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Direito Civil

Perder um evento religioso em razão de atraso de voo gera direito a indenização

Viajar de avião é, muitas vezes, sinônimo de praticidade, mas atrasos e cancelamentos de voos podem trazer sérios transtornos, especialmente quando envolvem compromissos inadiáveis, como eventos religiosos. Nesses casos, a questão que surge é: o passageiro tem direito à indenização? Decisões judiciais recentes indicam que sim.

O que diz a legislação sobre atrasos e cancelamentos de voos?

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), companhias aéreas têm responsabilidade objetiva em casos de falhas na prestação de serviço. Isso significa que, independentemente de culpa, elas são responsáveis pelos prejuízos causados aos passageiros, sejam eles materiais ou morais. Além disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) estabelece que, em casos de atrasos superiores a quatro horas, as empresas devem oferecer assistência material, incluindo alimentação, hospedagem e transporte.

No entanto, quando o atraso resulta em danos mais profundos, como a perda de um evento religioso de alta relevância pessoal, o dano moral também entra em discussão. Os tribunais têm reconhecido que o impacto emocional e espiritual decorrente da impossibilidade de participar de um momento significativo deve ser compensado.

O dano moral gerado pela perda de evento religioso

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso emblemático envolvendo passageiros judeus que perderam um evento religioso devido a atrasos.

A decisão judicial reconheceu os danos sofridos pelos passageiros, determinando a indenização por danos materiais no valor de R$ 6,3 mil e majorando os danos morais para R$ 15 mil por pessoa, totalizando R$ 45 mil.

No caso citado, a prática religiosa dos passageiros e o impacto do atraso na sua rotina espiritual foram fatores determinantes para a decisão judicial. A Justiça considerou não apenas o abalo financeiro causado pelas despesas adicionais, mas também o sofrimento emocional decorrente da impossibilidade de cumprir um preceito sagrado.

Danos morais são especialmente relevantes em situações que envolvem a violação de direitos ligados à dignidade, cultura e crença religiosa. Nesses casos, a indenização vai além da compensação monetária, servindo como um reconhecimento do direito à liberdade de crença e à prática religiosa.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu o dever da companhia aérea indenizar os passageiros que perderam o evento religioso em razão do atraso do voo:

APELAÇÃO. Ação de indenização por danos morais. Transporte aéreo. Dano moral indenizável. Pedido de majoração do quantum indenizatório para R$ 15.000,00 para cada autor. Valor arbitrado em r. sentença que deve ser majorado para R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada autor, conforme precedentes desta C. Câmara. Termo inicial dos juros moratórios. Devem ser contados a partir da citação, pois houve a relação contratual indigitada. Reforma parcial da r. sentença. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1121974-75.2023.8.26.0100; Relator (a): Décio Rodrigues; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/11/2024; Data de Registro: 05/11/2024)

Conclusão

Perder um evento religioso devido ao atraso de voo pode, sim, gerar direito à indenização, tanto por danos materiais quanto morais. Cada caso, porém, será analisado à luz de suas peculiaridades, como a relevância do evento perdido e o impacto causado ao passageiro.

Para garantir seus direitos, é essencial que o passageiro registre todas as informações do incidente, incluindo recibos de gastos e comunicados da companhia aérea. Caso os prejuízos sejam significativos, procurar um advogado especializado em Direito do Consumidor pode ser o primeiro passo para buscar a reparação adequada.

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Direito de Família

Estou me divorciando do meu marido e moramos em uma casa alugada. É necessário notificar o locador sobre o divórcio?

O divórcio traz uma série de mudanças, inclusive no âmbito contratual, especialmente quando envolve um contrato de locação residencial. A dúvida sobre a necessidade de notificar o locador é comum e importante, pois o contrato de locação impõe obrigações que podem ser afetadas pela separação do casal.

A importância da notificação ao locador em caso de divórcio

O artigo 12 da Lei nº 8.245/1991, conhecida como Lei do Inquilinato, estabelece que, em caso de divórcio ou separação judicial, a locação residencial será mantida com o cônjuge que permanecer no imóvel. Contudo, essa continuidade não ocorre automaticamente, já que o locador e aos fiadores precisam ser formalmente notificados sobre a alteração.

A comunicação é essencial para que o locador saiba quem será o novo responsável pelo contrato. Sem essa notificação, podem surgir litígios sobre a responsabilidade pelo pagamento do aluguel e encargos. Por exemplo, o locador poderia continuar a cobrar ambos os cônjuges livremente.

Além disso, o princípio da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais, reforça a necessidade de transparência. A notificação evita mal-entendidos e assegura que o contrato de locação continue nos moldes acordados.

O impacto sobre os fiadores

A notificação deve ser endereçada para os fiadores, que garantem o cumprimento das obrigações do contrato de locação. Quando há divórcio, ocorre uma modificação na relação contratual, o que pode afetar diretamente o risco aceito pelo fiador.

Conforme o artigo 818 do Código Civil, o fiador se obriga a cumprir a obrigação assumida pelo locatário caso este não o faça. No entanto, o artigo 838, inciso I, do Código Civil prevê a exoneração do fiador se ocorrer uma alteração contratual sem o seu consentimento que aumente os riscos da fiança.

Isso significa que, caso o cônjuge que permaneça no imóvel não seja aquele que o fiador considerava mais apto a arcar com as despesas, ele poderá pleitear a exclusão da garantia.

Com isso, caso o fiador não seja notificado, ele poderá alegar que houve modificação no contrato sem o seu consentimento e buscar a exoneração da fiança.

O que diz a jurisprudência?

A notificação feita ao locador deve constar expressamente que a parte que está se retirando do imóvel está se divorciando e, por isso, deseja retirar seu nome do contrato e manter somente a do ex-cônjuge.

Caso contrário, o locador poderá continuar cobrando o notificante, conforme esta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

LOCAÇÃO RESIDENCIAL. SUB-ROGAÇÃO LEGAL. LEI DE LOCAÇÃO. ART. 12 E § 1º. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. E-MAIL QUE NÃO NOTIFICOU A LOCADORA NEM OS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE DE SUB-ROGAÇÃO SEM A DEVIDA NOTIFICAÇÃO. 1. A controvérsia recursal cinge-se a existência ou não da notificação prevista no art. 12, caput e § 1º da Lei 8.245/91, que prevê a sub-rogação do contrato de locação nos casos de separação de fato, judicial ou divórcio. 2. Em pese a notificação do autor de que não mais residia no imóvel, este em nenhum momento externou que estava fazendo uso da faculdade prevista na lei de locação. Ademais, não há prova da comunicação por escrito ao fiador. 3. Assim, seja pela ausência de notificação do locador, seja pela ausência de notificação do fiador, não restam preenchidos os requisitos legais para a sub-rogação prevista na lei de locação. 4. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1001595-25.2018.8.26.0248; Relator (a): Artur Marques; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Indaiatuba – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/04/2020; Data de Registro: 24/04/2020)

Conclusão

É necessário notificar o locador sobre o divórcio, indicando qual dos cônjuges continuará no imóvel. Essa comunicação deve ser formal e clara, garantindo que o locador e os fiadores tenham ciência da alteração contratual.

Essa medida protege os direitos de todas as partes envolvidas, resguardando o locador e os fiadores e garantindo a continuidade do contrato sem inseguranças jurídicas. Em caso de dúvidas, é recomendável buscar orientação jurídica para garantir que todos os procedimentos sejam realizados corretamente.

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Direito Imobiliário

Comprei um apartamento com direito a uma vaga de garagem específica. É possível que o condomínio determine que as vagas sejam rotativas?

Ao adquirir um imóvel, especialmente em condomínios, muitos compradores consideram como diferencial o direito a uma vaga de garagem específica. No entanto, algumas questões podem surgir quando, em assembleias de condôminos, são aprovadas deliberações que modificam o uso das vagas, transformando-as em vagas rotativas.

Isso levanta uma dúvida comum: até que ponto o condomínio pode alterar um direito originalmente registrado em matrícula?

O que diz a lei?

A propriedade e o uso de vagas de garagem em condomínios estão diretamente ligados à forma como elas estão descritas na convenção do condomínio e, principalmente, na matrícula do imóvel. O Código Civil, em seu artigo 1.245, §1º, dispõe que um direito real sobre o imóvel só pode ser modificado com o devido registro junto ao cartório de imóveis.

Ou seja, qualquer alteração que afete os direitos relacionados à propriedade de um bem, como uma vaga de garagem específica, precisa ser formalizada e registrada na matrícula do bem.

Em casos como este, mesmo que uma assembleia de condôminos decida pela rotatividade das vagas, essa decisão não prevalecerá sobre um direito registrado em matrícula, a menos que a alteração seja levada a registro no cartório de imóveis.

Precedente judicial: direito à vaga específica prevalece

Um caso julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ilustra bem essa situação. Uma proprietária de sala em um edifício comercial teve seu direito a uma vaga de garagem garantido, mesmo após o condomínio alegar que, em 2011, havia deliberado em convenção que sua unidade não teria mais direito à vaga. A matrícula do imóvel, no entanto, continuava a constar a vaga como direito associado à unidade.

A decisão determinou que, sem o devido registro no cartório de imóveis, a convenção dos condôminos não poderia modificar o direito real da proprietária. A matrícula atualizada do imóvel, expedida em 2020, ainda fazia menção à vaga de garagem como direito da unidade, prevalecendo sobre a decisão tomada em assembleia.

No entanto, é preciso destacar que, no caso de vagas coletivas ou vagas não vinculadas diretamente à matrícula de um imóvel, as assembleias de condôminos têm o poder de deliberar sobre o uso, podendo instituir o sistema de rotatividade.

No entanto, mesmo nesse contexto, qualquer alteração deve respeitar os princípios de razoabilidade e não pode prejudicar direitos adquiridos.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do TJSP acerca da impossibilidade de alterar a vaga de garagem adquirida pelo proprietário e que está devidamente registrada em matrícula:

AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. Vaga de garagem. Convenção entre os condôminos afastando a sua utilização vinculada ao imóvel aquirido pela autora. Juntada de prova nova com a apelação. Falta, porém, de expressa referência ao exigido pelo art. 435, par. único, do CPC. Desconsideração. Precedente. Matrícula imobiliária com expressa referência ao imóvel principal e à vaga de garagem. Extinção do direito à vaga de garagem que dependente do ingresso no Registro Imobiliário (art. 147, Lei 6.015/73). Emprego, por analogia, do destacado no art. 1.245, § 1º, do Código Civil, segundo o qual enquanto não se registrar a modificação de um direito real, o antigo proprietário continua a ser havido como dono do imóvel. Uso abusivo da prerrogativa de que cuida o art. 1.228 do Código Civil. Matéria, se o caso, que deve ser objeto de ação própria. Inexistente reconvenção para a ampliação dos limites objetivos da demanda. APELO DESPROVIDO. (TJSP;  Apelação Cível 1052536-23.2022.8.26.0576; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/10/2024; Data de Registro: 02/10/2024)

Conclusão

A tentativa de transformar uma vaga de garagem vinculada à matrícula de um imóvel em vaga rotativa não encontra respaldo legal sem o devido registro da alteração no cartório. Se você adquiriu um imóvel com direito a uma vaga específica, verifique a matrícula para garantir seus direitos.

Em caso de dúvidas ou conflitos, é fundamental consultar um advogado especializado para proteger sua propriedade e assegurar o cumprimento da legislação.

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Direito Tributário

Transação tributária permite que contribuintes comecem o ano sem dívidas tributárias

O início de um novo ano é o momento ideal para regularizar pendências fiscais e começar com as finanças organizadas. A transação tributária, promovida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), é uma ótima oportunidade para contribuintes, especialmente empresas, quitarem ou renegociarem suas dívidas tributárias com condições diferenciadas.

Em 2024, a PGFN lançou novos editais que oferecem a possibilidade de regularização de débitos inscritos na dívida ativa da União, inclusive do FGTS, com benefícios que incluem descontos, parcelamentos longos e uso de precatórios federais. Essa iniciativa permite que contribuintes com débitos de até R$ 45 milhões possam aproveitar condições especiais e começar 2025 sem pendências fiscais.

O que é a transação tributária

A transação tributária é um mecanismo jurídico que permite a negociação de dívidas tributárias com a União. Instituído pela Lei nº 13.988/2020, o instituto busca solucionar litígios administrativos e promover a regularização fiscal, beneficiando tanto o contribuinte quanto o Fisco.

Entre os principais benefícios oferecidos estão:

Descontos em juros, multas e encargos: O abatimento pode chegar a 100% desses valores, respeitando o limite de 65% do débito total.

Parcelamento facilitado: O valor consolidado da dívida pode ser pago em até 120 meses, com entrada parcelada em seis vezes.

Estímulo à regularização: Empresas que aproveitam a transação tributária têm condições para manter a competitividade no mercado e evitar sanções como restrições de crédito ou exclusão de programas fiscais.

Quem pode aderir

A adesão é aberta para pessoas físicas e jurídicas que possuam débitos inscritos na dívida ativa da União há mais de 90 dias. Para débitos de pequeno valor, como aqueles de até 60 salários mínimos, o prazo de inscrição exigido é menor.

Segundo o edital PGDAU nº 6, só podem ser negociados débitos inscritos até: 1º de agosto de 2024, para dívidas gerais; 1º de novembro de 2023, para dívidas de pequeno valor.

Entre os detalhes do último edital, destaca-se a obrigatoriedade de desistência de processos judiciais, recursos ou impugnações relacionadas às dívidas negociadas. Essa medida visa reduzir o volume de ações judiciais e proporcionar maior eficiência à cobrança tributária.

Além disso, o contribuinte deve cumprir os prazos para adesão, que já começaram e se encerram em 31 de janeiro de 2025.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos que merece atenção pelos contribuintes é que, deferido o pedido de parcelamento, o atraso no pagamento das parcelas pode significar o cancelamento do acordo com a União.

No entanto, uma decisão importante do Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu que, o contribuinte que atrasou somente a última parcela agiu de boa-fé e, portanto, não seria devido o cancelamento do acordo. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA DE URGÊNCIA. REINCLUSÃO EM PARCELAMENTO. ATRASO NO PAGAMENTO DE PARCELA DA ENTRADA. BOA-FÉ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Da análise da Portaria PGFN nº 14.402/2020, que regulamenta a transação excepcional na cobrança da dívida ativa da União, resta incontroversa a possibilidade de cancelamento da transação em face do contribuinte que deixar de efetuar o pagamento de todas as parcelas relativas ao “pedágio” (artigo 16, § 3º). Por outro lado, não se extrai qualquer dispositivo expresso que vede o pagamento de parcelas em atraso, caso seja este o motivo da rescisão. 2. No caso ora analisado, a agravante efetuou o pagamento de onze parcelas da entrada do parcelamento, deixando de adimplir a última parcela no prazo, sendo inequívoca, porém, a sua boa-fé em regularizar os débitos tributários, a fim de que possa permanecer no acordo de transação. 3. Nesses termos, a negativa de reinclusão no parcelamento vai de encontro aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sobretudo quando evidenciada a ausência de prejuízo ao Fisco. Precedente. 4. Agravo provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5031851-15.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 02/06/2022, Intimação via sistema DATA: 03/06/2022)

Conclusão

A adesão à transação tributária oferece uma oportunidade valiosa para contribuintes que desejam evitar juros excessivos, regularizar pendências fiscais e manter a saúde financeira de seus negócios. Para empresas, essa regularização pode significar maior competitividade e liberdade para investir em novas iniciativas.

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Direito das Sucessões

O que alterou com a nova norma que permite o inventário extrajudicial com herdeiros menores?

Segundo as regras do Código de Processo Civil, nos inventários em que os herdeiros são menores, é obrigatório o processamento pela via judicial. Esta regra visa assegurar o direito dos menores, dado que o processo será fiscalizado pelo Ministério Público, que intervirá caso a partilha resulte no prejuízo ao menor.

No entanto, a regra tornava os inventários extremamente demorados, ainda que houvesse consenso entre os herdeiros. Em muitos casos, sequer o montante deixado seria expressivo ao ponto de tornar tão demorado o inventário.

Em vista disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que permite a realização de inventário extrajudicial com herdeiros menores, desde que observadas algumas regras.

A Resolução n. 571/2024 do CNJ

Em agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 571, que trouxe mudanças significativas para a realização de inventários e partilhas de bens de forma extrajudicial, mesmo em casos que envolvem herdeiros menores e incapazes ou a existência de testamento.

Para que esse inventário extrajudicial seja válido, algumas condições precisam ser cumpridas, entre elas:

  1. Manifestação Favorável do Ministério Público: O tabelionato de notas deve encaminhar o processo ao Ministério Público, que analisará se os interesses dos herdeiros menores ou incapazes estão sendo devidamente protegidos.
  2. Partilha em Partes Iguais: A divisão dos bens deve ser feita de forma igualitária para todos os herdeiros, sem a possibilidade de uma “partilha cômoda”.

A partilha cômoda é aquela em que os bens são distribuídos entre os herdeiros e não há a divisão do bem. A medida busca garantir que o patrimônio dos herdeiros vulneráveis seja preservado e que não sofram desvantagens em possíveis negociações entre os demais herdeiros.

Um exemplo é o falecido ter deixado 3 herdeiros e 1 casa, 1 carro e valores em banco. A partilha cômoda destinaria cada um dos bens a um herdeiro, não havendo divisão do bem, tampouco o registro de dois proprietários em cada bem.

No caso do inventário extrajudicial com menor, seguindo este caso, a casa e o imóvel passariam a ser dos três herdeiros e o dinheiro seria dividido igualmente. A divisão pode ser a ideal a depender do caso em concreto e, nesta hipótese, a celebração do inventário em meio judicial seria a melhor saída.

Inventário Extrajudicial com Testamento

Outra mudança significativa trazida pela Resolução nº 571 é a possibilidade de realizar inventários extrajudiciais mesmo que exista um testamento. Antes, para que o inventário com testamento fosse feito em cartório, era necessária a autorização pelo juiz.

Agora, desde que respeitadas certas condições — como a validade do testamento, a concordância de todos os herdeiros e a representação por advogado — o inventário pode ser realizado em cartório. Caso o testamento contenha disposições irreversíveis, como reconhecimento de paternidade, a via judicial ainda é obrigatória.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que o Código de Processo Civil não tenha permitido o processamento do inventário extrajudicial quando há herdeiro menor, questão resolvida pela Resolução do CNJ, o STJ já decidiu que, caso o falecido tenha deixado somente valores em conta, é possível o levantamento a partir de alvará judicial, ainda que haja herdeiros menores.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SUCESSÓRIO. ALVARÁ JUDICIAL. DEPÓSITO. LEI Nº 6.858/1980. CADERNETA DE POUPANÇA. VALORES RESIDUAIS. LEVANTAMENTO. HERDEIROS MENORES. – POSSIBILIDADE. SUBSISTÊNCIA. EDUCAÇÃO. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. RAZOABILIDADE. ART. 1.754 DO CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA. 1. A controvérsia dos autos está em verificar a possibilidade de levantamento de valores depositados judicialmente em conta-poupança com o intuito de beneficiar herdeiros menores. 2. Os pais são administradores e usufrutuários dos bens dos filhos menores e, salvo justo motivo, têm legitimidade para levantar valores depositados em prol desses filhos. 3. No caso concreto, a liberação dos valores objeto do presente recurso configura melhor investimento social do que a sua mera manutenção em caderneta de poupança. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.828.125/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.)

Conclusão

A Resolução nº 571/2024 representa um grande avanço para a desjudicialização do processo de inventário, agilizando e reduzindo custos. Ainda assim, a norma exige cuidado e responsabilidade, especialmente em casos que envolvem herdeiros menores, testamentos e uniões estáveis.

A orientação de um advogado é fundamental para garantir que todos os direitos dos envolvidos sejam preservados e que o processo ocorra de forma justa e segura.

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Direito Civil

Juros exorbitantes em contratos bancários: justiça tem decidido que abusividade da taxa deve ser coibida

A volatilidade da taxa de juros no Brasil somada ao índice de inadimplência tem tornado cada vez mais difícil o acesso ao crédito no país. Com isso, é exponencial o número de reclamações no judiciário acerca da abusividade dos juros aplicados e que tornam impossível o pagamento da dívida pelos devedores.

No entanto, diversos são os tribunais que entendem que, em caso de juros abusivos aplicados, é dever da instituição financeira reduzir a taxa ao patamar aplicado pelo Banco Central.

No artigo de hoje explicaremos os detalhes desta questão, no intuito de te auxiliar a lidar com estas questões.

As taxas de juros determinada pela lei

No Brasil, o limite para a taxa de juros varia de acordo com o tipo de operação financeira e com as regulamentações aplicáveis a cada caso.

A Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) estabelece que, em contratos simples feitos entre pessoas físicas, os juros cobrados não devem ultrapassar o dobro da taxa legal, que é de 1% ao mês (ou 12% ao ano), resultando em um limite de 2% ao mês. No entanto, essa regra não se aplica a contratos com bancos e instituições financeiras reguladas pelo Banco Central.

O Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) são os responsáveis por regular as taxas de juros em várias operações financeiras. Por exemplo, na modalidade de crédito rotativo do cartão de crédito — quando o consumidor opta por pagar apenas parte da fatura — a taxa de juros não pode ultrapassar 8% ao mês.

Já nos contratos bancários, as taxas de juros podem ser negociadas entre as partes, mas o banco tem a obrigação de ser transparente e agir de boa-fé. Se a instituição financeira aplicar uma taxa muito acima da média de mercado, sem uma justificativa clara, a Justiça pode interpretar essa cobrança como abusiva.

Esses limites variam conforme o tipo de crédito e as condições específicas de cada contrato.

O conceito de abusividade determinado pelo STJ

A jurisprudência do STJ que vem sendo amplamente utilizada pelos tribunais estaduais determina que a taxa de juros é abusiva quando está 1,5 vez a mais que a taxa média.

Quando a taxa de juros é considerada excessiva e abusiva, ela deve ser ajustada para o nível da taxa média estabelecida pelo Banco Central, correspondente ao período em que o contrato foi firmado para operações similares.

Em suas decisões, os tribunais geralmente ajustam a taxa de juros do contrato para a média de mercado e determinam que a instituição financeira devolva ao cliente o valor cobrado a mais.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que conheceu a abusividade da taxa de juros aplicada, tendo por base o entendimento do STJ e determinou a devolução dos valores pagos a mais:

Apelação Cível. Ação Revisional de Juros Abusivos. Sentença de procedência do pedido. Inconformismo. Contratação de empréstimo pessoal não-consignado. Preliminar de contrarrazões sobre violação ao princípio da dialeticidade recursal. Afastamento. Repetição dos argumentos da contestação, por si só, que não impossibilita o conhecimento da apelação. Taxas de juros que estão acima das médias praticadas pelo mercado no contrato objeto destes autos. Precedente do E. STJ. São abusivas taxas superiores uma vez e meia ao dobro ou ao triplo da taxa média. Abusividade identificada. Onerosidade excessiva. Limitação das taxas de juros que se impõe reconhecida. Adequação às taxas médias de mercado, nos termos da fundamentação. Restrição à liberdade contratual que tem por escopo a preservação da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Recálculo em liquidação, para devolução simples do excesso, como fixado no r. julgado. Quantias que deverão sofrer correção monetária desde o desembolso e acréscimo de juros moratórios desde a citação, restituídas ou decotadas por recálculo do contrato, em havendo obrigações vincendas. Sentença parcialmente reformada. Prequestionamento suscitado pela autora em contrarrazões. Previsão legal. Artigo 1.025 do Código de Processo Civil. Expediente, todavia, prejudicado, pois analisados todos os temas relativos à controvérsia apresentada. Recurso provido em parte. (TJSP;  Apelação Cível 1065007-78.2021.8.26.0100; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/03/2023; Data de Registro: 12/03/2023)

Conclusão

A cobrança de juros exorbitantes em contratos bancários é uma prática que pode e deve ser questionada judicialmente. Cada vez mais, o Judiciário tem reconhecido o direito do consumidor à revisão de contratos abusivos, principalmente quando há desproporção nos juros aplicados.

Portanto, se você se encontra em uma situação de juros excessivos, é válido buscar orientação jurídica e, se necessário, recorrer ao Judiciário para garantir que seus direitos sejam respeitados.

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Direito Imobiliário

Comprei um lote de terreno que não possui registro. A venda pode ser anulada?

A compra de imóveis irregulares é uma prática comum no Brasil e isso se deve principalmente aos procedimentos burocráticos para a regularização e aos custos, que tantas vezes são inacessíveis a boa parte da população.

Ainda que seja muito comum comprar um imóvel que não tenha escritura nem registro, quando se trata de lotes a questão se torna diferente. Isto porque, a lei que rege o assunto veda a venda de lotes sem o registro e os tribunais têm decidido que é possível a anulação do contrato de compra e venda.

O que a lei diz sobre o assunto?

A Lei n. 6.766/1979 trata do parcelamento do solo, o que abrange os loteamentos. Nos termos do da lei, o loteamento deve ser devidamente autorizado pela prefeitura, para que sejam realizadas as obras necessárias que viabilizem a moradia no local.

Além disso, o art. 37 da referida lei é claro ao expressar que “é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”.

Como medida em caso de descumprimento, o art. 38 da lei permite que o comprador do lote suspenda o pagamento das prestações e notifique o loteador para suprir a falta. O pagamento, neste caso, deverá ser depositado ao Registro de Imóveis competente, para que com a regularização do imóvel, os valores sejam transferidos ao credor.

Além da infração civil mencionada, o artigo 50, parágrafo único, inciso I, da mesma Lei considera crime a ação de vender, prometer vender ou trocar um imóvel em loteamento que não esteja registrado no Registro Público de Imóveis.

A decisão do STJ sobre o tema

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento sem o devido registro é nulo. No julgamento do REsp 2.166.273, a 3ª Turma do STJ decidiu que, quando o loteador não solicita a aprovação do loteamento à prefeitura e inicia a urbanização sem essa autorização, caracteriza-se um loteamento clandestino.

Nesse caso, a compra e venda de um lote não registrado é considerada ilícita, pois a Lei 6.766/1979 busca justamente evitar os impactos ambientais e sociais de loteamentos irregulares.

O que diz a jurisprudência?

Quando o loteamento é considerado clandestino, ainda que seja possível a nulidade do contrato e restituição dos valores pagos, em muitos casos há o legítimo interesse de que haja a regularização, para que os adquirentes possam permanecer com os imóveis construídos.

Neste caso, a justiça tem entendido pela condenação do vendedor e do munícipio, para que ambos procedam com as obras de regularização. Vejamos:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PARCELAMENTO DO SOLO URBANO – LOTEAMENTO CLANDESTINO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – REGULARIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO – RESPONSABILIDADE. Parcelamento irregular do solo urbano. Ausência de quaisquer formalidades legais perante os órgãos públicos. Obrigação do empreendedor. Poder-dever do Município de fiscalizar e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF). Dever de todo loteador de tomar as providências referentes ao parcelamento do solo e atender às exigências urbanísticas da Lei n° 6.766/79. Irregularidades comprovadas. Condenação do Município e da loteadora à execução das obras de infraestrutura básica para regularização do loteamento. Admissibilidade. Pedido procedente, em parte. Sentença mantida. Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 3001813-08.2013.8.26.0470; Relator (a): Décio Notarangeli; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Porangaba – Vara Única; Data do Julgamento: 06/12/2020; Data de Registro: 06/12/2020)

Conclusão

É essencial analisar e consultar a matrícula atualizada do imóvel antes de qualquer negociação, pois este documento é público e constitui uma diligência mínima que todos os envolvidos em uma transação imobiliária devem adotar.

Se você adquiriu um terreno em um loteamento sem registro e está passando por dificuldades legais, procure a orientação de um advogado especializado em direito imobiliário. Esse suporte profissional pode ajudar a esclarecer seus direitos e a tomar as providências necessárias para resolver a situação com segurança. Proteja seu patrimônio e evite riscos, contando com o apoio de um especialista.

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Direito Tributário

Recebo pensão do INSS, mas moro fora do Brasil. Devo recolher imposto de renda no Brasil?

Para muitos brasileiros que recebem pensão do INSS e residem fora do país, a questão sobre a incidência de imposto de renda sobre esses valores é uma preocupação comum.

Até recentemente, a legislação impunha uma alíquota fixa de 25% sobre os rendimentos de aposentadoria e pensão pagos a residentes no exterior, conforme o art. 7º da Lei 9.779/99. No entanto, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou essa prática inconstitucional.

A decisão do STF

O caso de origem envolvia uma aposentada brasileira que vive em Portugal e recebia aposentadoria proveniente do Brasil. Com o recebimento, sob o valor era descontado 25%, a título de imposto de renda.

Em âmbito judicial, a aposentada argumentou que essa tributação desrespeitava os princípios de isonomia e progressividade previstos na Constituição, uma vez que os residentes no Brasil são tributados por uma tabela progressiva, enquanto os que vivem no exterior são sujeitos a uma alíquota única, sem considerar o valor dos rendimentos.

A tese defendida pela aposentada foi acolhida pelo STF, que considerou a alíquota única de 25% uma violação dos princípios constitucionais da progressividade e da não confisco.

Um dos argumentos utilizados pelo ministro relator do caso é que a progressividade é fundamental para garantir justiça tributária e que a aplicação de uma única alíquota desproporcional poderia até mesmo constituir confisco de recursos essenciais à subsistência.

O que muda após a decisão do STF

Com o entendimento do STF, os aposentados e pensionistas brasileiros que residem fora do país deixam de ser obrigados a pagar o imposto de renda na alíquota fixa e passam a serem tributados a partir da tabela progressiva, aplicada aos residentes no Brasil.

Vale ressaltar que, apesar dessa decisão, ainda existe a possibilidade de novas regulamentações sobre o tema, conforme apontado pelo ministro Flávio Dino, que sugeriu que a tributação dos residentes no exterior pode ser diferenciada, desde que respeite o princípio da progressividade.

Mesmo com a nova decisão, é importante que quem reside fora do Brasil continue atento às normas fiscais vigentes. Embora o pagamento do imposto sobre os rendimentos do INSS seja agora equiparado ao dos residentes no Brasil, a obrigação de declarar ou não depende das normas de cada ano fiscal e da faixa de isenção aplicável.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da alíquota fixa sob a aposentadoria de residentes no exterior:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Tema nº 1.174. Imposto de renda na fonte. Alíquota de 25%. Aposentadoria e pensão. Pessoa física residente ou domiciliada no exterior. Inconstitucionalidade. Desarmonia com a progressividade, a vedação do confisco, a isonomia, a proporcionalidade e a capacidade contributiva. 1. O imposto de renda cobrado de pessoa física orienta-se pelo critério da progressividade e, ainda, pelos princípios da vedação do confisco, da isonomia, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, entre outros preceitos constitucionais. 2. Está em desarmonia com o referido critério e os citados princípios a incidência, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, da alíquota de 25% de imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos de aposentadoria e pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior 3. Não apresentou o Fisco justificativa razoável para o tratamento tributário em questão aos residentes e domiciliados no exterior, o qual é, em termos gerais e abstratos, muitíssimo mais gravoso do que aquele conferido aos residentes e domiciliados no Brasil em situações similares. 4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É inconstitucional a sujeição, na forma do art. 7º da Lei nº 9.779/99, com a redação conferida pela Lei nº 13.315/16, dos rendimentos de aposentadoria e de pensão pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)”. 5. Recurso extraordinário não provido (STF – Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.327.491/SC. Min. Relator: Dias Toffoli. Data do Julgamento: 21/10/2024).

Conclusão

A decisão do STF se torna um alívio aos aposentados brasileiros que tem residência fiscal em outro país, dado que agora a tributação será progressiva, tal qual ocorre com os residentes no Brasil.

O ideal é contar com o auxílio de um advogado ou contador especializado em direito tributário internacional para evitar possíveis problemas com a Receita Federal e garantir que todos os trâmites sejam feitos de maneira correta. A orientação profissional é essencial para que se entenda como as normas se aplicam em cada caso específico e para assegurar o cumprimento das obrigações fiscais sem prejuízos.

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Direito de Família

Financiei um imóvel com meu marido antes de nos casarmos, mas me casei no regime de separação total e eu paguei sozinha as parcelas. Terei que dividir o imóvel em caso de divórcio?

A partilha de bens em divórcio está longe de ser definida tão somente pelas regras do regime de casamento escolhido pelas partes. Existem diversos fatores que influenciam em como os bens serão divididos e a existência de um imóvel financiado é uma delas.

Diante de tantas possibilidades, no artigo de hoje trataremos da questão do imóvel que foi financiado em nome de ambos os cônjuges antes do casamento, e a união foi pactuada sob o regime de separação total e, após o casamento, a quitação foi feita somente pela esposa.

As regras aplicáveis ao regime de separação total

No regime de separação total de bens, a regra é de que, com o divórcio, cada uma das partes manterá a propriedade exclusiva dos bens. Isto é, aquilo que era de cada um antes do casamento permanecerá com a parte e, os bens adquiridos durante a união ficará com o respectivo dono.

Pois bem, no caso do imóvel adquirido antes do casamento do nosso exemplo, por ter sido adquirido por ambos os cônjuges, a regra aplicada é de condomínio, já que foi comprada antes do casamento e, portanto, não se aplicam as normas de partilha do divórcio.

No entanto, na hipótese de o imóvel ter sido comprado por ambos os ex-cônjuges antes do casamento e somente uma das partes ter contribuído com o pagamento das partes, aqui é preciso destacar que, pelo imóvel estar em condomínio, não existe previsão de que é necessário a contribuição por igual pelas partes.

Outro ponto importante é que se o imóvel for adquirido para moradia da família, deverá ser verificado se ambos os cônjuges contribuíram para o sustento do lar. Neste caso, o pagamento das parcelas unilateralmente será visto como uma forma de contribuição para a manutenção do lar.

Hipótese do imóvel ser adquirido em nome de um dos cônjuges

Outra questão muito comum é a aquisição do imóvel para moradia da família durante a constância do casamento, mas que, por questões burocráticas, a compra do imóvel é feita em nome de um dos cônjuges.

Neste caso, ainda que o casamento seja celebrado sob o regime de separação total, comprovado que houve o esforço de ambos os cônjuges, a casa deverá ser partilhada igualmente.

Esta é uma regra que não se restringe ao imóvel financiado, mas também a todo bem adquirido sob essa condição.

O que diz a jurisprudência?

Outra questão relevante é que, os Tribunais têm entendido que, se as partes compram um imóvel antes do casamento, o regime de casamento aplicado não retroage para o período em que não estiveram casadas, conforme se verifica neste julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – UNIÃO ESTÁVEL – EMPRÉSTIMO ENTRE COMPANHEIROS – Alegação de que entre os companheiros se fez empréstimo visando à aquisição conjunta de imóvel, em regime de separação de bens, que foi registrado em nome de ambos – Conjunto probatório que infirma a tese do empréstimo – Imóvel adquirido durante a união estável, porém antes de firmado o acordo sobre o regime de separação total de bens – Regime de bens mais gravoso que não retroage – Negócio realizado sob o regime da comunhão parcial – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP; Apelação Cível 1017565-82.2021.8.26.0564; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2022; Data de Registro: 30/09/2022)

Conclusão

Embora o regime de separação total de bens estabeleça que cada cônjuge é responsável pelo que adquiriu individualmente, a situação de um imóvel financiado antes do casamento pode trazer interpretações diferentes.

Se o imóvel foi comprado em conjunto, e as parcelas foram pagas exclusivamente por um dos cônjuges, aplica-se as regras do condomínio e a partilha por regra além da metade para cada dependerá do caso em concreto.  A recomendação é sempre consultar um advogado especialista para obter uma análise precisa e personalizada.

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Direito Imobiliário

Comprei um imóvel e me arrependi. Posso fazer o distrato?

A compra de um imóvel, muitas vezes, representa a concretização de um plano de vida e, por isso, merece grande atenção dos compradores. Dada a seriedade do ato, é recomendável que as partes consultem um advogado especialista no assunto antes de concretizar a compra. Porém, é bem sabido que imprevistos acontecem e, durante este processo, é possível que o comprador precise desfazer o negócio, seja pela impossibilidade de pagamento, seja por questões pessoais.

Mas, será que a lei permite a desistência do negócio? Para responder a esta questão, é preciso, primeiro, verificar qual o tipo de imóvel adquirido: na planta ou já construído.

O distrato do imóvel comprado na planta

Para o imóvel comprado na planta, o distrato pode ser feito graças à Lei nº 13.786/2018. A partir desta lei, o distrato pode ser celebrado caso haja descumprimento contratual por parte da construtora ou caso haja desistência por parte do comprador. Nos termos da referida lei, o contrato de compra e venda celebrado com a construtora deve conter uma cláusula que estabeleça as razões que permitam o distrato e que esclareçam quais as penalidades aplicáveis.

Outro ponto importante é que é possível que o adquirente faça o distrato antes da entrega do imóvel. Neste caso, o contrato deve ter sido firmado exclusivamente com a incorporadora. A empresa, por sua vez, deverá devolver os valores atualizados pelo índice disposto em contrato, sendo possível o desconto da taxa de corretagem e de multa de até 25% do valor.

O distrato do imóvel já construído

No caso de imóvel já construído, não é aplicável a Lei nº 13.786/2018, visto que a norma regula somente os imóveis adquiridos na planta. Para estas situações, é aplicável o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Este último código só é aplicável nos casos em que a compra tenha sido realizada através de uma empresa e fora do seu estabelecimento.

No caso do contrato de compra e venda, o Código Civil estabelece que o distrato poderá ser feito caso haja inadimplemento da outra parte, isto é, caso o vendedor deixe de cumprir com o disposto em contrato. Porém, além desta disposição, o que será aplicável à relação jurídica é o que estiver escrito em contrato. Na hipótese de o contrato não prever situações que permitem o distrato, não será possível o desfazimento da venda sem a concordância do vendedor.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos importantes do distrato é que a sua anulação somente ocorrerá a partir da análise do caso concreto, feita na Justiça.

Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre o assunto, em que um comprador assinou o distrato, recebeu os valores e, dois anos após a celebração do ato, requereu a anulação:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO DE DISTRATO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESILIÇÃO UNILATERAL (DESISTÊNCIA) POR PARTE DO PROMITENTE COMPRADOR. AUSÊNCIA DE MORA DA PARTE RÉ. Autor que desistiu da compra de imóvel e firmou distrato com a ré. Autor que pretende anulação do distrato. Sentença anulando o distrato e condenando a parte ré na restituição de 80% da quantia paga pelo autor, corrigidos monetariamente do desembolso e com juros contados da citação. Apelação da parte ré. Sentença que se reforma. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por parte do comprador quando não for suportável o adimplemento contratual, com imediata restituição de valores pagos. Autor que, no entanto, já obteve administrativamente dos promitentes vendedores o distrato, mas busca agora a anulação do mesmo. Instrumento particular de distrato convertendo os valores pagos em carta de crédito a ser utilizada obrigatoriamente na aquisição de imóvel de grupo econômico do qual a ré faz parte. Autor maior de idade, plenamente capaz e, supostamente, com bom nível de instrução. Cláusula contratual clara e expressa, que não deixa margem a dúvidas de como se dará a restituição dos valores pagos. Autor que, inexplicavelmente, somente dois anos após assinatura do distrato buscou o Judiciário para obter sua anulação sem demonstrar qualquer vício de consentimento ou onerosidade excessiva a justificar sua pretensão. Necessidade de observar os princípios gerais que regem os contratos, tais como o da boa fé e do pacta sunt servanda. Recurso conhecido e provido para julgar improcedentes os pedidos formulados pela parte autora, com inversão dos ônus sucumbenciais. (0069054-18.2018.8.19.0002 – APELAÇÃO. Des(a).  RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 08/07/2021 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel é uma situação que demanda que as partes tenham muita cautela e atenção às leis.

É por isso que, se você está adquirindo um imóvel já construído, principalmente vendido por um particular, é extremamente importante que a venda seja celebrada a partir de um contrato de venda e que o documento seja redigido e revisado por um advogado especialista no assunto.