Cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade: É possível afastá-las em eventual doação de bens?

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Por: Fiaux Advogados

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As cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade estabelecem que o beneficiário de uma doação fique impedido de vender o bem, também sendo impedida a sua penhora. Estes são tipos de cláusulas comumente utilizados em planejamento sucessório, visando que o herdeiro não venda o bem recebido em doação. Porém, em alguns casos, a propriedade daquele bem pode se tornar insustentável, de modo que a venda seja a única saída. E, neste caso, seria possível afastar as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade? Em uma recente decisão, o STJ decidiu que sim, é possível. Mas, para isso, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Acompanhe!

A necessidade de venda do imóvel

Vamos considerar a seguinte situação: você é beneficiário de um imóvel que lhe foi doado com cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade. Durante vários anos você desfrutou do imóvel, arcando com os custos de manutenção e impostos. No entanto, em determinado momento da vida, esse presente se tornou um fardo financeiro insustentável, gerando prejuízo. Agora surge a dúvida se a restrição à venda do imóvel ainda deve ser aplicada nesse contexto.

Este assunto foi alvo de decisões recentes pelo STJ. No recente caso julgado, um casal de idosos requereu judicialmente a venda do imóvel recebido em doação pelos pais de um deles. O imóvel em questão era objeto de diversos problemas, como furto de gado, prejuízos econômicos e a existência de uma área de reserva florestal dentro do terreno. O STJ, por sua vez, permitiu o cancelamento das cláusulas restritivas, desde que observados alguns requisitos.

Os requisitos exigidos pelo STJ

Na decisão, o STJ listou os seguintes requisitos autorizadores da venda de imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade:

  • Inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros;
  • A existência de ônus financeiro causado pelo imóvel, isto é, a propriedade gera mais prejuízos do que benefícios;
  • Existência de real interesse das pessoas cuja cláusula visa proteger. No entendimento do STJ, a intenção do doador certamente é de manter o bem-estar do beneficiário, de modo que não é sustentável impor que o donatário tenha obrigações que o prejudiquem a partir da doação do imóvel;
  • Longa passagem de tempo da doação;
  • Falecimento do doador.

Com isso, é possível perceber que os requisitos do STJ são específicos e que, por óbvio, o Tribunal de Justiça competente poderá exigir a presença de outros requisitos no momento de análise do caso.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a aplicação dos requisitos exigidos pelo STJ para o afastamento das cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade do bem:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ESTATUTO DA PESSOA IDOSA. DOAÇÃO. IMÓVEL RURAL. CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 1.848 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CRITÉRIOS JURISPRUDENCIAIS. PRESENÇA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade melhor promoveria os direitos fundamentais dos recorrentes, pessoas idosas, e se existente ou não justa causa para o levantamento dos gravames no imóvel rural dos recorrentes. 3. No caso, a alegação de afronta aos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do CC/2002, por meio de interpretação sistemática e teleológica. 4. A possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores. 5. Na hipótese, todos os critérios jurisprudenciais estão presentes. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 2.022.860/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Conclusão

A recente decisão do STJ abriu brechas para que os beneficiários das doações possam vender o imóvel recebido. Para isso, é importante que estejam presentes os requisitos listados pelo STJ, ressaltando que é possível que o juiz do caso entenda de forma diferente a partir do caso em concreto.

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