Toda a herança da família foi transferida para meu irmão antes dos meus pais falecerem, posso recorrer?

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Por: Fiaux Advogados

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No Brasil, a lei civil, no intuito de obstar a fraude à herança em relação aos demais herdeiros, veda a compra e venda de imóveis entre pais e filhos.

A razão para esta regra é que, em eventual simulação de doação de bem entre ascendente e descendente os demais herdeiros sejam prejudicados no momento da partilha dos bens.

No entanto, quando se trata de doação, a questão muda. Pelo Código Civil é permitida a doação de bens dos pais aos filhos sem que seja necessária a anuência dos demais herdeiros.

Nos termos do art. 2.002 do Código Civil, quando há a doação de bens em vida, na partilha pós-morte os bens recebidos pelos herdeiros serão descontados da cota a ser recebida. Ou seja, a doação é considerada a antecipação da herança.

Mas e quando ocorre a doação dos bens em vida a somente um herdeiro?

Antes de tratar da doação, é preciso verificar qual a cota doada a este herdeiro.

A regra é que, em um testamento, só é possível doar metade dos seus bens a terceiros. A outra metade, chamada reserva da legítima, obrigatoriamente deve ser destinada aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes quando não existirem filhos, e o cônjuge).

Assim, caso o genitor doe em vida a quota da reserva da legítima a um herdeiro e a outra metade seja dividida por igual entre os demais herdeiros necessários, não haverá irregularidade.

No entanto, na hipótese do pai/mãe doar em vida todo o seu patrimônio a somente um filho, deixando os demais sem herança, é possível recorrer judicialmente desta doação.

Quais documentos necessários para recorrer?

O processo para recorrer da doação poderá ser iniciado na abertura do inventário. Nele, a parte prejudicada deverá demonstrar que a doação em vida foi irregular e afetou a sua cota na herança.

Para isso, além dos documentos que comprovem a sua condição de herdeiro, deverão ser apresentados provas da doação em vida, como a escritura pública de doação, em caso de bem imóvel.

Na hipótese de bens móveis, como veículos, por exemplo, os documentos de transferência podem servir como prova, já que estará ausente o recibo de pagamento do bem.

Quanto a doação de dinheiro em espécie a situação se torna um pouco mais complicada se a doação não houver sido feita através de transferência bancária. É possível requerer ao juiz que seja mostrada os extratos bancários e assim averiguar alguma movimentação que possa demonstrar o recebimento.

No geral, qualquer documento que evidencie a doação em vida e até mesmo a prova testemunhal serão meios de prova a serem utilizados no processo de contestação da doação.

O que diz a jurisprudência?

Um julgado do STJ traz um aspecto importante da doação dos bens: quando, após a doação da herança em vida, nasce outro herdeiro.

Nesta decisão, o ministro ordenou que 25% do patrimônio doado, correspondente a cota dos herdeiros, deverá ser transferida ao herdeiro que nasceu posteriormente a doação. Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO. 1. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. 2. DOAÇÃO EM VIDA DE TODOS OS BENS IMÓVEIS AOS FILHOS E CÔNJUGES FEITA PELO AUTOR DA HERANÇA E SUA ESPOSA. HERDEIRO NECESSÁRIO QUE NASCEU POSTERIORMENTE AO ATO DE LIBERALIDADE. DIREITO À COLAÇÃO. 3. PERCENTUAL DOS BENS QUE DEVE SER TRAZIDO À CONFERÊNCIA. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. 2. Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante o fato de o herdeiro ter nascido antes ou após a doação, de todos os bens imóveis, feita pelo autor da herança e sua esposa aos filhos e respectivos cônjuges. O que deve prevalecer é a ideia de que a doação feita de ascendente para descendente, por si só, não é considerada inválida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao donatário obrigação protraída no tempo de, à época do óbito do doador, trazer o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso não seja aquele o único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC/2002). 3. No caso, todavia, a colação deve ser admitida apenas sobre 25% dos referidos bens, por ter sido esse o percentual doado aos herdeiros necessários, já que a outra metade foi destinada, expressamente, aos seus respectivos cônjuges. Tampouco, há de se cogitar da possível existência de fraude, uma vez que na data da celebração do contrato de doação, o herdeiro preterido, ora recorrido, nem sequer havia sido concebido. 4. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – REsp: 1298864 SP 2011/0291796-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 19/05/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2015 RDDP vol. 151 p. 179 REVPRO vol. 248 p. 450 RT vol. 961 p. 501)

Conclusão

A partir de todo exposto, o que se sabe é que é plenamente possível a doação dos bens em vida a um herdeiro. No entanto, a doação só poderá corresponder à reserva disponível ou a cota destinada a esse herdeiro.

Caso contrário, será plenamente possível que os demais herdeiros contestem a doação e tenham de volta a parcela a eles destinada.

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