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Direito das Sucessões

Se a pessoa deixar mais dívidas do que bens, como é feito o inventário?

O processo de inventário é feito, basicamente, a partir do levantamento de todos os bens e dívidas deixados pelo de cujus. A regra é que os herdeiros não são responsáveis pelo pagamento das dívidas: o patrimônio deixado pelo falecido é que deve ser utilizado para adimplir os débitos.

Mas, o que acontece se o de cujus deixar mais dívidas do que bens? Ainda assim é feito o inventário?

Primeiro, vale ressaltar que o inventário pode ser feito mesmo que o falecido não deixe qualquer bem. A este tipo de inventário é dado o nome de inventário negativo.

O referido processo tem como finalidade declarar a inexistência de bens deixados pelo de cujus e, a partir da sentença que declara o inventário negativo, os sucessores utilizam o documento em caso de cobrança de credores ou até mesmo para questões tributárias envolvendo os herdeiros.

Porém, quando o falecido deixa bens e dívidas, o espólio é utilizado primeiro para o pagamento deste passivo e, adimplido os credores, o restante é dividido entre os herdeiros. Por isso, é plenamente possível que os herdeiros não recebam qualquer valor a título de herança, pois os credores têm preferência no recebimento do espólio.

Por exemplo, se um individuo morre e deixa R$ 500 mil de patrimônio, R$ 300 mil de dívidas e 4 filhos como herdeiros. Primeiro é quitado o montante de R$ 300 mil e os R$ 200 mil restantes serão dividido igualmente entre os 4 filhos, sendo R$ 50 mil para cada ao invés dos R$ 125 mil iniciais, caso não houvesse dívida.

No entanto, se o montante de dívidas ultrapassar o valor do espólio, os herdeiros não serão responsáveis pelo seu pagamento! Neste caso, as dívidas ficarão sem pagamento, não podendo os credores realizar cobrança dos sucessores, tampouco realizar a negativação do nome do falecido, sob pena de serem os herdeiros indenizados pelo dano causado à imagem do de cujus.

O que diz a jurisprudência?

Um dos aspectos do inventário negativo é a possibilidade da sua utilização para comprovar aos credores que não existem valores deixados pelo falecido e, consequentemente, extinguir ações de cobranças indevidas.

No julgamento abaixo, realizado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, os herdeiros, que já haviam realizado o inventário negativo, continuavam recebendo cobranças pela dívida deixada pelo pai. A partir da presente ação, solicitaram indenização em razão da cobrança indevida, uma vez que já haviam mostrado ao credor a sentença do inventário em questão e, ainda assim, continuavam a ser cobrados. A juíza condenou a credora, demonstrando que, em caso de aparecimento posterior de bens deixados pelo falecido, é possível a cobrança dos valores, o que não aconteceu no caso em questão. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA. NEGATIVAÇÃO DE DEVEDOR FALECIDO. EXISTÊNCIA DE DÍVIDA QUE NÃO É NEGADA PELOS AUTORES, FILHOS DO FALECIDO. COBRANÇAS POSTERIORES AO ÓBITO, MAS RELATIVOS À DÍVIDA PRETÉRITA. INVENTÁRIO NEGATIVO QUE NÃO IMPEDE O RÉU DE PERSEGUIR SEU CRÉDITO. Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de declaração de inexigibilidade da dívida baseada na existência de inventário negativo. O inventário negativo é medida de jurisdição voluntária, em que o requerente tem que provar seu interesse em petição inicial, devidamente instruída com a certidão de óbito, indicação do inventariante, termo de declarações preliminares, qualificação dos herdeiros. A sentença no inventário negativo tem natureza declaratória, não ofendendo a coisa julgada o aparecimento de bens, caso em que se admite a abertura de inventário positivo. In casu, não há falha na prestação de serviços, uma vez que os autores em momento algum negam a existência da dívida de seu falecido pai, apenas salientando que com o inventário negativo, impõe-se a inexigibilidade da dívida. O fato de os autores declararem a inexistência de bens a inventariar, através de Inventário Negativo, não impede o réu de perseguir seu crédito em razão da existência de dívida deixada pelo falecido, não havendo que se falar em negativação indevida, uma vez que o débito existe e não é negado pelos autores. Inexiste ato ilícito por parte do réu, não sendo devido o dever de indenizar. RECURSO QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (TJ-RJ – APL: 00315907520148190202 RIO DE JANEIRO JACAREPAGUA REGIONAL 5 VARA CIVEL, Relator: DENISE NICOLL SIMÕES, Data de Julgamento: 29/10/2015, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 04/11/2016).

Conclusão

O planejamento sucessório é de extrema importância, pois evita que o patrimônio do falecido responda pelas dívidas e acabe por deixar os sucessores sem herança. Tal questão é importante, afinal, se o falecido deixar dívidas que ultrapassam o espólio e também menores dependentes, é possível que os referidos fiquem desamparados diante da utilização dos valores para a quitação de dívidas.

Por isso, é essencial a consulta a um especialista, para que os herdeiros fiquem amparados em caso de falecimento do provedor.