A compra de um imóvel, muitas vezes, representa a concretização de um plano de vida e, por isso, merece grande atenção dos compradores. Dada a seriedade do ato, é recomendável que as partes consultem um advogado especialista no assunto antes de concretizar a compra. Porém, é bem sabido que imprevistos acontecem e, durante este processo, é possível que o comprador precise desfazer o negócio, seja pela impossibilidade de pagamento, seja por questões pessoais.
Mas, será que a lei permite a desistência do negócio? Para responder a esta questão, é preciso, primeiro, verificar qual o tipo de imóvel adquirido: na planta ou já construído.
O distrato do imóvel comprado na planta
Para o imóvel comprado na planta, o distrato pode ser feito graças à Lei nº 13.786/2018. A partir desta lei, o distrato pode ser celebrado caso haja descumprimento contratual por parte da construtora ou caso haja desistência por parte do comprador. Nos termos da referida lei, o contrato de compra e venda celebrado com a construtora deve conter uma cláusula que estabeleça as razões que permitam o distrato e que esclareçam quais as penalidades aplicáveis.
Outro ponto importante é que é possível que o adquirente faça o distrato antes da entrega do imóvel. Neste caso, o contrato deve ter sido firmado exclusivamente com a incorporadora. A empresa, por sua vez, deverá devolver os valores atualizados pelo índice disposto em contrato, sendo possível o desconto da taxa de corretagem e de multa de até 25% do valor.
O distrato do imóvel já construído
No caso de imóvel já construído, não é aplicável a Lei nº 13.786/2018, visto que a norma regula somente os imóveis adquiridos na planta. Para estas situações, é aplicável o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Este último código só é aplicável nos casos em que a compra tenha sido realizada através de uma empresa e fora do seu estabelecimento.
No caso do contrato de compra e venda, o Código Civil estabelece que o distrato poderá ser feito caso haja inadimplemento da outra parte, isto é, caso o vendedor deixe de cumprir com o disposto em contrato. Porém, além desta disposição, o que será aplicável à relação jurídica é o que estiver escrito em contrato. Na hipótese de o contrato não prever situações que permitem o distrato, não será possível o desfazimento da venda sem a concordância do vendedor.
O que diz a jurisprudência?
Um dos pontos importantes do distrato é que a sua anulação somente ocorrerá a partir da análise do caso concreto, feita na Justiça.
Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto, em que um comprador assinou o distrato, recebeu os valores e, dois anos após a celebração do ato, requereu a anulação:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESILIÇÃO UNILATERAL (DESISTÊNCIA) POR PARTE DO PROMITENTE COMPRADOR. AUSÊNCIA DE MORA DA PARTE RÉ. Autor que desistiu da compra de imóvel e firmou distrato com a ré. Autor que pretende anulação do distrato. Sentença anulando o distrato e condenando a parte ré na restituição de 80% da quantia paga pelo autor, corrigidos monetariamente do desembolso e com juros contados da citação. Apelação da parte ré. Sentença que se reforma. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por parte do comprador quando não for suportável o adimplemento contratual, com imediata restituição de valores pagos. Autor que, no entanto, já obteve administrativamente dos promitentes vendedores o distrato, mas busca agora a anulação do mesmo. Instrumento particular de distrato convertendo os valores pagos em carta de crédito a ser utilizada obrigatoriamente na aquisição de imóvel de grupo econômico do qual a ré faz parte. Autor maior de idade, plenamente capaz e, supostamente, com bom nível de instrução. Cláusula contratual clara e expressa, que não deixa margem a dúvidas de como se dará a restituição dos valores pagos. Autor que, inexplicavelmente, somente dois anos após assinatura do distrato buscou o Judiciário para obter sua anulação sem demonstrar qualquer vício de consentimento ou onerosidade excessiva a justificar sua pretensão. Necessidade de observar os princípios gerais que regem os contratos, tais como o da boa fé e do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora, com inversão dos ônus sucumbenciais. (0069054-18.2018.8.19.0002 – APELAÇÃO. Des(a). RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 08/07/2021 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)
Conclusão
A compra de um imóvel é uma situação que demanda que as partes tenham muita cautela e atenção às leis.
É por isso que, se você está adquirindo um imóvel já construído, principalmente vendido por um particular, é extremamente importante que a venda seja celebrada a partir de um contrato de venda e que o documento seja redigido e revisado por um advogado especialista no assunto.