O bullying é um problema sério que atinge crianças e adolescentes, e que pode gerar consequências catastróficas para a autoestima dos pequenos. Tamanha é a gravidade do problema que, no Brasil, foi criada a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). A lei define o bullying como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.
Dentro deste cenário, questiona-se: será que as instituições de ensino têm responsabilidade sobre os atos de bullying cometidos contra crianças e adolescentes? A resposta para esta pergunta vem a partir da análise da lei e da jurisprudência.
A responsabilidade das escolas pelo bullying sofrido pelos alunos
As escolas têm a responsabilidade de criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os alunos. Portanto, quando um caso de bullying ocorre dentro de suas dependências e envolve alunos da instituição, é legítimo questionar a sua responsabilidade.
Segundo o art. 5º da Lei nº 13.185/2015, é dever das instituições de ensino “assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática”. Em vista disso, a interpretação deste artigo leva à conclusão de que, caso a instituição não cumpra com a regra de prevenção e combate ao bullying e haja um prejuízo ao aluno, é possível responsabilizar a escola.
Na prática, o que se tem visto nos tribunais são ações movidas por pais, em que os filhos foram intimidados e violentados por outros alunos e a escola não tomou qualquer medida para fazer cessar a violência. Existem inúmeros casos em que os tribunais reconhecem a omissão da instituição e as condenam a indenizar a criança vítima da situação.
Como proceder nestes casos?
Antes de requerer uma indenização na Justiça, o primeiro passo é tentar um acordo com o colégio para fazer cessar a intimidação e violência contra o menor. A tentativa de resolver a questão de forma amigável é uma medida que tende a ser eficaz nesses casos. Porém, se mesmo assim não houver solução para o caso e a criança vem apresentando sinais de sofrimento com a violência, a ação judicial pode ser uma saída para fazer cessar o problema e também para indenizar a família pelos danos sofridos pelo menor.
O que diz a jurisprudência?
O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente julgou um caso importante: na situação em concreto, o aluno era portador de uma síndrome e foi vítima de bullying por um grupo de alunos que zombou da sua aparência física. O TJSP entendeu que o colégio não agiu de modo a impedir a violência sofrida pelo menor e, portanto, a omissão gerou o dever de indenizar. Vejamos:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA COM DETERMINAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AUTORA VÍTIMA DE BULLYING. AUTORA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. A ação de indenização fundada na omissão da ré para solução da situação de “bullying” contra a autora, no ambiente escolar. A autora portadora de necessidades especiais advindas da Síndrome Moebius. Prova de que, mesmo ciente, de que os outros alunos praticaram atos discriminatórios em face da autora, a ré se omitiu na prevenção e tratamento do problema. Vídeo que veiculou lamentável cena em que os demais alunos zombaram da aparência física da autora, utilizando-se de filtros de aplicativo de celular para alterarem os próprios rostos em alusão à última. Situação que se situou numa prática de Intimidação Sistemática (Bullying). Ré que não agiu para impedir ou alterar marginalização, discriminação e ridicularização sofridas pela autora. Omissão descabida e que representou violação de direitos fundamentais e de normas previstas em diversas leis – Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei º 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), Lei nº Lei nº 13.185/2015 (introduziu o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying)”). Ré que se limitou a suspender os alunos, diante do vídeo, que não se cuidava de um fato isolado, mas demonstrava, isto sim, uma prática de bullying. Tanto que o Ministério Público terminou por ajuizar ação civil pública para obrigar a ré a promover educação inclusiva, até então negada em favor da autora, a qual se viu compelida a mudar de escola. Defesa que alterou a verdade dos fatos, não só ao qualificar o fato como isolado, mas também ao negar o bullying. Danos morais configurados. Situação que ultrapassou o mero aborrecimento. Autora que teve frustrada a expectativa de ter um ambiente escolar saudável, inclusivo e integralmente adequado às suas necessidades. Valor da indenização de R$ 30.000,00, que se revelou módico para as circunstâncias do caso concreto. Reconhecimento de litigância de má-fé, de ofício, na fase recursal. Ré que alterou a verdade dos fatos e apresentou recurso manifestamente protelatório. Ação parcialmente procedente. Aplicação de multa processual de 9,5% sobre o valor da causa (atualizado) para sanção da litigância de má-fé da ré apelante. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO COM DETERMINAÇÃO. (TJSP; Apelação Cível 1001463-40.2018.8.26.0224; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/05/2023; Data de Registro: 31/05/2023)
Conclusão
Mais uma vez observamos o Judiciário empenhado não apenas em reprimir a prática do bullying, mas também em promover a conscientização das escolas. Sendo a lei clara, é imprescindível que os pais também coíbam os seus filhos a não serem autores deste tipo de violência, sob pena de responsabilização posterior.