O casamento ou a constituição de união estável é frequentemente interpretado como o marco da autonomia financeira do filho, mas nem sempre esse evento põe fim à obrigação alimentar dos pais.
O tema é controverso e depende de fatores específicos do caso, como a capacidade financeira e as necessidades do filho. A seguir, abordaremos dois pontos cruciais sobre o tema.
Casamento e o Dever Alimentar: presunções e exceções
Muito embora o Código Civil não estabeleça uma idade final para cessar o pagamento dos alimentos, frequentemente os juízes têm estabelecido como fato a conclusão do ensino superior ou a chegada aos 24 anos, existindo também decisões que fazem perdurar o dever de pagar em razão das necessidades específicas do caso concreto, como é o caso da dificuldade do filho em manter seu padrão de vida.
No entanto, existe um marco trazido pelo art. 1.708 do Código Civil que é claro quanto à cessação do pagamento dos alimentos: o casamento, união estável e concubinato do credor (alimentado) faz cessar o dever do pagamento dos alimentos. Isso significa que, mesmo que o alimentado se relacione com pessoa já casada, é possível fazer cessar o pagamento de alimentos.
A lógica por trás disso é que, ao formar uma nova família, presume-se que o cônjuge é capaz de suprir eventuais necessidades financeiras. No entanto, essa regra não é absoluta.
Se o filho enfrenta uma situação de vulnerabilidade, como deficiência ou doença que limite sua capacidade de trabalho, o dever alimentar dos pais pode ser mantido. Nesses casos, a responsabilidade será proporcional à necessidade do filho e à capacidade financeira dos alimentantes. Por isso, cada situação exige análise individualizada, considerando o princípio da solidariedade familiar.
Como a exoneração deve ser formalizada?
Embora o casamento seja, em muitos casos, um motivo válido para encerrar a obrigação alimentar, a exoneração do pagamento não ocorre automaticamente. A jurisprudência aponta que o alimentante deve buscar formalizar o fim da obrigação por meio de uma ação judicial ou acordo com o alimentado.
Um exemplo recente envolve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que desobrigou uma mãe de pagar pensão ao filho de mais de 30 anos que havia se casado. O tribunal entendeu que o casamento configurava um novo elo de solidariedade, tornando desnecessário o sustento pelos pais. Ainda assim, mesmo nesse contexto, foi reforçada a necessidade de respeitar o contraditório, permitindo que o alimentado expusesse suas razões antes do fim da obrigação.
O que diz a jurisprudência?
Vejamos que a decisão do TJSP entendeu que a realização do casamento é causa extintiva do pagamento dos alimentos, não sendo necessário tampouco a interposição da ação de exoneração, conforme se verifica:
APELAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE ALIMENTOS PROPOSTA POR FILHO CONTRA A GENITORA. Sentença que extinguiu o cumprimento de sentença, ante a notícia que o exequente teria se casado (art. 1.708 do CC). Preclusão consumativa não configurada. Requisito de constituição do título executivo que perfaz matéria de ordem pública, de acordo com o STJ, e pode ser apreciado independentemente de ter sido intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença. Matrimônio contraído antes da instauração do cumprimento de sentença. Obrigação alimentar que decorre da relação de parentesco que, a partir do casamento, passa a ser entre os cônjuges, em razão do dever de assistência mútua. Em regra é necessária a propositura de ação de exoneração, no entanto, há hipóteses em que a exoneração pode se dar de outra forma, desde que respeitado o contraditório, como no caso concreto. Precedente. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1005866-07.2019.8.26.0066; Relator (a): Schmitt Corrêa; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barretos – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/11/2024; Data de Registro: 22/11/2024)
Conclusão
O casamento do filho pode ser um forte indicativo de que a necessidade de alimentos cessou, mas não há uma regra universal. Cada caso deve ser avaliado à luz das condições financeiras e necessidades das partes envolvidas. A formalização do término da obrigação alimentar é indispensável, seja por decisão judicial ou acordo, para evitar conflitos futuros e garantir a segurança jurídica de todos.