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No inventário do meu pai descobrimos que foi doado um veículo em vida a um dos meus irmãos. É possível pedir o cancelamento desta doação?

Em um processo de inventário, muitas vezes os herdeiros se deparam com surpresas que podem gerar desconforto, especialmente quando há doações realizadas em vida que não foram mencionadas no momento da partilha dos bens.

Para entender melhor esse cenário, é importante analisar o que diz a legislação brasileira sobre doações e o que pode ser feito quando elas não são corretamente informadas ou realizadas de maneira irregular.

Doações em vida e a influência no inventário

O Código Civil Brasileiro prevê que, quando uma pessoa realiza uma doação em vida, ela deve declarar o ato, pois, em termos sucessórios, essa doação pode ser considerada para efeitos de cálculo da legítima, que é a parte da herança destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários (filhos, cônjuge e, em alguns casos, pais). Ou seja, a doação de bens em vida pode impactar diretamente o valor da herança a ser compartilhada entre os herdeiros.

É importante frisar que, se a doação não foi mencionada no processo de inventário, isso pode caracterizar omissão, o que poderá gerar questionamentos legais por parte dos outros herdeiros. Quando um bem doado em vida não é incluído no inventário, ele pode ser reclamado, e, dependendo do caso, o herdeiro que recebeu a doação poderá ser obrigado a devolver o bem ou o seu valor.

Possibilidade de anulação da doação

A doação pode ser cancelada ou revogada em algumas situações específicas, como em casos de dolo, coação ou fraude.

Por exemplo, se você comprovar que o seu irmão agiu de má-fé ao omitir a doação no inventário, isso pode ser uma base para pedir o cancelamento da doação, especialmente se houver evidências de que a doação foi feita de maneira a prejudicar os outros herdeiros.

Além disso, se a doação foi feita com a intenção de prejudicar a legítima (parte da herança que é destinada aos herdeiros necessários), o juiz poderá determinar que o valor do bem doado seja compensado para que os outros herdeiros não sejam prejudicados.

Em algumas situações, pode-se pedir a “colação” do bem doado.

A colação é um procedimento no qual o valor ou o bem doado é somado à herança para que os herdeiros recebam suas parcelas de forma justa. Caso a doação tenha sido realizada sem o devido esclarecimento, o herdeiro que recebeu o bem pode ser obrigado a devolver o bem ou seu valor para que o patrimônio seja partilhado de forma equitativa entre todos.

Em alguns casos, como demonstrado em decisões judiciais recentes, a Justiça pode até bloquear o bem doado, impedindo sua alienação até que o caso seja resolvido. Um exemplo disso ocorreu recentemente em São Paulo, onde a Justiça determinou o bloqueio de um veículo que foi doado em vida, mas não incluído no inventário, para evitar que o bem fosse transferido para outra pessoa enquanto a questão não fosse esclarecida.

O que diz a jurisprudência?

A anulação da doação nem sempre é a única medida a ser imposta. Em alguns casos, a depender da quantidade bens deixada pelo falecimento, é possível que o bem doado seja somado ao quinhão e subtraído da cota do herdeiro, conforme se verifica nesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO –COLAÇÃO DE BENS RECEBIDOS EM VIDA – DOAÇÃO PELO DE CUJUS. Recurso em face decisão que, em autos de inventário, determinou fossem trazidos à colação os bens imóveis que os coerdeiros agravantes receberam em vida – Insurgência recursal que se desacolhe – Possível a equiparação dos quinhões, por meio de compensação nos bens arrolados a partilhar, sem necessidade de anulação do ato – Colação de imóvel doado a descendente – Instituto que visa igualar e resguardar as respectivas legítimas – Inexistência de dispensa da colação – Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2146021-81.2018.8.26.0000; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Assis – Vara do Ofício da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 02/06/2020; Data de Registro: 02/06/2020)

Conclusão

Se você acredita que a doação do veículo realizada ao seu irmão foi omitida no inventário, ou se há indícios de que a doação foi feita de maneira irregular, o primeiro passo é consultar um advogado especializado em direito sucessório. O advogado poderá orientá-lo sobre os procedimentos adequados, que podem envolver o pedido de colação ou até mesmo de anulação da doação.

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Existe a possibilidade da holding familiar ser baixada por falta de operação?

No campo do planejamento sucessório e organização patrimonial, a holding familiar tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente como uma ferramenta para facilitar a sucessão de bens e otimizar a gestão do patrimônio.

Embora a holding tenha um papel importante na sucessão de bens e na proteção patrimonial, ela não pode ser vista como uma entidade criada para simplesmente “guardar” o patrimônio. Como qualquer empresa, ela deve exercer uma atividade econômica efetiva para que tenha validade jurídica, evite riscos de ser considerada “inativa” e continue atendendo aos objetivos de seus sócios.

A necessidade de uma atividade econômica

Uma das exigências mais importantes na constituição de uma holding é a atividade econômica efetiva. A legislação brasileira exige que toda sociedade empresarial realize atividades econômicas reais, conforme o artigo 981 do Código Civil. Ou seja, uma holding não pode ser apenas um “contêiner” de bens, sem qualquer tipo de movimentação econômica.

De acordo com o artigo 81, III da Lei 9.430/96, uma das condições para a baixa do CNPJ de uma empresa é justamente a ausência de operação. Ou seja, caso a holding não desenvolva atividades ou esteja com suas operações paralisadas, ela pode ser considerada como inativa e, consequentemente, ter seu CNPJ cancelado. Este é um risco real para aqueles que constituem holdings apenas com o intuito de centralizar o patrimônio familiar, sem prever uma atividade econômica que sustente essa estrutura.

Além de correr o risco de ter sua existência legalmente questionada, uma holding que não exerce atividade econômica pode enfrentar diversos problemas, tanto fiscais quanto sucessórios.

 A inatividade de uma holding também pode afetar a imunidade de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). Segundo o artigo 156, §2º, I, da Constituição, a holding pode pleitear imunidade do ITBI quando a receita operacional imobiliária não for superior a 50% de sua receita total. Contudo, se a holding não tiver receita, ela pode ser impedida de se beneficiar dessa imunidade, já que não há como se verificar a preponderância da atividade imobiliária.

A holding familiar também pode ser alvo de fiscalização da Receita Federal e outros órgãos, que podem questionar a legitimidade de sua constituição se perceberem que a empresa não está operando de fato. Se a holding for considerada inativa ou sem finalidade econômica, ela poderá ser alvo de ações fiscais, como a imposição de multas e a revogação de benefícios fiscais.

Como evitar a baixa da holding?

Para evitar a baixa do CNPJ e garantir a validade do planejamento sucessório, é crucial que a holding familiar exerça uma atividade econômica concreta. Isso pode incluir a administração de imóveis, a exploração de outras atividades empresariais, ou até mesmo o fornecimento de serviços relacionados à gestão patrimonial. A ideia é garantir que a holding tenha fluxo de receita que justifique sua existência e operação, mesmo que seja em pequena escala.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos que o entendimento consolidado do STJ é de que a falta de receita operacional é causa para a não concessão do benefício de imunidade tributária do ITBI nos casos de integralização do capital social com imóveis:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ITBI. ATIVIDADE PREPONDERANTE. NÃO ATENDIMENTO DE EXIGÊNCIA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. SÚMULA N. 280/STF. VALIDADE DE LEI LOCAL EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A Corte a quo examinou o objeto social da empresa, fundamentando, contrariamente às alegações da agravante, que a existência de receita operacional é essencial à concessão da imunidade porquanto sua ausência viola a própria função do instituto da imunidade tributária, isto é, o estímulo à atividade empresarial, de forma que não há ilegalidade da cobrança do tributo (e-STJ fls. 297/298). 2. Não se verificam os vícios suscitados uma vez que foram considerados todos os argumentos, embora contrariamente aos interesses da agravante. 3. A Lei Complementar Municipal n. 197/89, em seu art. 6º, § 5º, condiciona a imunidade à apresentação dos demonstrativos de receita operacional, consoante consignou o aresto combatido (e-STJ fls. 295/297). Súmula n. 280/STF. 4. A verificação da validade da exigência da lei municipal em face aos requisitos dos arts. 36 e 37 do CTN é competência da Suprema Corte à luz do art. 102, III, “d” da Constituição Federal. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.543.794/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 10/2/2020.)

Conclusão

A holding familiar pode ser uma excelente ferramenta para o planejamento patrimonial e sucessório

No entanto, é essencial que a holding desenvolva uma atividade econômica efetiva, para que sua constituição seja validada legalmente e não corra o risco de ser baixada por falta de operação. O planejamento cuidadoso e o acompanhamento profissional são fundamentais para garantir que a holding cumpra sua função de forma eficaz.

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O que alterou com a nova norma que permite o inventário extrajudicial com herdeiros menores?

Segundo as regras do Código de Processo Civil, nos inventários em que os herdeiros são menores, é obrigatório o processamento pela via judicial. Esta regra visa assegurar o direito dos menores, dado que o processo será fiscalizado pelo Ministério Público, que intervirá caso a partilha resulte no prejuízo ao menor.

No entanto, a regra tornava os inventários extremamente demorados, ainda que houvesse consenso entre os herdeiros. Em muitos casos, sequer o montante deixado seria expressivo ao ponto de tornar tão demorado o inventário.

Em vista disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que permite a realização de inventário extrajudicial com herdeiros menores, desde que observadas algumas regras.

A Resolução n. 571/2024 do CNJ

Em agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 571, que trouxe mudanças significativas para a realização de inventários e partilhas de bens de forma extrajudicial, mesmo em casos que envolvem herdeiros menores e incapazes ou a existência de testamento.

Para que esse inventário extrajudicial seja válido, algumas condições precisam ser cumpridas, entre elas:

  1. Manifestação Favorável do Ministério Público: O tabelionato de notas deve encaminhar o processo ao Ministério Público, que analisará se os interesses dos herdeiros menores ou incapazes estão sendo devidamente protegidos.
  2. Partilha em Partes Iguais: A divisão dos bens deve ser feita de forma igualitária para todos os herdeiros, sem a possibilidade de uma “partilha cômoda”.

A partilha cômoda é aquela em que os bens são distribuídos entre os herdeiros e não há a divisão do bem. A medida busca garantir que o patrimônio dos herdeiros vulneráveis seja preservado e que não sofram desvantagens em possíveis negociações entre os demais herdeiros.

Um exemplo é o falecido ter deixado 3 herdeiros e 1 casa, 1 carro e valores em banco. A partilha cômoda destinaria cada um dos bens a um herdeiro, não havendo divisão do bem, tampouco o registro de dois proprietários em cada bem.

No caso do inventário extrajudicial com menor, seguindo este caso, a casa e o imóvel passariam a ser dos três herdeiros e o dinheiro seria dividido igualmente. A divisão pode ser a ideal a depender do caso em concreto e, nesta hipótese, a celebração do inventário em meio judicial seria a melhor saída.

Inventário Extrajudicial com Testamento

Outra mudança significativa trazida pela Resolução nº 571 é a possibilidade de realizar inventários extrajudiciais mesmo que exista um testamento. Antes, para que o inventário com testamento fosse feito em cartório, era necessária a autorização pelo juiz.

Agora, desde que respeitadas certas condições — como a validade do testamento, a concordância de todos os herdeiros e a representação por advogado — o inventário pode ser realizado em cartório. Caso o testamento contenha disposições irreversíveis, como reconhecimento de paternidade, a via judicial ainda é obrigatória.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que o Código de Processo Civil não tenha permitido o processamento do inventário extrajudicial quando há herdeiro menor, questão resolvida pela Resolução do CNJ, o STJ já decidiu que, caso o falecido tenha deixado somente valores em conta, é possível o levantamento a partir de alvará judicial, ainda que haja herdeiros menores.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SUCESSÓRIO. ALVARÁ JUDICIAL. DEPÓSITO. LEI Nº 6.858/1980. CADERNETA DE POUPANÇA. VALORES RESIDUAIS. LEVANTAMENTO. HERDEIROS MENORES. – POSSIBILIDADE. SUBSISTÊNCIA. EDUCAÇÃO. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. RAZOABILIDADE. ART. 1.754 DO CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA. 1. A controvérsia dos autos está em verificar a possibilidade de levantamento de valores depositados judicialmente em conta-poupança com o intuito de beneficiar herdeiros menores. 2. Os pais são administradores e usufrutuários dos bens dos filhos menores e, salvo justo motivo, têm legitimidade para levantar valores depositados em prol desses filhos. 3. No caso concreto, a liberação dos valores objeto do presente recurso configura melhor investimento social do que a sua mera manutenção em caderneta de poupança. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.828.125/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.)

Conclusão

A Resolução nº 571/2024 representa um grande avanço para a desjudicialização do processo de inventário, agilizando e reduzindo custos. Ainda assim, a norma exige cuidado e responsabilidade, especialmente em casos que envolvem herdeiros menores, testamentos e uniões estáveis.

A orientação de um advogado é fundamental para garantir que todos os direitos dos envolvidos sejam preservados e que o processo ocorra de forma justa e segura.

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Testamento, doação e usufruto – vamos saber mais?

Ao falar em herança, muita gente já pensa em uma série de complicações. Quando não existe planejamento para a sucessão dos bens da família, é comum que surjam algumas surpresas neste caminho. Por isso, é crescente o número de interessados em realizar um planejamento sucessório eficiente. E as possibilidades para a transferência do patrimônio aos herdeiros são várias!

No entanto, existem três alternativas mais comuns e populares entre este público, quais sejam o testamento, a doação e o usufruto. Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos destes institutos. Acompanhe!

O que é testamento?

O testamento é um dos principais meios para o planejamento sucessório. Nele, o indivíduo prepara um documento que, na sua forma mais simples, deve ser assinado por ele e mais duas testemunhas. É possível, também, realizar um testamento através de escritura pública, tendo esta forma mais eficácia em comparação às demais.

O conteúdo do testamento deve estabelecer como será a transferência dos bens do testador aos herdeiros e aos demais sujeitos que possam receber o patrimônio. No Brasil, 50% dos bens do testador deverão ser, obrigatoriamente, destinados aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge). A outra parte poderá ser doada a qualquer outra pessoa fora deste rol.

Como a doação pode auxiliar no planejamento sucessório?

A doação pode ser uma alternativa para os casos em que o indivíduo possui poucos herdeiros ou nos casos em que o sujeito possui uma quantidade expressiva de bens. Nesta modalidade, o indivíduo doa os seus bens aos sucessores ainda em vida, realizando, assim, a transferência da propriedade. Neste ato, é necessário o recolhimento de ITCMD pelo doador. O ITCMD é um imposto municipal que incide neste tipo de transação.

O usufruto é uma medida eficiente para a partilha dos bens pós-morte?

O usufruto é uma maneira de o sujeito transferir a sua propriedade aos herdeiros e, a partir daí, gravar no bem doado uma reserva de usufruto. Com isso, enquanto o doador estiver vivo, poderá desfrutar do bem e utilizá-lo para proveito próprio.

A doação com reserva de usufruto é uma boa alternativa para os indivíduos que possuem poucos bens. Por exemplo, se o doador possui somente um apartamento que utiliza para moradia, poderá doar o imóvel aos herdeiros e, a partir do usufruto, continuar residindo no local, de modo que os sucessores estarão impedidos de vender ou realizar qualquer outro ato contra o bem.

O que diz a jurisprudência?

Uma das possibilidades dentro da doação de bens em vida aos herdeiros é impor ao bem doado uma cláusula de inalienabilidade. Tal cláusula proíbe aos sucessores vender os bens recebidos enquanto os doadores estiverem vivos.

No entanto, quando o bem doado significar uma antecipação da legítima, ou seja, a entrega da herança ao herdeiro enquanto os pais estão vivos, a cláusula de inalienabilidade só surtirá efeitos enquanto os doadores estiverem vivos. Uma decisão do STJ esclarece bem a questão. Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. HERDEIROS NECESSÁRIOS. ANTECIPAÇÃO DE LEGÍTIMA. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE E USUFRUTO. MORTE DOS DOADORES. 1. Controvérsia acerca da possibilidade de cancelamento de cláusula de inalienabilidade instituída pelos pais em relação ao imóvel doado aos filhos. 2. A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1.848 do CCB, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade. 3. Possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. 4. Interpretação do art. 1.848 do Código Civil à luz do princípio da função social da propriedade. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ – REsp: 1631278 PR 2016/0265893-1, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 19/03/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2019 RSTJ vol. 254 p. 625)

Conclusão

Conhecer as alternativas para o planejamento sucessório pode ser uma boa saída, independente da quantidade de patrimônio disponível ou quantos herdeiros serão contemplados.

Por isso, caso você tenha dúvidas neste assunto, procure um advogado!

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Cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade: É possível afastá-las em eventual doação de bens?

As cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade estabelecem que o beneficiário de uma doação fique impedido de vender o bem, também sendo impedida a sua penhora. Estes são tipos de cláusulas comumente utilizados em planejamento sucessório, visando que o herdeiro não venda o bem recebido em doação. Porém, em alguns casos, a propriedade daquele bem pode se tornar insustentável, de modo que a venda seja a única saída. E, neste caso, seria possível afastar as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade? Em uma recente decisão, o STJ decidiu que sim, é possível. Mas, para isso, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Acompanhe!

A necessidade de venda do imóvel

Vamos considerar a seguinte situação: você é beneficiário de um imóvel que lhe foi doado com cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade. Durante vários anos você desfrutou do imóvel, arcando com os custos de manutenção e impostos. No entanto, em determinado momento da vida, esse presente se tornou um fardo financeiro insustentável, gerando prejuízo. Agora surge a dúvida se a restrição à venda do imóvel ainda deve ser aplicada nesse contexto.

Este assunto foi alvo de decisões recentes pelo STJ. No recente caso julgado, um casal de idosos requereu judicialmente a venda do imóvel recebido em doação pelos pais de um deles. O imóvel em questão era objeto de diversos problemas, como furto de gado, prejuízos econômicos e a existência de uma área de reserva florestal dentro do terreno. O STJ, por sua vez, permitiu o cancelamento das cláusulas restritivas, desde que observados alguns requisitos.

Os requisitos exigidos pelo STJ

Na decisão, o STJ listou os seguintes requisitos autorizadores da venda de imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade:

  • Inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros;
  • A existência de ônus financeiro causado pelo imóvel, isto é, a propriedade gera mais prejuízos do que benefícios;
  • Existência de real interesse das pessoas cuja cláusula visa proteger. No entendimento do STJ, a intenção do doador certamente é de manter o bem-estar do beneficiário, de modo que não é sustentável impor que o donatário tenha obrigações que o prejudiquem a partir da doação do imóvel;
  • Longa passagem de tempo da doação;
  • Falecimento do doador.

Com isso, é possível perceber que os requisitos do STJ são específicos e que, por óbvio, o Tribunal de Justiça competente poderá exigir a presença de outros requisitos no momento de análise do caso.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a aplicação dos requisitos exigidos pelo STJ para o afastamento das cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade do bem:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ESTATUTO DA PESSOA IDOSA. DOAÇÃO. IMÓVEL RURAL. CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 1.848 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CRITÉRIOS JURISPRUDENCIAIS. PRESENÇA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade melhor promoveria os direitos fundamentais dos recorrentes, pessoas idosas, e se existente ou não justa causa para o levantamento dos gravames no imóvel rural dos recorrentes. 3. No caso, a alegação de afronta aos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do CC/2002, por meio de interpretação sistemática e teleológica. 4. A possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores. 5. Na hipótese, todos os critérios jurisprudenciais estão presentes. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 2.022.860/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Conclusão

A recente decisão do STJ abriu brechas para que os beneficiários das doações possam vender o imóvel recebido. Para isso, é importante que estejam presentes os requisitos listados pelo STJ, ressaltando que é possível que o juiz do caso entenda de forma diferente a partir do caso em concreto.

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Trust revogável e irrevogável, qual a diferença?

O planejamento sucessório envolve diversas formas de transmissão de bens. Aqui no blog já abordamos algumas formas de transferência de patrimônio em vida, com maior destaque para a holding familiar.

Uma forma efetiva de realizar a transferência de bens que estejam no exterior é o trust. E, entre as modalidades de trust, estão a revogável e a irrevogável.

Neste artigo abordaremos os principais aspectos deste instituto, trazendo as diferenças entre as formas revogável e irrevogável. Acompanhe!

O que é trust?

O trust é uma espécie de sociedade, podendo ser também um contrato privado, em que há a transferência da propriedade de um indivíduo a um terceiro. Este terceiro, por sua vez, tem por obrigação administrar estes bens. A administração poderá ser feita em benefício do instituidor da empresa/contrato ou em benefício das pessoas indicadas.

Assim, o que se verifica é que o trust poderá ser uma alternativa no planejamento sucessório, já que permite que o genitor crie o trust, transfira seus bens para ele, incumba um profissional de administrar esses bens e obriga que todos os ativos gerados na administração sejam entregues aos seus herdeiros.

Com a morte do instituidor, os beneficiários passam, assim, a ser donos destes ativos, configurando a transmissão dos bens aos herdeiros.

O trust revogável

Entendido o que é um trust, passa-se às modalidades existentes, quais sejam: o trust revogável e o irrevogável.

O trust revogável é aquele em que o instituidor entrega os bens à administração do profissional e determina que, em caso da morte do instituidor, os beneficiários terão direito a herdar os bens transferidos ao trust. Mas, enquanto estiver vivo, o instituidor continua sendo dono de todo o patrimônio transferido.

O que se verifica nesta modalidade é que o contrato firmado tem caráter revogável, já que a qualquer momento o instituidor pode reaver os bens entregues ao administrador.

O trust irrevogável

O trust irrevogável, por sua vez, se caracteriza pela entrega de bens à administração do profissional e à instituição de herança, na hipótese de morte do instituidor. Porém, o instituidor não é mais proprietário dos bens transferidos, sendo agora de propriedade firmada.

Qual melhor modalidade para sucessão patrimonial?

Dentro das duas modalidades apontadas, o trust irrevogável traz maior segurança ao patrimônio, já que a figura do instituidor não se confundirá com o trust, que possui personalidade jurídica própria.

Assim, caso o instituidor, enquanto pessoa física, seja executado, só serão atingidos os seus bens pessoais. Os bens transferidos ao trust de forma irrevogável estarão protegidos.

O que diz a jurisprudência?

A figura do trust ainda é pouco encontrada na jurisprudência, em razão deste instituto ser recente e com maior incidência nas empresas sediadas no exterior.

No entanto, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso envolvendo um fundo patrimonial do tipo trust. Tal fundo foi criado no Brasil, mas o instituidor e os bens depositados nesta empresa estavam localizados no exterior. Com a morte do instituidor, houve a transmissão automática aos herdeiros, que realizaram a declaração de imposto de renda no ano seguinte.

A partir daí, a Fazenda do Estado de São Paulo iniciou o procedimento de cobrança de ITCMD, sob a alegação de que houve a transmissão de bens com causa mortis. No entanto, mesmo com a transferência destes bens para o Brasil, o desembargador entendeu que seria indevido o recolhimento do tributo, já que inexiste norma estadual que permite a tributação de bens de doador residente no exterior. Vejamos.

NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. Alegação de cópia da contestação apresentada. Inocorrência. O recurso apresenta todos os requisitos formais indispensáveis. Preliminar afastada. AÇÃO DECLARATÓRIA. ITCMD. Recolhimento do ITCMD sobre os valores (bem incorpóreo) de doação feita por residente no exterior. Inadmissibilidade. Inexigibilidade sobre valores na hipótese de o doador residir no exterior – Inconstitucionalidade do art. 4º, II, ‘b’ da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo C. Órgão Especial – Inexistência de lei complementar federal. Sentença de procedência mantida. […].  Os autores são herdeiros e donatários de bens localizados em território estrangeiro, deixados pelo de cujus, que faleceu no Reino Unido em 25/01/09, em que parte dos bens eram geridos por um Fundo Patrimonial (“Trust”), do qual são beneficiários.  Pelas informações e documentos trazidos aos autos, o montante recebido a título de herança e doação refere-se a bens situados no exterior, de pessoa não residente no país e com transmissão da propriedade ocorrida fora do território nacional.  Note-se que os bens estavam localizados no exterior e foram posteriormente transferidos para o Brasil e declarados no imposto de renda dos autores. (TJ-SP – APL: 10371284820188260053 SP 1037128-48.2018.8.26.0053, Relator: Claudio Augusto Pedrassi, Data de Julgamento: 12/02/2019, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/02/2019)

Conclusão

O que se verifica é que o trust pode ser uma boa alternativa para as famílias que possuem bens localizados no exterior, já que permite, em alguns estados, o não recolhimento de impostos, além de ofertar maior proteção do patrimônio.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado.

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Incide o imposto de ganho de capital no valor recebido por ex-cônjuge referente a reembolso de diferença no montante de bens e direitos que lhe cabiam em decorrência da meação?

Os acordos realizados entre as partes em um divórcio, a respeito da divisão dos bens, nem sempre são baseados na divisão igualitária. Muitas vezes, as partes decidem que um dos cônjuges permanecerá integralmente com um bem mediante a compra da cota do ex-esposo/a.

Assim, ao final da partilha, o que se verificará é que um dos cônjuges ficará com mais bens do que inicialmente teria direito. No entanto, a partilha só será desigual graças à compra da cota da outra parte. A partir daí, a dúvida que surge é: mesmo com a aquisição da cota mediante o reembolso, seria devido o recolhimento do imposto de renda pelo ganho de capital?

Segundo as regras da Receita Federal, sim, é devido o imposto de renda pelo cônjuge que recebeu o reembolso dos bens e direitos que lhe cabiam em razão do divórcio.

Para melhor entender o assunto, pensemos no seguinte exemplo: Ana e José se divorciaram e o único bem adquirido pelas partes na constância do casamento foi um imóvel, que no momento do divórcio estava avaliado em R$ 500 mil. As partes compraram o bem por R$ 400 mil.

Em razão do regime adotado pelas partes, que determina a divisão dos bens adquiridos na união, a partilha ideal seria a distribuição de R$ 250 mil para cada um dos cônjuges. No entanto, as partes decidem que o imóvel ficará com Ana mediante a compra da cota de José. Assim, Ana transfere R$ 250 mil a José e se torna a única proprietária deste imóvel. O que se verifica é que houve um ganho de capital de R$ 100 mil, já que as partes compraram o bem por R$ 400 mil e, na partilha, ele estava avaliado em R$ 500 mil. Logo, com a venda da sua cota, José teve um ganho de R$ 50 mil, montante sobre o qual deve incidir o imposto de renda sobre ganho de capital. Ao final, sobre o recebimento de R$ 250 mil, José deverá recolher R$ 7.500 de imposto de renda.

O que diz a jurisprudência?

A declaração de imposto de renda após o divórcio é essencial para o cálculo do imposto de renda sobre o ganho de capital, mas não é só isso: é a partir dele que pode ser corrigido o recolhimento de outros impostos.

Em um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, após o divórcio de um casal, no qual houve a divisão desigual dos bens, o Fisco realizou a cobrança da ex-cônjuge a respeito do ITCMD, sob alegação de que o imposto não havia sido recolhido. No entanto, a partir da sua declaração de imposto de renda, ficou comprovado o percentual da doação, de modo que o juiz sentenciou pela cobrança do ITCMD proporcional à divisão de bens realizada. Vejamos.

APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. ITCMD. PARTILHA DE BENS EM DIVÓRCIO. EXCESSO DE MEAÇÃO. Pretensão de reconhecimento de nulidade de débito de ITCMD constante do parcelamento a que a autora aderiu no curso da ação. Decisão de primeiro grau que afastou a pretensão por considerar ser inviável a apreciação de aspectos fáticos da relação tributária. Possibilidade de discussão da legitimidade do débito fiscal ora reconhecida. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorrer defeito causador de nulidade do ato jurídico, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. Causa madura para julgamento. Rejeição do argumento de que teria havido nulidade no procedimento administrativo de lançamento do imposto. Contribuinte que deixou de atender às reiteradas notificações da autoridade tributária para se defender no processo. Imposto que, no entanto, comporta redução. Elementos dos autos que comprovam ter a autora recebido os bens declarados na sua DIRPF em razão de partilha de bens em divórcio. Excesso de meação configurado apenas em relação a metade do valor do imóvel partilhado, adquirido na constância do casamento. Encargos de sucumbência que devem, todavia, ser pagos pela autora, visto que foi ela quem deu causa ao ajuizamento da ação ao, reiteradamente, deixar de responder às intimações efetivadas pela Fazenda com a finalidade de esclarecer a ocorrência ou não do fato gerador do imposto. Honorários fixados em 11% do valor atualizado da causa, observada a gratuidade processual deferida à autora. Recurso provido em parte, apenas para reduzir a base de cálculo do imposto a metade do valor do imóvel partilhado. (TJ-SP – AC: 10085208620198260576 SP 1008520-86.2019.8.26.0576, Relator: Bandeira Lins, Data de Julgamento: 16/02/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 16/02/2021)

Conclusão

As hipóteses de incidência de imposto de renda sobre ganho de capital podem causar dúvidas entre os contribuintes. Por isso, consulte o seu contador e um advogado quando comprar ou vender bens e direitos.

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Previdência Privada é uma forma de transferência de patrimônio?

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre as formas de aposentadoria, graças à Reforma da Previdência, que alterou drasticamente o cenário previdenciário. Por isso, alguns grupos têm optado por investir em previdência privada como forma de garantir uma aposentadoria mais rentável. No entanto, este tipo de previdência também pode ser utilizado como seguro de vida e, melhor ainda, como forma simplificada de transmissão de renda.

Mas como isso funciona?

Pela lei, os seguros de vida e contra acidentes pessoais não são considerados herança, de modo a não incidir tributação sobre eles na partilha e também não comporem o rol de bens no processo de inventário. Isto significa que, após a morte do detentor do plano, o valor do seguro é transferido diretamente aos contemplados, sem que seja necessária a abertura de inventário para a divisão das cotas. Além disso, o detentor do plano poderá escolher a quem será pago o valor do seguro, não sendo necessário que os contemplados sejam somente os herdeiros necessários.

Quais fundos de previdência privada mais populares?

No Brasil, os fundos de previdência privada mais conhecidos são o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).

O PGBL corresponde a uma espécie de plano de previdência complementar privada no qual o titular investe valores e poderá se aposentar a partir dela. Em caso de sua morte, a sua aposentadoria é transmitida aos seus herdeiros ou àqueles que ele indicar no plano.

Já o VGBL é um seguro pessoal, no qual após a morte do titular, o valor investido será repassado diretamente aos beneficiários indicados.

Ambos possuem planos atrativos de tributação, de modo que se tornam vantajosos para a transmissão, em comparação a outros fundos de investimentos.

Há algum risco?

O risco de transmissão de patrimônio por meio dos modelos de previdência privada é quanto à indicação dos beneficiários. Isto porque, em muitos casos, o agente acaba por investir grande parte do seu patrimônio nestes modelos de previdência e elenca como titulares pessoas diferentes do rol dos seus herdeiros necessários, tornando suscetível a configuração de fraude à legítima. E o que é isso? A fraude à legítima ocorre quando o agente doa mais da metade dos seus bens a pessoas que não são herdeiras necessárias, acabando por prejudicar aqueles que, por lei, tem direito à metade dos bens.

A jurisprudência tem reconhecido como fraude à legitima os casos em que o doador investe grande parte dos seus bens nestes tipos de plano, e os juízes têm determinado a inclusão destes valores no rol de bens do inventário (STJ AREsp 1651461, AREsp 921715). Assim, para que o plano de previdência possa ser utilizado com sucesso como transferência de patrimônio, é essencial que haja a destinação correta do montante aos herdeiros necessários e aos demais indicados pelo titular.

Procure um advogado quando planejar a sucessão dos seus bens. Ele pode ser um grande aliado neste processo!

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O que é fideicomisso? Como é usado o fideicomisso no testamento?

A transmissão de bens por inventário permite ao testador explorar diversas possibilidades, que vão desde a doação de bens aos herdeiros necessários e outros beneficiários, até mesmo a imposição de condições para o recebimento dos bens.

Uma destas possibilidades é o fideicomisso. Mas, você sabe o que é isso? Neste artigo iremos explorar os principais aspectos deste instituto. Acompanhe!

O que é fideicomisso?

O fideicomisso é uma disposição testamentária na qual o testador estabelece como regra a doação de um bem sob a condição de que, com a morte ou o decorrer do tempo, este beneficiário repasse o bem a um terceiro beneficiário.

O Código Civil traz o fideicomisso pela denominação substituição fideicomissária, assim definida: “Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”.

Assim, o que se vê são três figuras: o testador, o fiduciário e o herdeiro fideicomissário.

O fiduciário é o indivíduo que receberá os bens, que serão de sua propriedade de forma temporária, ou seja, enquanto não ocorrer a condição estabelecida pelo testador. O herdeiro fideicomissário, por sua vez, é aquele que substituirá o fiduciário após ocorrida a condição especificada no testamento.

Deste modo, o que se verifica é que o testador escolhe quem receberá o bem, determina a condição de transmissão e estipula o segundo beneficiário.

Como ele pode ser utilizado na transmissão dos bens?

Primeiro, o fideicomisso só poderá ser instituído através de testamento. Aqui no blog já falamos das formas de testamento.

Sendo válido o testamento, a vontade disposta no documento deverá ser acatada pelos herdeiros, que deverão tomar todas as providências devidas para que seja cumprida a determinação do testador.

Nota-se que o fideicomisso poderá ser uma proteção aos concepturos, ou seja, aqueles que ainda estão por nascer. A partir daí, o testador estabelece que parte dos bens deverão ser transferidos à criança com o seu nascimento.

Qual a relevância do fideicomisso?

Pense na seguinte situação: João possui uma sobrinha, Ana, pela qual tem grande estima. No entanto, João tem idade avançada, enquanto Ana está no início da infância.

João pretende garantir os estudos de Ana e, para isso, estabelecerá em seu testamento o seguinte: parte dos seus imóveis e das suas cotas em uma empresa serão doados à sua irmã, Marcia, mãe de Ana. Quando Ana completar 18 anos, será obrigação de Marcia repassar estes bens à filha, como cumprimento da vontade do irmão.

Caso Marcia não realize o disposto no testamento, é possível que Ana ingresse com uma ação judicial, no intuito de que sejam cumpridas as vontades de seu tio. Além disso, enquanto os bens estiverem em posse de Marcia, ela não poderá vender ou dispor do patrimônio.

O que diz a jurisprudência?

Uma das dúvidas que comumente surgem entre testador, fiduciário e fideicomissário é a possibilidade de ser transmitido o bem recebido pelo fiduciário a terceiros, de modo a extinguir a doação ao fideicomissário.

No entanto, a jurisprudência tem seguido o entendimento de que tal transação não é possível. Um recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra a compreensão do Judiciário sobre este tema. Vejamos.

FIDEICOMISSO. Autores fiduciários que pretendem a extinção do fideicomisso e transferência antecipada dos bens aos fideicomissários mediante doação. Inadmissibilidade. Fiduciários que detém a propriedade restrita e resolúvel, não podendo dispor sobre os bens. Extinção que somente se dá por renúncia ou superveniência da condição resolutiva. Ação improcedente. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 10554406720148260100 SP 1055440-67.2014.8.26.0100, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 17/07/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/07/2016)

Conclusão

O que se verifica é que a figura do fideicomisso traz a possibilidade de o testador escolher o que fazer com os seus bens, de modo que as suas vontades deverão ser cumpridas mesmo após a sua morte.

Deste modo, poderá ser uma boa alternativa de garantir a manutenção de terceiros que sejam importantes para o testador.

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Terreno pode ser considerado bem de família?

Ter um imóvel considerado bem de família é uma proteção que garante que o núcleo familiar não terá a sua moradia penhorada em eventual execução judicial. A súmula nº 486 do STJ determina que o único imóvel da família que seja utilizado para fins econômicos é considerado bem de família, tendo em vista que o proveito financeiro obtido se reverterá à moradia. Mas, será que isso se aplica aos terrenos não edificados, isto é, aqueles em que não há qualquer edificação e, portanto, não são habitáveis? Para responder a esta questão, é preciso analisar o entendimento do STJ.

O conceito de bem de família na Lei nº 8.009/1990

Nos termos do art. 1º da lei que regula a impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8.009/1990), por bem de família se entende o imóvel de uso residencial, compreendendo a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa. Assim, já de início é possível entender que é necessária uma construção habitável para a caracterização do bem de família, o que excluiria os terrenos. Porém, existem julgados do Superior Tribunal Federal que levantam outros aspectos do bem de família e que caracterizam a impenhorabilidade deste tipo de bem.

O que entende o STJ sobre o tema

Como a súmula 486 do STJ estabelece que o único imóvel residencial da família que esteja locado para terceiros é considerado bem de família, indivíduos passaram a alegar judicialmente que o terreno não edificado também pode receber esta classificação. Neste sentido, o STJ decidiu em um processo que versava sobre a penhora de um terreno familiar utilizado como estacionamento, que o terreno não edificado que seja utilizado para fins econômicos pode ser considerado bem de família. Assim, este se tornou um requisito importante para que o lote da família, desde que seja o único imóvel do núcleo familiar, seja considerado bem de família.

Outra decisão importante proferida pelo STJ é que o imóvel em construção também é considerado bem de família e, portanto, é impenhorável.

Em um processo julgado em outubro de 2022, o STJ decidiu que, ainda que o imóvel não seja habitável, a sua caracterização como bem de família é antecipada, tendo em vista a construção da morada futura da família.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que o terreno também seja considerado bem de família, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu que, caso o terreno comporte a casa do devedor e um segundo imóvel, é possível desmembrar estes imóveis e realizar a penhora do bem que não é utilizado para a moradia.

CIVIL. PENHORA DE ACESSÃO CONSTRUÍDA EM TERRENO DA EXECUTADA. EXISTÊNCIA DE OUTRA CASA NO MESMO TERRENO. BEM DE FAMÍLIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. Ao definir o bem de família, o legislador pretendeu garantir o mínimo necessário para habitação familiar. No caso em tela, consta dos autos que no terreno da agravada existem duas casas, sendo uma utilizada para sua habitação e a outra alugada para terceiros. Assim, a penhora da acessão objeto da lide não prejudicará o direito de habitação da recorrente, já que poderá utilizar o outro imóvel para sua habitação. Por outro lado, a demanda versa sobre dívida decorrente do bem indicado a penhora, o que afasta a sua impenhorabilidade, nos termos do § 1º do art. 833 do CPC. Provimento do recurso para deferir a penhora da acessão. (TJRJ – 0016402-93.2019.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). LINDOLPHO MORAIS MARINHO – Julgamento: 22/10/2019 – DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A partir das decisões recentes do STJ, se você possui um terreno e vem sendo executado judicialmente, uma saída é que seja atestado ao juízo que a moradia da família está em construção, de modo a ser aplicada a impenhorabilidade, de acordo com o que decidiu o STJ.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado!