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Direito de Família

Condenado por violência doméstica pode ser considerado herdeiro da falecida?

No Brasil são considerados como indignos de serem herdeiros aqueles que tiverem sido autores ou copartícipes de homicídio doloso contra o falecido; os que tiverem acusado caluniosamente o autor da herança em crime contra honra e os que, a partir de violência e meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o dono do patrimônio a dispor dos bens.

Estes motivos estão listados no art. 1.814 do Código Civil e, para que a pessoa possa ser excluída da herança, deve haver uma sentença transitada em julgado reconhecendo a indignidade do herdeiro. No entanto, é possível notar que o caso em que o agressor da esposa, dona do patrimônio, não é listado no referido artigo. Assim, poderia este cônjuge ser considerado herdeiro? Pelo atual quadro legislativo, a resposta é que sim, o cônjuge condenado por violência doméstica é considerado herdeiro.

As regras de sucessão de bens

Nos termos do Código Civil, o cônjuge é considerado herdeiro na hipótese de as partes serem casadas no regime de comunhão parcial e o falecido ter deixado bens particulares ou, ainda, se as partes forem casadas no regime de separação total, o cônjuge concorrerá com os demais herdeiros na sucessão. Em vista disso, se a falecida fosse casada em um destes regimes, mesmo com a condenação do seu cônjuge por crime de violência doméstica, o referido seria considerado herdeiro, exceto se da violência doméstica sobreviesse algum dos incisos do art. 1.814 do Código Civil.

Assim, estando as partes casadas no momento do falecimento da vítima, o cônjuge será considerado herdeiro, dado que a legislação atual não prevê a possibilidade de exclusão do agressor.

Vale ressaltar que até 2022 tramitou um projeto de lei que previa a exclusão do condenado por violência doméstica como herdeiro da vítima. No entanto, o projeto foi arquivado no Senado.

A possibilidade de separação de fato das partes

Uma das questões importantes previstas em nosso ordenamento é de que aquele que estava separado de fato há mais de 2 anos do falecido não tem direito à herança, segundo o que dispõe o art. 1.830 do Código Civil. Com isso, caso um dos herdeiros levante que o condenado pela violência doméstica se encontrava separado da falecida há pelo menos 2 anos, será possível a sua exclusão do rol de herdeiros. Inclusive, este é o cenário mais comum nos casos de violência doméstica, o que deve ser levantado pela defesa para afastar a inclusão do agressor como beneficiário da herança.

O que diz a jurisprudência?

Tendo em vista a falta de previsão legal para o afastamento do agressor como herdeiro da vítima de violência doméstica, os tribunais vêm permitindo que estes cônjuges permaneçam no inventário.

Em um caso julgado pelo TJSP, o Tribunal não acatou o pedido de remoção do inventariante que foi acusado de violência doméstica, dado que a lei não prevê esta questão. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Incidente de remoção de inventariante – Ausência de conduta culposa e inescusável – Não demonstração de quaisquer das hipóteses previstas no art. 995 do Código de Processo Civil de 1973 – Recurso provido. (…)Da análise dos autos, verifica-se que a decisão agravada justificou o deferimento do pedido de remoção da agravante no fato de que ela “não possui condições plenas para o exercício de todos os encargos decorrentes, estando, inclusive, sendo representada por seu filho, pessoa esta na qual recaem indícios de violência doméstica frente à inventariante e que poderiam facilmente interferir na atuação independente e livre de coações da impugnada”. Em que pesem os argumentos constantes na decisão agravada, a verdade é que os fatos alegados pela agravada não justificam a destituição da inventariante. Isto porque somente a prática de faltas inescusáveis autoriza a sua remoção. De fato, tal medida só tem cabimento diante de situações em que tenha havido culpa ou dolo do inventariante na condução do processo, o que não se verifica no presente caso. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2261240-50.2015.8.26.0000; Relator (a): José Roberto Furquim Cabella; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Epitácio – 2ª Vara; Data do Julgamento: 01/06/2016; Data de Registro: 01/06/2016)

Conclusão

A sucessão hereditária é uma matéria que envolve diversos aspectos legais e emocionais, e a questão da condenação por violência doméstica como critério para ser considerado herdeiro é sensível e complexa. Embora a legislação não proíba automaticamente a sucessão de condenados por esse tipo de crime, a indignidade sucessória pode ser aplicada em casos graves, excluindo o agressor da herança.