A abertura do inventário é condição essencial para que os bens do falecido sejam partilhados entre os herdeiros e as dívidas deixadas por ele sejam quitadas.
Assim, pense na seguinte situação: uma pessoa é credora de uma grande dívida e o devedor vem a falecer.
Neste caso, o primeiro passo seria o credor se habilitar no processo do inventário e, com isso, requerer que a dívida seja paga com o valor dos bens deixados.
Porém, os herdeiros demorar a iniciar o processo, já que a herança servirá somente para pagar as dívidas do falecido. Poderia o credor iniciar o inventário por conta própria?
Segundo o Código de Processo Civil, sim!
Nos termos do art. 615 do Código de Processo Civil, o requerimento de inventário deve ser realizado por quem estiver na posse e na administração dos bens deixados pelo falecido.
Porém, o art. 616, VI do referido Código estabelece que existe legitimidade concorrente para abertura do processo entre o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança.
Assim, não só o credor do falecido por iniciar o inventário, mas também o credor do herdeiro.
Esta possibilidade decorre do fato de que o credor também tem direito a parte dos bens deixados pelo falecido e, por isso, é justo que ele possa iniciar o processo.
Aqui vale um adendo: ainda que o credor tenha poderes para iniciar o inventário, ele não tem as mesmas garantias conferidas aos herdeiros. E isso nós explicaremos a seguir.
Como funciona o inventário aberto por terceiros?
Primeiramente, cabe ao credor demonstrar que o falecido deixou uma dívida em aberto. Caso a dívida não esteja descrita em um título executivo judicial/extrajudicial ou, seja necessária uma ação para reconhecer a legitimidade da dívida, o credor não poderá iniciar o inventário.
Em posse do comprovante da dívida e da certidão de óbito, o credor poderá iniciar o processo.
Após o protocolo, o juiz verificará a legitimidade e intimará os herdeiros.
Vale ressaltar que, nos termos do art. 617 do CPC, o credor não poderá ser nomeado inventariante. Neste caso, não sendo os herdeiros nomeados, o juiz determinará a nomeação de um inventariante judicial.
O que diz a jurisprudência?
Recentemente, o STJ decidiu que, ainda que o credor possa abrir o inventário e se habilitar em receber os valores discutidos no processo, existem alguns atos que são privativos aos herdeiros, como solicitar a prestação de contas. Vejamos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. CREDOR DE HERDEIRO E HABILITAÇÃO. CRÉDITO GARANTIDO POR PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS. PRETENSÃO DE INTERVENÇÃO NO FEITO. ILEGITIMIDADE. RECURSO PELA ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O artigo 616, VI, do CPC/2015 prevê a legitimidade concorrente do credor do herdeiro, do legatário e do autor da herança para requerer o inventário, o que não equivale a alçá-lo à condição de parte no feito sucessório, permitindo ampla atuação como se herdeiro fosse, requerendo prestações de contas, regularização de representação processual e outras medidas específicas. 2. Caberia ao credor do herdeiro, quando muito, requerer sua admissão como assistente daquele, o que não fez. 3. Para a caracterização da divergência jurisprudencial, não basta a simples transcrição das ementas dos acórdãos confrontados, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, sob pena de não serem atendidos os requisitos previstos no art. 1.029, § 1º, do CPC/2015 e no art. 255, § 1º, do RISTJ. 4. Hipótese em que as circunstâncias fáticas contidas nos acórdãos paradigmas não guardam semelhança com o exposto no aresto recorrido, que consignou corretamente ser inviável a intervenção do credor de herdeiro nos autos de inventário, como se herdeiro fosse. Ausência de similitude fática. 5. Agravo interno não provido (STJ – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 1154425 SP 2017/0206200-1. DJe: 29/04/2021).
Conclusão
A possibilidade de o credor abrir o inventário também é conferida ao Ministério Público, à Fazenda Pública e o administrador judicial da falência do de cujus, do seu cônjuge ou do herdeiro.
Esta previsão visa proteger os interesses de terceiros, que foram afetados com a morte do autor da herança.
Em caso de dúvidas, consulte um advogado!