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Direito de Família

Reconhecimento de união estável pós-morte. Como fazer?

A união estável é uma forma de constituição de família, ainda que não haja uma celebração anterior para a sua formação, como é o caso do casamento. Um ponto importante é que a Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, reconhece a união estável, garantindo a ela a proteção do Estado, devendo a lei facilitar a conversão em casamento. A partir desta previsão foi editada a Lei nº 9.278/1996, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal. Em seu art. 1º há a definição de união estável: “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Por isso, mesmo sem a celebração de uma formalidade ou de um acordo, após o rompimento da união é possível, por meio de uma ação judicial, que haja o reconhecimento da união estável e, assim, passem a valer todos os efeitos patrimoniais, como o dever de pagamento de alimentos, de partilha de bens, entre outros.

Mas, e quando há a morte de um dos companheiros? Como fazer esta prova e assim ter direito à meação?

Quando há a morte de um dos companheiros, abre-se o processo de inventário. Neste processo, é possível que os demais herdeiros necessários façam o reconhecimento do companheiro sobrevivente e, assim, facilitem a partilha dos bens. No entanto, quando não há este reconhecimento prévio, é necessário que o companheiro inicie um processo judicial para reconhecimento de união estável pós-morte. Tal processo se torna um pouco delicado em razão das provas que devem ser apresentadas para demonstrar a união. As provas devem demonstrar que a união destas partes tinha o condão de entidade familiar, era duradoura, pública e contínua. Além disso, constantemente os julgados decidem pelo reconhecimento da união estável pós-morte quando é verificado o animus ou affectio maritalis, ou seja, a afeição entre as partes em se tratar como marido e mulher.

Outro ponto importante verificado nos julgados é que, em muitos casos, prevalece o disposto no art. 112 do Código Civil, que estabelece que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, ou seja, se nas provas apresentadas o que se extrai é o comportamento das partes como cônjuges, se torna possível o reconhecimento da união estável.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que a jurisprudência frequentemente reconheça a união estável pós-morte, existem julgados em que, a partir das provas demonstradas, houve o entendimento de que as partes, mesmo próximas e com relação pública, não tinham o condão de constituir família, ainda que um dia já tivessem este estado. Assim, o Tribunal indeferiu o reconhecimento da união estável, como é o caso do julgado a seguir:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA QUANTO À CONFIGURAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL APÓS A SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL E O ÓBITO DO EX-CÔNJUGE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO 2. Acórdão recorrido que manteve a improcedência do pedido de reconhecimento de união estável post mortem, sob o fundamento de que as provas produzidas nos autos não demonstraram a configuração de união estável no período entre a separação do casal e o falecimento do ex-cônjuge. 3. Segundo o Tribunal de origem, as provas produzidas indicaram que o casal, embora tenha mantido certo contato após a separação, separou-se definitivamente, não se revelando no período de doença do ex-esposo reconciliação ou continuidade da vida em comum, e sim laços de amizade, confiança e solidariedade entre eles, a indicar que a agravante teria prestado mero auxílio durante o tratamento da enfermidade.” (AgRg no AREsp 424.941/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe de 07/06/2016). (STJ – AgInt no REsp: 1602194 MG 2011/0104904-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 25/04/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/05/2017)

Conclusão

O reconhecimento da união estável pós-morte é possível, ainda que neste processo a comprovação seja um pouco mais delicada em razão de um dos companheiros não estar presente para contribuir com o seu depoimento. É essencial que, caso haja divergência entre os herdeiros quanto ao reconhecimento da união estável do falecido com a companheira sobrevivente, a referida inicie um processo judicial o quanto antes, no intuito de interromper o processo de inventário e assim diminuir os possíveis riscos à sua meação.