Registro: 20/04/2022)

Conclusão

As dívidas prescritas podem ser cobradas extrajudicialmente, desde que de forma ética e sem práticas abusivas. Plataformas restritas de negociação oferecem uma alternativa para a quitação desses débitos, sem ferir os direitos do consumidor.

No entanto, o julgamento do Tema 1264 pelo STJ será crucial para estabelecer limites claros e promover maior segurança jurídica, equilibrando os direitos dos consumidores com a eficiência econômica do mercado de crédito.

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O plano de saúde reajustou o valor do plano por um valor insustentável. É possível recorrer à justiça para reduzir os valores?

Os planos de saúde são uma segurança essencial para milhares de brasileiros, garantindo acesso a tratamentos médicos e hospitalares de qualidade. No entanto, muitos beneficiários enfrentam um desafio recorrente: os altos reajustes nos valores cobrados pelas operadoras. Essa situação se agrava principalmente nos planos coletivos e na mudança de faixa etária, surpreendendo os consumidores com boletos de valores exorbitantes.

Mas afinal, esses reajustes são legais? E o que pode ser feito para questioná-los? Pensando nisso, neste artigo abordaremos as situações em que o plano de saúde pode aumentar os valores e o que fazer caso o reajuste seja abusivo.

Reajustes: quando são permitidos?

A lei permite reajustes nos planos de saúde tanto coletivos quanto individuais. No caso dos planos individuais ou familiares, os percentuais de aumento são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ANS utiliza índices de variação de despesas médicas e a inflação oficial (IPCA) para definir os limites de reajuste.

Já nos planos coletivos, a regra é diferente: as operadoras não precisam seguir os índices da ANS. Em vez disso, os reajustes são determinados com base em negociações contratuais entre as empresas contratantes e as operadoras.

Dois fatores costumam justificar os aumentos: a sinistralidade, que éo índice de utilização do plano pelos beneficiários. Quanto maior o uso dos serviços, maior será o percentual de reajuste; e a alteração de faixa etária, onde a mudança de categoria etária é um fator previsto em contrato que impacta diretamente o valor do plano.

Embora essas justificativas sejam legais, a operadora deve apresentar documentos detalhados que comprovem a necessidade do percentual aplicado. Sem essa comprovação, o reajuste pode ser considerado abusivo.

Como identificar um aumento abusivo?

O aumento pode ser considerado abusivo quando ele está fora dos critérios de reajuste estabelecidos em contrato. Em tempo, aqui é preciso destacar que os contratos assinados com os planos de saúde nem sempre são claros quanto às questões do aumento anual, razão pelo qual é importante que o documento seja analisado por um profissional competente.

O segundo ponto é verificar o índice de reajuste estabelecidos pela ANS. Muito embora o índice da ANS não se aplique aos planos coletivos, caso o aumento seja muito superior ao estabelecido pelo órgão, a jurisprudência tem permitido a correção do reajuste.

Por fim, o consumidor também tem direito de solicitar informações detalhadas sobre o reajuste à operadora de saúde, como os dados que embasam o reajuste e o índice de sinistralidade.

Se após a análise destes critérios seja verificado que a reajuste é abusivo, é possível tomar algumas medidas para contestá-lo:

  1. Negociação direta: Procure a operadora de saúde através do SAC ou da Ouvidoria. Relate o problema e solicite a revisão do reajuste.
  2. Ação judicial: Se a operadora não atender à solicitação, o beneficiário pode recorrer à Justiça. Um advogado especializado poderá ingressar com uma ação para questionar o aumento. Em muitos casos, o Poder Judiciário concede liminares para a redução imediata do valor enquanto o processo é analisado.

Ao levar o caso ao Judiciário, o consumidor tem a chance de garantir um reajuste justo e proporcional, evitando que o alto custo comprometa o acesso aos serviços de saúde. Decisões favoráveis frequentemente determinam a aplicação de índices mais equilibrados ou até mesmo a restituição de valores pagos a mais.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que decidiu pela ilegalidade do reajuste do plano coletivo, que variou em 222%, tendo baseado nos índices de reajuste da ANS:

APELAÇÃO. REVISIONAL DE CONTRATO. PLANO DE SAÚDE. Autora beneficiária do plano de saúde coletivo por adesão firmado com a AFPESP. Alegação de existência de reajustes abusivos, com variação de 222,82%, chegando ao importe de R$3.314,02. Pretensão de redução do valor do prêmio em sede de tutela, bem como a condenação das rés para que recalculem o valor da mensalidade do seguro, com a substituição dos percentuais aplicados pelos índices de reajuste pela ANS ou por índices apurados em liquidação de sentença, com a devolução da diferença paga em maior valor. Tutela concedida. Sentença de procedência. Insurgência da requerida. Cláusula limitadora de reajuste que se alinha com os princípios norteadores do CDC. Inobservância do dever de informação. Inexistência de provas a subsidiar o reajuste. Inteligência da Súmula 608 do STJ. A situação como apresentada coloca o consumidor em manifesta desvantagem. Ônus do fornecedor. Reajuste abusivo que, à míngua de outros elementos, deve ser revisto, considerando os índices apresentados pela ANS. Reajuste por faixa etária. 59 anos. Inteligência das teses fixadas no IRDR Nº 0043940-25-2017.8.26.0000 desta Corte e tema 1016 do STJ. Necessária a apuração do reajuste em liquidação de sentença. Aplicação do Recurso Repetitivo n. 1.568.244/RJ. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1026998-13.2022.8.26.0100; Relator (a): Vitor Frederico Kümpel; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/03/2023; Data de Registro: 17/03/2023)

Conclusão

Os reajustes dos planos de saúde podem representar um desafio significativo para muitos consumidores, mas é importante lembrar que a lei oferece mecanismos para questionar aumentos abusivos. Procurar orientação jurídica especializada é o primeiro passo para garantir seus direitos e manter o acesso a um plano de saúde em condições justas.

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Perder um evento religioso em razão de atraso de voo gera direito a indenização

Viajar de avião é, muitas vezes, sinônimo de praticidade, mas atrasos e cancelamentos de voos podem trazer sérios transtornos, especialmente quando envolvem compromissos inadiáveis, como eventos religiosos. Nesses casos, a questão que surge é: o passageiro tem direito à indenização? Decisões judiciais recentes indicam que sim.

O que diz a legislação sobre atrasos e cancelamentos de voos?

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), companhias aéreas têm responsabilidade objetiva em casos de falhas na prestação de serviço. Isso significa que, independentemente de culpa, elas são responsáveis pelos prejuízos causados aos passageiros, sejam eles materiais ou morais. Além disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) estabelece que, em casos de atrasos superiores a quatro horas, as empresas devem oferecer assistência material, incluindo alimentação, hospedagem e transporte.

No entanto, quando o atraso resulta em danos mais profundos, como a perda de um evento religioso de alta relevância pessoal, o dano moral também entra em discussão. Os tribunais têm reconhecido que o impacto emocional e espiritual decorrente da impossibilidade de participar de um momento significativo deve ser compensado.

O dano moral gerado pela perda de evento religioso

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso emblemático envolvendo passageiros judeus que perderam um evento religioso devido a atrasos.

A decisão judicial reconheceu os danos sofridos pelos passageiros, determinando a indenização por danos materiais no valor de R$ 6,3 mil e majorando os danos morais para R$ 15 mil por pessoa, totalizando R$ 45 mil.

No caso citado, a prática religiosa dos passageiros e o impacto do atraso na sua rotina espiritual foram fatores determinantes para a decisão judicial. A Justiça considerou não apenas o abalo financeiro causado pelas despesas adicionais, mas também o sofrimento emocional decorrente da impossibilidade de cumprir um preceito sagrado.

Danos morais são especialmente relevantes em situações que envolvem a violação de direitos ligados à dignidade, cultura e crença religiosa. Nesses casos, a indenização vai além da compensação monetária, servindo como um reconhecimento do direito à liberdade de crença e à prática religiosa.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu o dever da companhia aérea indenizar os passageiros que perderam o evento religioso em razão do atraso do voo:

APELAÇÃO. Ação de indenização por danos morais. Transporte aéreo. Dano moral indenizável. Pedido de majoração do quantum indenizatório para R$ 15.000,00 para cada autor. Valor arbitrado em r. sentença que deve ser majorado para R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada autor, conforme precedentes desta C. Câmara. Termo inicial dos juros moratórios. Devem ser contados a partir da citação, pois houve a relação contratual indigitada. Reforma parcial da r. sentença. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1121974-75.2023.8.26.0100; Relator (a): Décio Rodrigues; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/11/2024; Data de Registro: 05/11/2024)

Conclusão

Perder um evento religioso devido ao atraso de voo pode, sim, gerar direito à indenização, tanto por danos materiais quanto morais. Cada caso, porém, será analisado à luz de suas peculiaridades, como a relevância do evento perdido e o impacto causado ao passageiro.

Para garantir seus direitos, é essencial que o passageiro registre todas as informações do incidente, incluindo recibos de gastos e comunicados da companhia aérea. Caso os prejuízos sejam significativos, procurar um advogado especializado em Direito do Consumidor pode ser o primeiro passo para buscar a reparação adequada.

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Juros exorbitantes em contratos bancários: justiça tem decidido que abusividade da taxa deve ser coibida

A volatilidade da taxa de juros no Brasil somada ao índice de inadimplência tem tornado cada vez mais difícil o acesso ao crédito no país. Com isso, é exponencial o número de reclamações no judiciário acerca da abusividade dos juros aplicados e que tornam impossível o pagamento da dívida pelos devedores.

No entanto, diversos são os tribunais que entendem que, em caso de juros abusivos aplicados, é dever da instituição financeira reduzir a taxa ao patamar aplicado pelo Banco Central.

No artigo de hoje explicaremos os detalhes desta questão, no intuito de te auxiliar a lidar com estas questões.

As taxas de juros determinada pela lei

No Brasil, o limite para a taxa de juros varia de acordo com o tipo de operação financeira e com as regulamentações aplicáveis a cada caso.

A Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) estabelece que, em contratos simples feitos entre pessoas físicas, os juros cobrados não devem ultrapassar o dobro da taxa legal, que é de 1% ao mês (ou 12% ao ano), resultando em um limite de 2% ao mês. No entanto, essa regra não se aplica a contratos com bancos e instituições financeiras reguladas pelo Banco Central.

O Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) são os responsáveis por regular as taxas de juros em várias operações financeiras. Por exemplo, na modalidade de crédito rotativo do cartão de crédito — quando o consumidor opta por pagar apenas parte da fatura — a taxa de juros não pode ultrapassar 8% ao mês.

Já nos contratos bancários, as taxas de juros podem ser negociadas entre as partes, mas o banco tem a obrigação de ser transparente e agir de boa-fé. Se a instituição financeira aplicar uma taxa muito acima da média de mercado, sem uma justificativa clara, a Justiça pode interpretar essa cobrança como abusiva.

Esses limites variam conforme o tipo de crédito e as condições específicas de cada contrato.

O conceito de abusividade determinado pelo STJ

A jurisprudência do STJ que vem sendo amplamente utilizada pelos tribunais estaduais determina que a taxa de juros é abusiva quando está 1,5 vez a mais que a taxa média.

Quando a taxa de juros é considerada excessiva e abusiva, ela deve ser ajustada para o nível da taxa média estabelecida pelo Banco Central, correspondente ao período em que o contrato foi firmado para operações similares.

Em suas decisões, os tribunais geralmente ajustam a taxa de juros do contrato para a média de mercado e determinam que a instituição financeira devolva ao cliente o valor cobrado a mais.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que conheceu a abusividade da taxa de juros aplicada, tendo por base o entendimento do STJ e determinou a devolução dos valores pagos a mais:

Apelação Cível. Ação Revisional de Juros Abusivos. Sentença de procedência do pedido. Inconformismo. Contratação de empréstimo pessoal não-consignado. Preliminar de contrarrazões sobre violação ao princípio da dialeticidade recursal. Afastamento. Repetição dos argumentos da contestação, por si só, que não impossibilita o conhecimento da apelação. Taxas de juros que estão acima das médias praticadas pelo mercado no contrato objeto destes autos. Precedente do E. STJ. São abusivas taxas superiores uma vez e meia ao dobro ou ao triplo da taxa média. Abusividade identificada. Onerosidade excessiva. Limitação das taxas de juros que se impõe reconhecida. Adequação às taxas médias de mercado, nos termos da fundamentação. Restrição à liberdade contratual que tem por escopo a preservação da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Recálculo em liquidação, para devolução simples do excesso, como fixado no r. julgado. Quantias que deverão sofrer correção monetária desde o desembolso e acréscimo de juros moratórios desde a citação, restituídas ou decotadas por recálculo do contrato, em havendo obrigações vincendas. Sentença parcialmente reformada. Prequestionamento suscitado pela autora em contrarrazões. Previsão legal. Artigo 1.025 do Código de Processo Civil. Expediente, todavia, prejudicado, pois analisados todos os temas relativos à controvérsia apresentada. Recurso provido em parte. (TJSP;  Apelação Cível 1065007-78.2021.8.26.0100; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/03/2023; Data de Registro: 12/03/2023)

Conclusão

A cobrança de juros exorbitantes em contratos bancários é uma prática que pode e deve ser questionada judicialmente. Cada vez mais, o Judiciário tem reconhecido o direito do consumidor à revisão de contratos abusivos, principalmente quando há desproporção nos juros aplicados.

Portanto, se você se encontra em uma situação de juros excessivos, é válido buscar orientação jurídica e, se necessário, recorrer ao Judiciário para garantir que seus direitos sejam respeitados.

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Meu plano de saúde não tem uma especialidade médica que preciso. Posso me consultar com um médico particular e pedir reembolso do valor da consulta ao plano?

A compra de um imóvel, muitas vezes, representa a concretização de um plano de vida e, por isso, merece grande atenção dos compradores. Dada a seriedade do ato, é recomendável que as partes consultem um advogado especialista no assunto antes de concretizar a compra. Porém, é bem sabido que imprevistos acontecem e, durante este processo, é possível que o comprador precise desfazer o negócio, seja pela impossibilidade de pagamento, seja por questões pessoais.

Mas, será que a lei permite a desistência do negócio? Para responder a esta questão, é preciso, primeiro, verificar qual o tipo de imóvel adquirido: na planta ou já construído.

O distrato do imóvel comprado na planta

Para o imóvel comprado na planta, o distrato pode ser feito graças à Lei nº 13.786/2018. A partir desta lei, o distrato pode ser celebrado caso haja descumprimento contratual por parte da construtora ou caso haja desistência por parte do comprador. Nos termos da referida lei, o contrato de compra e venda celebrado com a construtora deve conter uma cláusula que estabeleça as razões que permitam o distrato e que esclareçam quais as penalidades aplicáveis.

Outro ponto importante é que é possível que o adquirente faça o distrato antes da entrega do imóvel. Neste caso, o contrato deve ter sido firmado exclusivamente com a incorporadora. A empresa, por sua vez, deverá devolver os valores atualizados pelo índice disposto em contrato, sendo possível o desconto da taxa de corretagem e de multa de até 25% do valor.

O distrato do imóvel já construído

No caso de imóvel já construído, não é aplicável a Lei nº 13.786/2018, visto que a norma regula somente os imóveis adquiridos na planta. Para estas situações, é aplicável o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Este último código só é aplicável nos casos em que a compra tenha sido realizada através de uma empresa e fora do seu estabelecimento.

No caso do contrato de compra e venda, o Código Civil estabelece que o distrato poderá ser feito caso haja inadimplemento da outra parte, isto é, caso o vendedor deixe de cumprir com o disposto em contrato. Porém, além desta disposição, o que será aplicável à relação jurídica é o que estiver escrito em contrato. Na hipótese de o contrato não prever situações que permitem o distrato, não será possível o desfazimento da venda sem a concordância do vendedor.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos importantes do distrato é que a sua anulação somente ocorrerá a partir da análise do caso concreto, feita na Justiça.

Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto, em que um comprador assinou o distrato, recebeu os valores e, dois anos após a celebração do ato, requereu a anulação:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESILIÇÃO UNILATERAL (DESISTÊNCIA) POR PARTE DO PROMITENTE COMPRADOR. AUSÊNCIA DE MORA DA PARTE RÉ. Autor que desistiu da compra de imóvel e firmou distrato com a ré. Autor que pretende anulação do distrato. Sentença anulando o distrato e condenando a parte ré na restituição de 80% da quantia paga pelo autor, corrigidos monetariamente do desembolso e com juros contados da citação. Apelação da parte ré. Sentença que se reforma. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por parte do comprador quando não for suportável o adimplemento contratual, com imediata restituição de valores pagos. Autor que, no entanto, já obteve administrativamente dos promitentes vendedores o distrato, mas busca agora a anulação do mesmo. Instrumento particular de distrato convertendo os valores pagos em carta de crédito a ser utilizada obrigatoriamente na aquisição de imóvel de grupo econômico do qual a ré faz parte. Autor maior de idade, plenamente capaz e, supostamente, com bom nível de instrução. Cláusula contratual clara e expressa, que não deixa margem a dúvidas de como se dará a restituição dos valores pagos. Autor que, inexplicavelmente, somente dois anos após assinatura do distrato buscou o Judiciário para obter sua anulação sem demonstrar qualquer vício de consentimento ou onerosidade excessiva a justificar sua pretensão. Necessidade de observar os princípios gerais que regem os contratos, tais como o da boa fé e do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora, com inversão dos ônus sucumbenciais. (0069054-18.2018.8.19.0002 – APELAÇÃO. Des(a).  RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 08/07/2021 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel é uma situação que demanda que as partes tenham muita cautela e atenção às leis.

É por isso que, se você está adquirindo um imóvel já construído, principalmente vendido por um particular, é extremamente importante que a venda seja celebrada a partir de um contrato de venda e que o documento seja redigido e revisado por um advogado especialista no assunto.

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Quais os direitos do consumidor em caso de interrupção de serviços essenciais, como luz e internet?

Em um processo de inventário, o prazo para o pagamento do ITCMD varia conforme o estado. No geral, o prazo para pagamento começa a contar da data em que a Fazenda Estadual homologou os cálculos. No entanto, é possível que as partes façam o recolhimento dos valores e, posteriormente, haja uma alteração da lei que determine um novo cálculo do imposto. Ou, ainda, é possível que os bens sejam partilhados e somente depois a Fazenda conteste o valor recolhido de ITCMD. Neste caso, qual será o prazo para o recolhimento da diferença do tributo? Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante decisão sobre o tema.

A decisão do STJ

No julgamento do EAResp 1621841/RS, o STJ decidiu o seguinte caso: o estado do Rio Grande do Sul possuía uma lei de cálculo do ITCMD, que fora questionada judicialmente. Durante o tempo de tramitação da discussão, a cobrança do ITCMD foi suspensa.

Após a decisão do STF sobre o verdadeiro cálculo, o estado começou a realizar a cobrança com base na decisão judicial. No entanto, o STJ entendeu que houve a decadência de cobrar os créditos não cobrados durante o trâmite da decisão e que, portanto, não poderia mais o fisco requerer os valores prescritos. Porém, o STJ também entendeu que o fisco pode cobrar a diferença dos valores sempre que houver processo em trâmite discutindo sobre o cálculo de imposto.

Na prática, a decisão do STJ abre um importante precedente para o seguinte: enquanto estiver tramitando ação sobre o cálculo do imposto, o fisco deve cobrar os valores a partir do entendimento consolidado.

Após decisão transitada em julgado sobre a forma do cálculo, o fisco poderá cobrar a diferença do contribuinte, sendo o prazo para cobrança de 5 anos, contados do trânsito em julgado da ação. Logo, os herdeiros devem ficar atentos quanto à possibilidade de existir ação em andamento que possa alterar a forma de cálculo do imposto, pois, mesmo após o pagamento, é possível que o estado cobre os valores adicionais.

Qual o prazo para recolhimento do ITCMD em processo de inventário?

Cada estado estabelece um prazo para o pagamento do ITCMD nos processos de inventário. No estado de São Paulo, o imposto deve ser pago em até 30 dias após a homologação do cálculo pela Fazenda. Na prática, os herdeiros apresentam o cálculo dos tributos no processo e a Fazenda homologa ou contesta. Somente após a homologação é que deve ser feito o pagamento. Já no Rio de Janeiro, o pagamento é feito da mesma forma, porém, o prazo é de 60 dias contados da data da homologação dos cálculos. No caso dos inventários extrajudiciais, o prazo é de 90 dias, contados da data do falecimento do de cujus.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do STJ sobre o prazo final para o recolhimento do ITCMD na partilha pós-morte:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO – ITCMD. INVENTÁRIO. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. CONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO JUDICIAL. COBRANÇA DE DIFERENÇA. LANÇAMENTO COMPLEMENTAR. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. 1. Esta Corte superior consolidou o entendimento de que o prazo decadencial para o lançamento do tributo inicia-se com a identificação dos aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese de incidência tributária, o que se dá, no caso do ITCMD, via de regra, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha. 2. Hipótese em que apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida em agravo de instrumento que, em juízo de conformação, aplicou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 562.045/RS, submetido ao rito da repercussão geral, encerrou-se o debate acerca da constitucionalidade da progressividade de alíquota, momento em que surgiu para o ente estadual o direito de efetuar o lançamento complementar de ITCMD referente à diferença devida e, por conseguinte, foi inaugurado o prazo decadencial quinquenal, na forma do art. 173, I, do CTN. 3. A decisão do juízo do inventário sobre a alíquota aplicável ao ITCMD é plenamente eficaz, fazendo surtir seus efeitos de imediato, visto que o agravo de instrumento contra ela interposto não é dotado de automático efeito suspensivo, de modo que, desde a sua prolação, encontrava-se a Administração impedida juridicamente de lançar o imposto com alíquota diferente, sob pena de clara desobediência a essa ordem judicial. 4. In casu, a decisão judicial referida não se enquadra nas hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário previstas no art. 151 do CTN, sendo inaplicável a jurisprudência desta Seção acerca da possibilidade de a Fazenda Pública efetuar o lançamento para evitar a decadência enquanto perdurar a medida suspensiva. 5. Embargos de divergência providos. (EAREsp n. 1.621.841/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 14/9/2022, DJe de 8/11/2022.)

Conclusão

Sendo o pagamento do ITCMD uma parte importante nos processos de inventário, é essencial que as famílias contem com um advogado que esteja por dentro dos recentes entendimentos e julgamentos sobre o tema.

Se você tem dúvidas sobre o assunto, consulte a nossa equipe!

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Meu plano de saúde pode interromper as sessões de terapia por ter ultrapassado o número máximo de sessões?

Os conflitos entre pacientes e planos de saúde são vários, e a recente decisão do STJ que determinou que o rol da ANS é taxativo só resolveu uma pequena parte dos problemas. Uma das questões debatidas nos tribunais é a limitação do número de sessões de terapia. A questão é que os planos estabelecem um número máximo de sessões, de acordo com a doença do paciente. Porém, recentemente a Agência Nacional de Saúde (ANS) determinou que os planos de saúde não podem limitar o número de sessões de terapias. Esta é uma decisão importante e que mudará o tratamento de diversas doenças.

A decisão da ANS

A partir de uma reunião extraordinária realizada no mês de julho de 2022, a ANS determinou o fim da limitação do número de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Com isso, qualquer paciente que tenha uma doença reconhecida pela OMS e tenha por prescrição a realização de terapia, deverá ter o acesso à medida através do seu plano de saúde, de acordo com o que for prescrito pelo médico.

Antes, a ANS estabelecia um número máximo de sessões por ano, a depender do tratamento realizado. Por exemplo, no caso de sessões com psicólogo para pacientes com estresse e síndromes comportamentais, eram liberadas 18 sessões por ano. A partir desta nova medida, é vedado aos planos limitar o número de sessões a serem realizadas no tratamento do paciente.

A necessidade de indicação de médico assistente

Ainda que a regra de limitação de sessões tenha caído, permanece a determinação de que o tratamento através de terapia só será liberado a partir da indicação de médico assistente. Com isso, mesmo que o profissional responsável pela terapia entenda pela necessidade de realização do procedimento, o plano de saúde só realizará a liberação mediante prescrição do médico responsável pelo tratamento da doença. Por exemplo, no caso de paciente que realizou uma cirurgia ortopédica, caberá ao seu ortopedista realizar a indicação de fisioterapia. A partir daí, deverá o plano liberar o número de sessões prescritas pelo médico. Na hipótese de não haver a liberação, é cabível ao paciente abrir uma reclamação junto à ANS.

O que diz a jurisprudência?

Após a decisão do STJ sobre o rol taxativo da ANS, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que é abusiva a interrupção de tratamento por esgotamento do limite de sessões. Porém, em razão da decisão do STJ, o Tribunal determinou que é possível o plano de saúde negar a realização de terapias em razão da falta de previsão pela ANS. Vejamos.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PLANO DE SAÚDE. MENOR DIAGNOSTICADA COM “SÍNDROME DE JOUBERT”. NECESSIDADE DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES DE FONOAUDIOLOGIA E TERAPIA OCUPACIONAL. ABUSIVIDADE. ENTENDIMENTO DO STJ. AUSÊNCIA DE COBERTURA PARA HIDROTERAPIA. PARECER TÉCNICO DA ANS. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. Extrai-se do laudo médico a necessidade das terapias prescritas, considerando o diagnóstico de Síndrome de Joubert, sendo atestado que, com o início precoce, a paciente poderá se beneficiar da sua neuroplasticidade, otimizar seu desenvolvimento e conquistar autonomia. Periculum in mora demonstrado. Quanto à probabilidade do direito, apesar de haver diretrizes de utilização que estabelecem limite anual ao número de sessões para fonoaudiologia e terapia ocupacional, é considerada abusiva a prática de interromper tratamento (ainda que por previsão contratual), pelo esgotamento do limite anual de sessões. Jurisprudência do STJ. O procedimento de hidroterapia, contudo, não está listado no rol da ANS e, portanto, não possui cobertura de caráter obrigatório, conforme o Parecer Técnico n° 25 da ANS. Decisão reformada em parte para afastar a obrigatoriedade de cobertura para hidroterapia, mantida, porém, a ausência de limitação do número de sessões para as demais terapias. Recurso conhecido e parcialmente provido. (0093714-77.2021.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). MARIA AUGUSTA VAZ MONTEIRO DE FIGUEIREDO – Julgamento: 14/06/2022 – QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A nova medida da ANS foi extremamente benéfica aos pacientes que dependem da realização de terapias. Se o seu plano descumpriu a medida, não hesite em procurar um advogado para tomar as medidas judiciais cabíveis.

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O colégio pode ser responsabilizado pelo bullying sofrido pela criança?

O bullying é um problema sério que atinge crianças e adolescentes, e que pode gerar consequências catastróficas para a autoestima dos pequenos. Tamanha é a gravidade do problema que, no Brasil, foi criada a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). A lei define o bullying como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

Dentro deste cenário, questiona-se: será que as instituições de ensino têm responsabilidade sobre os atos de bullying cometidos contra crianças e adolescentes? A resposta para esta pergunta vem a partir da análise da lei e da jurisprudência.

A responsabilidade das escolas pelo bullying sofrido pelos alunos

As escolas têm a responsabilidade de criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os alunos. Portanto, quando um caso de bullying ocorre dentro de suas dependências e envolve alunos da instituição, é legítimo questionar a sua responsabilidade.

Segundo o art. 5º da Lei nº 13.185/2015, é dever das instituições de ensino “assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática”. Em vista disso, a interpretação deste artigo leva à conclusão de que, caso a instituição não cumpra com a regra de prevenção e combate ao bullying e haja um prejuízo ao aluno, é possível responsabilizar a escola.

Na prática, o que se tem visto nos tribunais são ações movidas por pais, em que os filhos foram intimidados e violentados por outros alunos e a escola não tomou qualquer medida para fazer cessar a violência. Existem inúmeros casos em que os tribunais reconhecem a omissão da instituição e as condenam a indenizar a criança vítima da situação.

Como proceder nestes casos?

Antes de requerer uma indenização na Justiça, o primeiro passo é tentar um acordo com o colégio para fazer cessar a intimidação e violência contra o menor. A tentativa de resolver a questão de forma amigável é uma medida que tende a ser eficaz nesses casos. Porém, se mesmo assim não houver solução para o caso e a criança vem apresentando sinais de sofrimento com a violência, a ação judicial pode ser uma saída para fazer cessar o problema e também para indenizar a família pelos danos sofridos pelo menor.

O que diz a jurisprudência?

O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente julgou um caso importante: na situação em concreto, o aluno era portador de uma síndrome e foi vítima de bullying por um grupo de alunos que zombou da sua aparência física. O TJSP entendeu que o colégio não agiu de modo a impedir a violência sofrida pelo menor e, portanto, a omissão gerou o dever de indenizar. Vejamos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA COM DETERMINAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AUTORA VÍTIMA DE BULLYING. AUTORA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. A ação de indenização fundada na omissão da ré para solução da situação de “bullying” contra a autora, no ambiente escolar. A autora portadora de necessidades especiais advindas da Síndrome Moebius. Prova de que, mesmo ciente, de que os outros alunos praticaram atos discriminatórios em face da autora, a ré se omitiu na prevenção e tratamento do problema. Vídeo que veiculou lamentável cena em que os demais alunos zombaram da aparência física da autora, utilizando-se de filtros de aplicativo de celular para alterarem os próprios rostos em alusão à última. Situação que se situou numa prática de Intimidação Sistemática (Bullying). Ré que não agiu para impedir ou alterar marginalização, discriminação e ridicularização sofridas pela autora. Omissão descabida e que representou violação de direitos fundamentais e de normas previstas em diversas leis – Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei º 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), Lei nº Lei nº 13.185/2015 (introduziu o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying)”). Ré que se limitou a suspender os alunos, diante do vídeo, que não se cuidava de um fato isolado, mas demonstrava, isto sim, uma prática de bullying. Tanto que o Ministério Público terminou por ajuizar ação civil pública para obrigar a ré a promover educação inclusiva, até então negada em favor da autora, a qual se viu compelida a mudar de escola. Defesa que alterou a verdade dos fatos, não só ao qualificar o fato como isolado, mas também ao negar o bullying. Danos morais configurados. Situação que ultrapassou o mero aborrecimento. Autora que teve frustrada a expectativa de ter um ambiente escolar saudável, inclusivo e integralmente adequado às suas necessidades. Valor da indenização de R$ 30.000,00, que se revelou módico para as circunstâncias do caso concreto. Reconhecimento de litigância de má-fé, de ofício, na fase recursal. Ré que alterou a verdade dos fatos e apresentou recurso manifestamente protelatório. Ação parcialmente procedente. Aplicação de multa processual de 9,5% sobre o valor da causa (atualizado) para sanção da litigância de má-fé da ré apelante. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO COM DETERMINAÇÃO. (TJSP; Apelação Cível 1001463-40.2018.8.26.0224; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/05/2023; Data de Registro: 31/05/2023)

Conclusão

Mais uma vez observamos o Judiciário empenhado não apenas em reprimir a prática do bullying, mas também em promover a conscientização das escolas. Sendo a lei clara, é imprescindível que os pais também coíbam os seus filhos a não serem autores deste tipo de violência, sob pena de responsabilização posterior.

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Ação monitória: Entenda como a mensagem trocada em aplicativo de mensagens pode ser utilizada em uma cobrança judicial de dívida

A cobrança de dívidas infelizmente faz parte do cotidiano das pessoas físicas e jurídicas. E se antes era necessário um cheque, contrato ou nota promissória para que a cobrança fosse feita judicialmente, hoje a legislação tornou mais simples o processo. A partir de um mecanismo previsto no Código de Processo Civil e do entendimento dos tribunais, atualmente é possível realizar a cobrança de dívidas firmadas por mensagens e e-mails por meio da ação monitória.

Como funciona a ação monitória?

A ação monitória está prevista no art. 700 e seguintes do Código de Processo Civil e tem por base a cobrança de dívida baseada em prova escrita sem eficácia de título executivo. O CPC, a partir do art. 784, lista quais documentos podem ser considerados títulos executivos − e este rol é restritivo, isto é, se o documento não estiver listado no artigo, ele não pode ser objeto de execução. No entanto, a partir da ação monitória, qualquer meio de prova idôneo pode ser utilizado para prosseguir com a ação, inclusive as provas orais documentadas.

O curso da ação monitória é o seguinte: o juiz analisará as provas apresentadas e, se entender que são legítimas, citará o réu para que ele realize o pagamento em 15 dias ou apresente defesa neste período.

Nota-se que o curso desta ação é semelhante ao processo de execução, sendo mais célere que uma ação de cobrança. Na ação de cobrança, as partes são ouvidas, há audiência, e somente após a sentença transitada em julgado é que o credor poderá propor a execução da dívida, atrasando, assim, o pagamento dos valores.

A utilização de e-mails e mensagens trocadas pelo WhatsApp

Tendo por base a regra da ação monitória, de que qualquer prova escrita pode ser utilizada para comprovar a existência da dívida, os credores têm utilizado os e-mails trocados entre as partes e até mesmo conversas feitas no WhatsApp para fundamentar a ação. Porém, o que se tem visto nos julgados é que, muito embora os tribunais aceitem como meio de comprovar a dívida as conversas feitas nos aplicativos de mensagens, é essencial que na troca de mensagens: 1) o devedor declare que têm ciência da dívida; 2) haja o valor do débito; 3) tenha estabelecido o prazo para pagamento.

Em análise aos julgados, verifica-se que, nos processos em que as provas apresentadas não continham as referidas informações, houve o indeferimento do pedido do credor. Esta regra, inclusive, é aplicada aos casos de provas baseadas em e-mails. Com isso, se você não tem um contrato firmado com o devedor, mas as mensagens e e-mails trocados possuem as informações listadas, é possível a propositura da ação monitória.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que não foi possível o prosseguimento da ação monitória, em razão de as mensagens apresentadas não conterem a declaração da devedora acerca do seu dever de pagamento do débito:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS POR APLICATIVO DE MENSAGENS. Ação monitória estribada na transcrição de conversas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. A ação monitória tem apoio no artigo 1102a do Código de Processo Civil, vigente antes da distribuição, e no artigo 700 do atual Código de Processo Civil, devendo o credor instruir a inicial com prova escrita sem eficácia de título executivo. A transcrição de conversas por aplicativo de mensagens consubstancia documento hábil a estribar o pedido monitório, desde que o juízo se convença da veracidade das informações nela contidas e da consonância com os demais elementos de prova juntos nos autos. Inviável considerar a transcrição de conversas como prova apta a instruir a ação monitória por ausência de declaração da suposta devedora sobre o valor total da dívida. Embora caracterizada a relação de crédito, era indispensável a prova do valor da obrigação assumida pela Ré. A falta de documento escrito capaz de viabilizar a cobrança na via monitória acarreta a improcedência do pedido. Recurso desprovido. (0005018-72.2015.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA – Julgamento: 24/07/2018 – QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

Em resumo, as mensagens trocadas em aplicativos de mensagens podem ser poderosas aliadas na comprovação de uma dívida ou obrigação em uma Ação Monitória. No entanto, é crucial seguir procedimentos adequados para garantir a autenticidade e a relevância das mensagens como prova judicial, como por exemplo, a partir da realização de uma ata notorial.

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Direito Civil

Contrato de Ulisses e a proteção às pessoas

O Direito brasileiro prevê diversas formas de celebrar contratos em razão de o Direito Civil garantir grande autonomia entre as partes. Isto porque um dos principais fundamentos deste ramo do Direito é de que é possível aos particulares a realização de todo e qualquer ato que não seja contrário à lei. E uma destas possibilidades é a realização do Contrato de Ulisses. Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos deste instrumento. Acompanhe!

O que é o Contrato de Ulisses?

O Contrato de Ulisses é uma modalidade contratual em que as partes ajustam entre si uma penalidade, que pode ser de qualquer nível de gravidade, em caso de descumprimento contratual. Tal cláusula é um meio de os envolvidos regerem o próprio comportamento e evitar a frustação do objeto celebrado, ainda que sofram os ônus da sanção. Este nome tem origem na lenda de Ulisses, um herói da mitologia grega. O sujeito tinha grande apreço em ouvir o canto das sereias, mesmo sabendo dos riscos de encantamento e das possibilidades de naufrágio e afogamento daqueles que foram encantados. A partir daí, Ulisses ordenou que seus subordinados inserissem cera nos ouvidos, de modo que somente ele poderia ouvir o canto das sereias. Além disso, ordenou que os marinheiros amarrassem as mãos do herói no mastro no navio, no intuito de evitar que ele cedesse aos encantos daqueles seres. Com isso, após ouvir o canto das sereias, Ulisses se debateu incessantemente naquele mastro, desesperado por não conseguir reverter as suas ordens e padecendo em consequência dela.

Em analogia à lenda, o contrato de Ulisses consagra o cumprimento do acordo feito pelas partes, ainda que tenham que padecer pelas escolhas feitas.

Na prática, como ele pode ser utilizado?

Na prática, o Contrato de Ulisses pode ser uma alternativa à proteção das partes, principalmente nos casos em que envolver riscos aos contraentes. Um exemplo comum de cláusula desta natureza são os pactos antenupciais, que preveem sanções patrimoniais às partes em caso de traição de qualquer um dos cônjuges durante a constância do casamento. Outro exemplo são as cláusulas sancionatórias nos contratos de prestação de serviço, em que fica estabelecida a aplicação de multa ou outras penas em caso de descumprimento contratual ou atraso nas entregas.

Ainda que o referido possa trazer riscos patrimoniais às partes, ele possibilita maior segurança na execução do contrato. Além disso, na hipótese de não cumprimento da sanção, a parte lesada pode questionar a inadimplência em eventual processo judicial.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que este tipo de contrato não seja muito comum, um dos seus pressupostos geralmente é utilizado na celebração de contratos entre particulares, que é a aplicação de sanções às partes que descumprirem com o que foi acordado.

Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro demonstra a forma como os tribunais decidem quando uma das partes questiona a sanção prevista no documento em caso de descumprimento. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE EMPREITADA. ALEGAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DA RÉ QUANTO AO PAGAMENTO DE NOTA FISCAL REFERENTE A SERVIÇO PRESTADO. ATRASO DA OBRA POR PARTE DA EMPRESA AUTORA CONFIGURADO. APLICAÇÃO DE MULTA PELO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. CONTRATO QUE PREVIA CLÁUSULA EXPRESSA DE DEDUÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM. 1. Preliminar de cerceamento de defesa que deve ser afastada, uma vez que a própria autora confessa, em sua inicial, que a obra não foi totalmente concluída, restando a prova pericial requerida desinfluente para resolução da questão. 2. Juiz é o destinatário das provas, cabendo ao magistrado indeferir aquelas que se mostrarem desnecessárias ou inúteis ao julgamento do mérito. Art. 370, parágrafo único do CPC. 3. Descumprimento do contrato por parte da empresa autora, ora apelante, que restou demonstrado. 4. Como a autora inadimpliu com cláusula contratual que versa acerca do atraso no fornecimento dos serviços, a multa aplicada revela-se devida, eis que havia previsão contratual para sua incidência, não se acolhendo o argumento de que fora aplicada unilateralmente. 5. E, em assim sendo, ao contrário do alegado pela autora, não é necessária declaração judicial a fim de determinar a compensação ocorrida, porquanto esta também encontra-se prevista em contrato. 6. Dessa forma, como a autora não efetuou o pagamento da multa aplicada, a dedução do valor da nota fiscal ainda não quitada revelou-se legítima, sendo perfeitamente cabível a conduta adotada por Furnas. 7RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ – APL: 03863652020168190001, Relator: Des(a). WILSON DO NASCIMENTO REIS, Data de Julgamento: 19/02/2020, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A elaboração de contratos por advogados especialistas é condição fundamental para que você tenha segurança na execução do seu negócio. Por isso, busque um profissional ao celebrar um negócio de curta ou longa duração, onde seja necessário firmar um contrato.