Categorias
Direito de Família

Conheça a lei brasileira que proíbe a fixação de guarda compartilhada em caso de violência doméstica

A legislação brasileira está em constante evolução para refletir as demandas e desafios da sociedade.

Recentemente, uma importante mudança ocorreu com a promulgação de uma lei que proíbe a fixação de guarda compartilhada em casos de violência doméstica. Neste artigo, abordaremos os detalhes dessa legislação e entender como ela busca garantir a segurança das vítimas.

A Lei n. 14.713/2023 e as alterações no Código Civil e CPC

A Lei n. 14.713/2023, vigente desde 30 de outubro de 2023, surgiu para alterar dois artigos do Código Civil e Código Processo Civil.

A mudança no Código Civil ocorreu no parágrafo 2º do art. 1.584, artigo que prevê que, na hipótese de não haver acordo entre o pai e a mãe quanto à guarda do filho e estando ambos os pais aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada.

Assim, a este artigo foi acrescentado a seguinte disposição: “salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”.

Já o Código de Processo Civil ganhou um novo artigo, o art. 699-A, que tem o seguinte texto: “nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste Código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes”.

Assim, com estas novas alterações, o Código Civil passa a prever que, se existir elementos que evidenciam a probabilidade de risco de violência doméstica não será possível aplicar a guarda compartilhada. Isto significa que, com o mínimo de indícios de violência contra a mulher ou contra a família, a guarda compartilhada não será deferida.

Já a mudança do CPC vem complementar a alteração do Código Civil: sendo a audiência de conciliação a etapa inicial do processo, é imprescindível que a comunicação acerca de eventual presença de violência doméstica será o primeiro ponto a ser levantado, a fim de que a tentativa de conciliação seja interrompida.

É necessário a denúncia da violência doméstica?

Analisando os novos artigos que foram incorporados à legislação cível e processual, o que se verifica é que não há a exigência de uma denúncia formal para que a guarda compartilhada seja indeferida.

Com isso, os mínimos indícios levantados são capazes de obstar a fixação da guarda nestes moldes, bastando que a vítima levante a questão em juízo e apresente as provas devidas.

O que diz a jurisprudência?

A questão dos conflitos entre os pais como obstáculo para a fixação da guarda compartilhada já foi assunto estabelecido pelo STJ.

Segundo o Superior Tribunal, a beligerância entre as partes impede a fixação da guarda compartilhada, tendo em vista os riscos que a animosidade dos pais pode proporcionar à criança:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. PRETENSÃO DE ESTABELECIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA. DESATENDIMENTO DO MELHOR INTERESSE DA INFANTE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. 1. Ação de guarda movida pelo recorrente contra a recorrida pretendendo permanecer com a guarda unilateral da filha do casal, nascida em 1 de dezembro de 2012, estando, à época, com aproximadamente dois anos de idade. 2. Guarda unilateral da criança mantida em favor da mãe pela sentença e pelo acórdão recorrido, em face dos fartos elementos de prova colhidos nos autos, concedendo-se ao pai o direito de visita. 3. Controvérsia devolvida ao conhecimento desta Corte em torno do estabelecimento de guarda compartilhada em relação à filha do casal litigante. 4. Esta Corte Superior tem por premissa que a guarda compartilhada é a regra e um ideal a ser buscado em prol do bem-estar dos filhos. 5. Prevalência do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF. 6. Situação excepcional que, no caso dos autos, não recomenda a guarda compartilhada, pois as animosidades e a beligerância entre os genitores evidenciam que o compartilhamento não viria para bem do desenvolvimento sadio da filha, mas como incentivo às desavenças, tornando ainda mais conturbado o ambiente em que inserida a menor. 7. Impossibilidade de revisão da situação fática considerada pelas instâncias de origem para o desabono do compartilhamento. 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp n. 1.838.271/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/4/2021, DJe de 25/6/2021.)

Conclusão

A relação entre violência doméstica e guarda compartilhada exige uma abordagem equilibrada, considerando tanto os direitos parentais quanto a segurança da criança.

O sistema jurídico está atento à complexidade dessas situações e busca conciliar a proteção da vítima com o respeito aos direitos parentais, sempre priorizando o bem-estar da criança.

Categorias
Direito Civil

Contrato de Ulisses e a proteção às pessoas

O Direito brasileiro prevê diversas formas de celebrar contratos em razão de o Direito Civil garantir grande autonomia entre as partes. Isto porque um dos principais fundamentos deste ramo do Direito é de que é possível aos particulares a realização de todo e qualquer ato que não seja contrário à lei. E uma destas possibilidades é a realização do Contrato de Ulisses. Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos deste instrumento. Acompanhe!

O que é o Contrato de Ulisses?

O Contrato de Ulisses é uma modalidade contratual em que as partes ajustam entre si uma penalidade, que pode ser de qualquer nível de gravidade, em caso de descumprimento contratual. Tal cláusula é um meio de os envolvidos regerem o próprio comportamento e evitar a frustação do objeto celebrado, ainda que sofram os ônus da sanção. Este nome tem origem na lenda de Ulisses, um herói da mitologia grega. O sujeito tinha grande apreço em ouvir o canto das sereias, mesmo sabendo dos riscos de encantamento e das possibilidades de naufrágio e afogamento daqueles que foram encantados. A partir daí, Ulisses ordenou que seus subordinados inserissem cera nos ouvidos, de modo que somente ele poderia ouvir o canto das sereias. Além disso, ordenou que os marinheiros amarrassem as mãos do herói no mastro no navio, no intuito de evitar que ele cedesse aos encantos daqueles seres. Com isso, após ouvir o canto das sereias, Ulisses se debateu incessantemente naquele mastro, desesperado por não conseguir reverter as suas ordens e padecendo em consequência dela.

Em analogia à lenda, o contrato de Ulisses consagra o cumprimento do acordo feito pelas partes, ainda que tenham que padecer pelas escolhas feitas.

Na prática, como ele pode ser utilizado?

Na prática, o Contrato de Ulisses pode ser uma alternativa à proteção das partes, principalmente nos casos em que envolver riscos aos contraentes. Um exemplo comum de cláusula desta natureza são os pactos antenupciais, que preveem sanções patrimoniais às partes em caso de traição de qualquer um dos cônjuges durante a constância do casamento. Outro exemplo são as cláusulas sancionatórias nos contratos de prestação de serviço, em que fica estabelecida a aplicação de multa ou outras penas em caso de descumprimento contratual ou atraso nas entregas.

Ainda que o referido possa trazer riscos patrimoniais às partes, ele possibilita maior segurança na execução do contrato. Além disso, na hipótese de não cumprimento da sanção, a parte lesada pode questionar a inadimplência em eventual processo judicial.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que este tipo de contrato não seja muito comum, um dos seus pressupostos geralmente é utilizado na celebração de contratos entre particulares, que é a aplicação de sanções às partes que descumprirem com o que foi acordado.

Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro demonstra a forma como os tribunais decidem quando uma das partes questiona a sanção prevista no documento em caso de descumprimento. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE EMPREITADA. ALEGAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DA RÉ QUANTO AO PAGAMENTO DE NOTA FISCAL REFERENTE A SERVIÇO PRESTADO. ATRASO DA OBRA POR PARTE DA EMPRESA AUTORA CONFIGURADO. APLICAÇÃO DE MULTA PELO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. CONTRATO QUE PREVIA CLÁUSULA EXPRESSA DE DEDUÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM. 1. Preliminar de cerceamento de defesa que deve ser afastada, uma vez que a própria autora confessa, em sua inicial, que a obra não foi totalmente concluída, restando a prova pericial requerida desinfluente para resolução da questão. 2. Juiz é o destinatário das provas, cabendo ao magistrado indeferir aquelas que se mostrarem desnecessárias ou inúteis ao julgamento do mérito. Art. 370, parágrafo único do CPC. 3. Descumprimento do contrato por parte da empresa autora, ora apelante, que restou demonstrado. 4. Como a autora inadimpliu com cláusula contratual que versa acerca do atraso no fornecimento dos serviços, a multa aplicada revela-se devida, eis que havia previsão contratual para sua incidência, não se acolhendo o argumento de que fora aplicada unilateralmente. 5. E, em assim sendo, ao contrário do alegado pela autora, não é necessária declaração judicial a fim de determinar a compensação ocorrida, porquanto esta também encontra-se prevista em contrato. 6. Dessa forma, como a autora não efetuou o pagamento da multa aplicada, a dedução do valor da nota fiscal ainda não quitada revelou-se legítima, sendo perfeitamente cabível a conduta adotada por Furnas. 7RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ – APL: 03863652020168190001, Relator: Des(a). WILSON DO NASCIMENTO REIS, Data de Julgamento: 19/02/2020, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A elaboração de contratos por advogados especialistas é condição fundamental para que você tenha segurança na execução do seu negócio. Por isso, busque um profissional ao celebrar um negócio de curta ou longa duração, onde seja necessário firmar um contrato.

Categorias
Direito Tributário

É possível amortizar ágio da base de cálculo do CSLL?

O ágio é caracterizado como o valor adicional pago na compra de uma empresa, em razão da expectativa de valorização do negócio. Nós aqui do blog já tratamos sobre este assunto e você pode conferir clicando aqui.

E uma das questões previstas em lei é a possibilidade de amortizar parte dos tributos pagos em razão da antecipação dos valores na aquisição da empresa.

Com isso, inúmeros são os questionamentos junto ao CARF a respeito dos tributos a serem descontados nesta operação. No entanto, recentemente, o STJ proferiu decisão que impede a amortização do CSLL sobre o ágio, o que pode significar uma solução para este imbróglio.

O cerne da questão do CSLL sobre o ágio

De acordo com as regras tributárias estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 1.598/1977, a amortização do ágio deveria ser neutra para fins tributários, ou seja, as contrapartidas contábeis da amortização não deveriam ser incluídas no cálculo do lucro real.

Isso mudou com a Lei nº 9.718/1998, que alterou a Lei nº 9.532/1997, permitindo a amortização fiscal do ágio em um quinhentos e seis avos mensais. É essencial observar que essa dedução fiscal só se aplica se houver a absorção do patrimônio da empresa investida.

Se não houver essa absorção, prevalece a regra do Decreto-Lei nº 1.598/1977, que estipula a neutralidade fiscal das possíveis despesas com ágio. É nesses casos que surge a controvérsia em discussão.

Porém, a partir da Lei n. 12.973/74, a exclusão do ágio para fins fiscais passou a ocorrer apenas no cálculo do IRPJ e da CSLL em seus próprios registros contábeis, não afetando mais o resultado contábil. Antes disso, ou seja, antes das novas regras contábeis, a contrapartida da amortização do ágio era considerada uma despesa contábil, e não havia determinação explícita de adição à base de cálculo da CSLL.

A decisão do STJ

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os contribuintes não podem deduzir as despesas com ágio da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O entendimento prevalecente foi de que não existe previsão legal explícita que permita a dedução das despesas com a amortização de ágio da base de cálculo dessa contribuição.

Os ministros observaram que a Lei nº 1.598/1977 antecede a criação da CSLL, estabelecida pela CF/1988. Um dos ministros ressaltou que a redação da norma poderia ter sido modificada para abranger a CSLL, mas o legislador optou pela abordagem de cálculo estabelecida no art. 57 da Lei 8981/1995. Além disso, foi decidido que, mesmo que não fosse o caso de seguir a abordagem de cálculo definida no artigo 57 da Lei 8981, seria indispensável a existência de previsão explícita em lei para permitir a amortização do ágio na base de cálculo da contribuição.

O que diz a jurisprudência?

A respeito da decisão do STJ, a questão das alterações legais e os entendimentos da lei foram pontuados no acórdão, conforme se verifica:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ANULAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE OFÍCIO. DISCUSSÃO NA SEARA ADMINISTRATIVA. CSLL. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. IMPOSSIBILIDADE. (…) III – Sob as perspectivas contábil e societária, o ágio é passível de amortização na apuração de resultado da empresa investidora, impedindo o reconhecimento de ganhos inexistentes. Ou seja, a rentabilidade da sociedade adquirida não constituirá lucro da sociedade investidora até o montante equivalente ao ágio pago. Uma vez que, sendo neutralizado o ágio, os resultados positivos da empresa investida refletem no aumento do patrimônio da investidora. IV – Entretanto, sob a perspectiva fiscal, o ágio é tratado de forma distinta, uma vez que a legislação tributária impõe que todo ágio ou deságio contabilmente amortizado deve ter seus efeitos fiscais anulados perante o IRPJ e a CSLL, enquanto não houver a alienação ou liquidação do investimento adquirido. Paralelamente a isso, o registro contábil é preservado para futuro aproveitamento quando da alienação, momento em que é autorizada a integração do ágio ao custo de aquisição para apuração do ganho de capital. Exceção à regra ocorre apenas na hipótese em que a empresa investida é incorporada pela investidora. V – À época da edição do Decreto-Lei n. 1.598/1977, não existia a figura tributária da CSLL, a qual passou a ser prevista com o advento da Constituição Federal de 1988, ao ser instituída por meio da Lei n. 1.689/1988. Por óbvio, a redação do art. 25 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 poderia ser alterada para que nele constasse o IRPJ, porém o legislador optou pela previsão contida no art. 57 da Lei n. 8.981/1995. (…) VIII – Outrossim, ainda que fosse o caso de não observar o art. 57 da Lei n. 8.981/1995 na apuração da CSLL, cabe esclarecer que é imprescindível a previsão legal autorizando expressamente a dedução da despesa com amortização de ágio da base de cálculo da referida contribuição. A necessidade de autorização legal decorre da premissa de que, em regra, a despesa não é dedutível. Portanto, a dedução não poderia ser autorizada diante do silêncio da lei, sob pena de afronta direta ao art. 111 do CTN. XI – Recurso especial improvido. (REsp n. 2.061.117/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 4/10/2023.)

Conclusão

A decisão do STJ acerca da amortização do ágio sobre o CSLL tem impacto direto nas empresas que adotam o regime de lucro presumido e é importante que, caso sua empresa tenha esse regime e tenha operações que envolvam ágio, seja realizada o devido recolhimento do tributo.

Categorias
Direito das Sucessões

Trust revogável e irrevogável, qual a diferença?

O planejamento sucessório envolve diversas formas de transmissão de bens. Aqui no blog já abordamos algumas formas de transferência de patrimônio em vida, com maior destaque para a holding familiar.

Uma forma efetiva de realizar a transferência de bens que estejam no exterior é o trust. E, entre as modalidades de trust, estão a revogável e a irrevogável.

Neste artigo abordaremos os principais aspectos deste instituto, trazendo as diferenças entre as formas revogável e irrevogável. Acompanhe!

O que é trust?

O trust é uma espécie de sociedade, podendo ser também um contrato privado, em que há a transferência da propriedade de um indivíduo a um terceiro. Este terceiro, por sua vez, tem por obrigação administrar estes bens. A administração poderá ser feita em benefício do instituidor da empresa/contrato ou em benefício das pessoas indicadas.

Assim, o que se verifica é que o trust poderá ser uma alternativa no planejamento sucessório, já que permite que o genitor crie o trust, transfira seus bens para ele, incumba um profissional de administrar esses bens e obriga que todos os ativos gerados na administração sejam entregues aos seus herdeiros.

Com a morte do instituidor, os beneficiários passam, assim, a ser donos destes ativos, configurando a transmissão dos bens aos herdeiros.

O trust revogável

Entendido o que é um trust, passa-se às modalidades existentes, quais sejam: o trust revogável e o irrevogável.

O trust revogável é aquele em que o instituidor entrega os bens à administração do profissional e determina que, em caso da morte do instituidor, os beneficiários terão direito a herdar os bens transferidos ao trust. Mas, enquanto estiver vivo, o instituidor continua sendo dono de todo o patrimônio transferido.

O que se verifica nesta modalidade é que o contrato firmado tem caráter revogável, já que a qualquer momento o instituidor pode reaver os bens entregues ao administrador.

O trust irrevogável

O trust irrevogável, por sua vez, se caracteriza pela entrega de bens à administração do profissional e à instituição de herança, na hipótese de morte do instituidor. Porém, o instituidor não é mais proprietário dos bens transferidos, sendo agora de propriedade firmada.

Qual melhor modalidade para sucessão patrimonial?

Dentro das duas modalidades apontadas, o trust irrevogável traz maior segurança ao patrimônio, já que a figura do instituidor não se confundirá com o trust, que possui personalidade jurídica própria.

Assim, caso o instituidor, enquanto pessoa física, seja executado, só serão atingidos os seus bens pessoais. Os bens transferidos ao trust de forma irrevogável estarão protegidos.

O que diz a jurisprudência?

A figura do trust ainda é pouco encontrada na jurisprudência, em razão deste instituto ser recente e com maior incidência nas empresas sediadas no exterior.

No entanto, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso envolvendo um fundo patrimonial do tipo trust. Tal fundo foi criado no Brasil, mas o instituidor e os bens depositados nesta empresa estavam localizados no exterior. Com a morte do instituidor, houve a transmissão automática aos herdeiros, que realizaram a declaração de imposto de renda no ano seguinte.

A partir daí, a Fazenda do Estado de São Paulo iniciou o procedimento de cobrança de ITCMD, sob a alegação de que houve a transmissão de bens com causa mortis. No entanto, mesmo com a transferência destes bens para o Brasil, o desembargador entendeu que seria indevido o recolhimento do tributo, já que inexiste norma estadual que permite a tributação de bens de doador residente no exterior. Vejamos.

NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. Alegação de cópia da contestação apresentada. Inocorrência. O recurso apresenta todos os requisitos formais indispensáveis. Preliminar afastada. AÇÃO DECLARATÓRIA. ITCMD. Recolhimento do ITCMD sobre os valores (bem incorpóreo) de doação feita por residente no exterior. Inadmissibilidade. Inexigibilidade sobre valores na hipótese de o doador residir no exterior – Inconstitucionalidade do art. 4º, II, ‘b’ da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo C. Órgão Especial – Inexistência de lei complementar federal. Sentença de procedência mantida. […].  Os autores são herdeiros e donatários de bens localizados em território estrangeiro, deixados pelo de cujus, que faleceu no Reino Unido em 25/01/09, em que parte dos bens eram geridos por um Fundo Patrimonial (“Trust”), do qual são beneficiários.  Pelas informações e documentos trazidos aos autos, o montante recebido a título de herança e doação refere-se a bens situados no exterior, de pessoa não residente no país e com transmissão da propriedade ocorrida fora do território nacional.  Note-se que os bens estavam localizados no exterior e foram posteriormente transferidos para o Brasil e declarados no imposto de renda dos autores. (TJ-SP – APL: 10371284820188260053 SP 1037128-48.2018.8.26.0053, Relator: Claudio Augusto Pedrassi, Data de Julgamento: 12/02/2019, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/02/2019)

Conclusão

O que se verifica é que o trust pode ser uma boa alternativa para as famílias que possuem bens localizados no exterior, já que permite, em alguns estados, o não recolhimento de impostos, além de ofertar maior proteção do patrimônio.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado.

Categorias
Direito de Família

Filhos podem ser ouvidos em um processo de divórcio?

O processo de divórcio é uma jornada emocionalmente desafiadora, principalmente quando há filhos envolvidos. Além das complexidades legais e financeiras, surgem questões relacionadas ao bem-estar das crianças e ao seu envolvimento no processo.

Uma pergunta comum que muitos pais têm é: os filhos podem ser ouvidos em um processo de divórcio?

Em regra, o Código de Processo Civil veda que menores e descendentes da parte sejam testemunhas em ações judiciais. No entanto, a partir de uma nova decisão do STJ, essa regra foi mitigada, o que pode causar insegurança em processos futuros.

A norma do CPC e a decisão do STJ

De acordo com o art. 447, §2º, I do CPC, estão impedidos de prestar depoimento em um processo os descendentes da pessoa envolvida no processo. Esta é uma regra se baseia no fato de que a pessoa que tem laços com o autor ou réu dificilmente falaria toda a verdade dos fatos, dado que o seu relacionamento e as questões emocionais impediriam de agir contra o seu pai ou mãe. No entanto, o STJ sustentou que essa proibição só se aplica quando o filho presta depoimento como testemunha em um processo em que um e/ou ambos os pais estejam litigando contra uma terceira pessoa.

Na visão do STJ, quando a pessoa que presta depoimento possui igual ligação com ambas as partes, não existe automaticamente a presunção de parcialidade. Portanto, a regra de impedimento não é justificável nessas situações.

O que muda com esta decisão?

Esta decisão do STJ tem sido objeto de crítica pelos juristas. O primeiro ponto vem da proteção que a lei deve conferir aos filhos cujos pais estão em processo de divórcio. Dado que o menor não possui desenvolvimento suficiente para entender as questões delicadas do litígio, permitir o seu testemunho nesse caso pode ser nocivo à criança.

O segundo ponto está relacionado à questão de que o filho não pode ser colocado em contraposição a um dos genitores. Ao testemunhar em um processo de divórcio, é possível que a criança/adolescente seja impelida a tomar partido, o que pode ser maléfico para a relação entre pais e filhos. Assim, a convocação do menor como testemunha nestes processos deve ser vista com muita cautela e determinada somente se for imprescindível ao caso.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do STJ sobre a possibilidade de filhos do casal testemunharem no processo de divórcio. Nota-se que, muito embora haja a permissão, o STJ reconhece que o peso da prova testemunhal não é infalível e que é passível de outras influências:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PROVA TESTEMUNHAL. FILHOS DO CASAL LITIGANTE. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz respeito a definir se os filhos comuns do casal são impedidos de atuar como testemunha no processo de divórcio dos pais. 2. A prova testemunhal possui destaque entre os meios de prova, pois a mais usual na prática forense, sendo as testemunhas verdadeiras auxiliares do Juízo. Contudo, não é um meio de prova infalível, porquanto as experiências efetivamente vivenciadas, direta ou indiretamente, pelas testemunhas, podem vir influenciadas por variados juízos de valor pessoal. 3. As hipóteses de impedimento e suspeição da testemunha partem do pressuposto de que a testemunha tenderia a dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico. Assim, não se verifica uma parcialidade presumida quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer um dos litigantes em detrimento do outro. 4. Ademais, o art. 447, §§ 4º e 5º, do CPC/2015 prevê que, sendo necessário, pode o Magistrado admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas, hipótese em que os depoimentos serão consentidos independentemente de compromisso e lhes serão atribuídos o valor que mereçam. 5. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 1.947.751/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 28/4/2023.)

Conclusão

As decisões do STJ têm um grande peso para os processos judiciais. Contudo, o juiz de 1º grau poderá entender de forma diversa, a depender das peculiaridades do caso em concreto.

Categorias
Direito Civil

Medicamentos off-label: O plano de saúde é obrigado a cobrir

Os medicamentos off-label são aqueles prescritos para tratamento de doença diversa da prevista na bula. Na prática, é como se um remédio para gripe fosse utilizado para tratar hipertensão arterial, por exemplo. Ainda que a questão seja burocrática, alguns planos de saúde têm negado tratamentos de saúde em que o remédio prescrito pelo médico tem atuação diversa da descrita na bula. Mas, será que a negativa é válida? Segundo o STJ e a ANVISA, não.

Quais são as regras sobre a prescrição de medicamentos off-label?

As operadoras de saúde têm por prática não autorizar o tratamento off-label, mas negar a cobertura com base nesse argumento é considerado abusivo, segundo a ANVISA e o STJ. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconhece a possibilidade de o médico prescrever um medicamento off-label, e apenas ressalta que o uso fora da indicação aprovada é de responsabilidade do médico que o prescreve.

Com o julgamento do STJ que restringiu o rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), a negativa do fornecimento de medicamentos off-label se tornou possível. Porém, com a edição da Lei nº 14.454/2022, a questão voltou ao que era antes: se o tratamento tiver evidências científicas, é devido ao plano cobrir o tratamento.

Já a jurisprudência tem decidido que a escolha do tratamento é de responsabilidade do médico, e não da operadora de saúde, e que esta última não pode interferir na conduta clínica. O STJ, inclusive, já decidiu através do Recurso Especial 1721705 que é abusiva a conduta dos planos que negam o tratamento médico com base no fato de que a doença do paciente não está listada nas indicações da bula.

O que fazer nestes casos?

Em tais situações, entrar com uma ação judicial com pedido de liminar é a única opção viável. Uma vez que a ação seja ajuizada, o juiz irá se pronunciar sobre o pedido de liminar em um prazo reduzido, e se a liminar for concedida, a operadora de saúde será intimada a cumprir imediatamente a ordem judicial e fornecer o tratamento. A ação judicial não se encerra com a concessão da liminar, mas com ela o paciente terá acesso imediato ao tratamento durante o andamento do processo pelo tempo necessário e de acordo com a prescrição médica.

O que diz a jurisprudência?

Os tribunais de Justiça continuamente decidem que os planos de saúde devem fornecer o tratamento médico que incluam medicamentos off-label. Em alguns casos, é determinado o pagamento de danos morais ao paciente, conforme se verifica:

APELAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – Ação ordinária com pedido de indenização por danos morais – Sentença de procedência – Insurgência da ré – Rejeição – Pleito de fornecimento dos medicamentos “Avastin” (bevacizumabe) e irinotecano – Diagnóstico de Glioblastoma Multiforme – Abusividade da negativa – Cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral que é exigência mínima obrigatória para os planos de saúde – Inteligência do artigo 12, I, “c”, da Lei nº 9.656/98 – Prescrição médica – Súmula nº 95 e 102 deste TJSP – Rol da ANS que traz apenas a previsão mínima de coberturas – Obrigação de custeio reconhecida – Precedentes desta Câmara – Condenação da ré a indenizar o autor pelos danos morais mantida – Risco de agravamento do quadro clínico do paciente – Quantum fixado (R$ 10.000,00) mantido – Valor, inclusive, inferior ao que se tem arbitrado em casos análogos por esta Corte – Precedentes – Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP; Apelação Cível 1028185-48.2021.8.26.0405; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/07/2022; Data de Registro: 19/07/2022)

Conclusão

O direito à saúde é resguardado pela Constituição Federal, e os tribunais de Justiça costumam se alinhar a esta garantia.

Se você vivencia problema semelhante, não hesite em procurar um advogado!

Categorias
Direito Tributário

A tributação dos lucros das filiais localizadas no exterior: um apanhado geral

Para as empresas brasileiras que possuem filiais no exterior, a tributação dos lucros que retornam ao Brasil deve ser analisada de forma minuciosa, tendo em vista a possibilidade de dupla tributação.

Em vista disso, no artigo de hoje trataremos sobre os principais pontos da tributação desta operação e as principais informações sobre o assunto.

Como funciona a tributação dos lucros da filial no exterior?

A subsidiária de uma empresa brasileira localizada no exterior está sujeita às normas tributárias do país onde está estabelecida para a apuração do imposto sobre a renda.

Entretanto, em conformidade com a prática brasileira de “tributação em bases universais”, os resultados obtidos no exterior devem ser registrados e, eventualmente, tributados no Brasil.

Nesse processo, é possível creditar o valor do imposto pago no exterior. A empresa brasileira que mantém uma filial no exterior é obrigada a calcular o imposto sobre a renda pelo método do lucro real.

E as declarações da sede no Brasil?

A presença da filial deve ser refletida nas demonstrações financeiras da matriz como um “investimento no exterior”, da mesma forma que seria se fosse um investimento em uma sociedade coligada ou controlada.

Esse investimento deve ser avaliado por meio do método da equivalência patrimonial, conforme estabelecido pela Lei 12.973/201.

Anualmente, a variação do valor do investimento, equivalente aos lucros ou prejuízos obtidos pela filial no exterior, deve ser incluída no cálculo do lucro real e na base de cálculo da contribuição social sobre o lucro (CSLL).

Em síntese, o governo tributa o lucro global, mas permite a compensação de prejuízos de forma específica, o que desafia o conceito de renda.

A matriz brasileira pode deduzir adições relacionadas às regras de preços de transferência em transações com a filial no exterior. Além disso, é possível deduzir o imposto pago pela filial no exterior, limitado ao montante do imposto sobre a renda e CSLL incidentes no Brasil.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos que a questão da tributação dos lucros da filial no exterior se baseia no entendimento jurisprudencial de que as filiais têm somente autonomia administrativa, e, portanto, é devido o recolhimento de tributos com base na sede:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO OU RESTITUIÇÃO. INDÉBITOS EM NOME DE FILIAIS. MATRIZ. LEGITIMIDADE. 1. A sucursal, a filial e a agência não têm um registro próprio, autônomo, pois a pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, sendo ela sujeito de direitos e obrigações, assumindo com todo o seu patrimônio a correspondente responsabilidade 2. As filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do CC) e inscrições distintas no CNPJ. 3. O fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz. 4. Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode pleitear restituição ou compensação tributária relativamente a indébitos de suas filiais. 5. Agravo interno parcialmente provido. Recurso especial parcialmente provido, a fim de reconhecer o direito da recorrente de pleitear compensação tributária em nome de suas filiais. (AgInt no AREsp n. 731.625/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 19/3/2021.)

Conclusão

A tributação dos lucros de filiais no exterior é um desafio multifacetado que exige conhecimento especializado e estratégias bem elaboradas.

Se sua empresa opera internacionalmente, a busca por assessoria jurídica especializada é um investimento que pode render frutos significativos.

Categorias
Direito de Família

É possível requerer a curatela de pessoa viciada em jogos?

O vício em jogos, sejam eles eletrônicos, de máquinas, de papel, etc., é um problema que atormenta diversas famílias. Muitas vezes, este vício vem acompanhando de uma dilapidação do patrimônio, isto é, o viciado passa a gastar valores absurdos para continuar jogando. Mas, será que é possível requerer a curatela desta pessoa? Qual é a previsão da lei para estes casos? A resposta é que sim, é possível requerer a curatela do viciado em jogo. Porém, existem alguns pontos que devem ser observados.

Mas, o que é a curatela?

Para que você, leitor, entenda sobre a possibilidade de curatela para a pessoa viciada em jogo, é preciso entender um pouco sobre este instituto. A curatela é a representação civil, exercida por uma pessoa nomeada pelo juiz. Significa que a relação de curador e curatelado é de representação, na qual o curador irá agir em nome do curatelado nos atos em que o juiz determinar. Logo, o curador não responderá por todos os atos daquele que representa. É possível, por exemplo, que o juiz determine que a curatela se restrinja aos atos bancários, por exemplo.

Quando ocorre a curatela?

A curatela ocorrerá quando a pessoa, maior de 18 anos, em razão das situações descritas no Código Civil, não pode exercer os atos da vida civil, seja pela falta de discernimento, seja pela impossibilidade de expressão de vontade.

Atualmente, o Código Civil limita a curatela para três sujeitos: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; e os pródigos. Dentro desta lista, os viciados em jogo se caracterizam como os pródigos.

E o que são pródigos?

Os pródigos são aqueles que dilapidam seus bens de forma compulsiva, ou seja, a pessoa que gasta todo o seu patrimônio de forma imoderada e descontrolada, com a mínima ou nenhuma preocupação sobre as suas possibilidades e necessidades. E, neste cenário, os viciados em jogo entram em cena. Muitas vezes, a pessoa viciada em jogo aposta imóveis, dinheiro em conta, carros e até bens de seus familiares, sem se preocupar com as consequências do ato. Quando o vício em jogo ultrapassa o aceitável e passa a prejudicar a sobrevivência do viciado e de sua família, é possível requerer a curatela deste indivíduo.

Aqui vale ressaltar que a simples aposta, envolvendo um alto valor, não dá direito à curatela desta pessoa. É preciso que o vício se caracterize como um grave risco ao patrimônio do sujeito.

Como requerer a curatela?

A curatela é solicitada em um processo judicial e envolverá a escuta do curatelado, além das provas de que os seus gastos com jogos são acima do aceitável. Vale ressaltar que, sem a determinação do juiz, não é possível estabelecer a curatela do viciado.

O que diz a jurisprudência?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela interdição de um jovem de 22 anos, que, além de ser viciado em jogos, era portador de patologias psiquiátricas. Vejamos.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 151344 – SP (2021/0245209-7) DECISÃO Trata-se de recurso ordinário, com pedido de liminar, interposto em face de acórdão que denegou o habeas corpus, mediante acórdão assim ementado: “HABEAS CORPUS – Interdição – Internação compulsória – Decisão nomeando os genitores como curadores provisórios do filho, autorizando, ademais, a sua internação compulsória. Ausência de ilegalidade ou abuso de poder – Paciente que, contando 22 anos de idade, é portador de transtorno afetivo bipolar e jogo patológico – Quadro psicótico remitido, porém descontrole com relação aos jogos de azar, apostando altas quantias, produzindo dívidas significativas, coagindo os genitores em busca de dinheiro, não aceitando o tratamento – Relatório do Psiquiatra que o acompanha desde 2017 indicando os motivos pelos quais reputa como necessária a internação compulsória”. (…) Ademais, a internação não foi determinada tão somente em razão do vício em jogos de azar, mas principalmente em virtude de o paciente possuir transtorno afetivo bipolar, com histórico de surtos e atual comportamento agressivo com baixa adesão ao tratamento medicamentoso, coagindo e ameaçando os pais, bem como de ameaças de suicídio. Dessa forma, considero ausentes os requisitos para a concessão da liminar, mormente ao se considerar que o ora recorrente não logrou êxito em comprovar, por intermédio de prova pré-constituída, que o ato judicial impugnado seja abusivo, ilegal ou teratológico, de forma a causar-lhe dano grave ou de difícil reparação, à luz do exigido no artigo 5°, LXVIII, da Constituição Federal. Em face do exposto, indefiro o pedido de liminar. (STJ – RHC: 151344 SP 2021/0245209-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 06/08/2021)

Conclusão

O requerimento de curatela e interdição são assuntos delicados e que exigem uma tomada de decisão consciente. Por isso, antes de optar pela curatela de uma pessoa próxima, converse com um advogado!

Categorias
Direito Imobiliário

Comprei um imóvel na planta, a obra não acabou, mas quero fazer o distrato. O que não pode falar no distrato? Tenho que pagar multa?

A desistência da compra de imóveis na planta é um assunto recorrente, razão pela qual o STJ editou súmula sobre o tema. Ainda que já exista uma lei que trate da desistência destes contratos, algumas incorporadoras ainda trazem impedimentos no momento da rescisão.

Pensando nisso, preparamos este artigo com as principais informações para o comprador do imóvel levar em consideração no momento do pedido de rescisão. Acompanhe!

A Lei do Distrato

A Lei nº 13.786/2018, conhecida como a Lei do Distrato, traz as regras sobre o distrato do contrato de compra de imóvel na planta. Antes desta lei, a Súmula 543 do STJ era o principal embasamento dos compradores, visto que ela estabelecia que, caso a rescisão do contrato ocorra por culpa do vendedor, a devolução dos valores deveria ser parcial. Ou, ainda, caso o comprador tivesse dado causa ao desfazimento, a devolução dos valores deveria ser parcial.  Com isso, antes da Lei do Distrato não havia pela lei um percentual claro de quanto os vendedores poderiam reter em eventual distrato. Porém, desde 2018 incorporadores e consumidores dispõem de uma norma explícita sobre os valores de multa e retenção.  

Como são as regras da rescisão pela Lei do Distrato?

Pela Lei do Distrato, a entrega do imóvel após 180 dias da data inicial de entrega gera ao comprador o direito de rescindir o contrato sem qualquer ônus, ou seja, ele tem o direito de receber integralmente todos os valores pagos. Porém, se a rescisão ocorrer em tempo anterior a este prazo ou após a entrega das chaves, o distrato é possível, porém, com alguns ônus ao comprador. Nestas hipóteses, a incorporadora poderá descontar a comissão de corretagem e uma multa de até 25% sobre a quantia paga, além dos impostos do imóvel e cotas de condomínio. Na hipótese de a obra já ter sido entregue, além dos valores acima será descontado o tempo que o comprador usufruiu do imóvel, correspondente 0,5% do valor global do contrato. Por fim, caso a obra esteja submetida ao patrimônio de afetação, a multa a ser retida pelo incorporador poderá ser de até 50% do valor já pago.

Como reincidir o contrato, afinal?

Tendo em vista as disposições da lei, a recomendação é de que a rescisão seja feita o quanto antes, já que a multa será calculada sobre o valor total já pago pelo comprador. Além disso, se existe previsão de atraso na entrega, é possível aguardar e verificar se o atraso será de 180 dias após a data prevista, pois, nesta hipótese, a rescisão ocorrerá sem a cobrança de multa. Por fim, se você já pegou as chaves e assinou o contrato de financiamento, o banco financiador também deverá ser consultado antes da rescisão.

O que diz a jurisprudência?

Após a Lei do Distrato, os juízes têm entendido que o atraso na entrega depois da tolerância de 180 dias não enseja na indenização por danos morais pela construtora. Inclusive, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido que a rescisão nesta hipótese importa na devolução de 80% dos valores pagos. Vejamos.

APELAÇÃO. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL NA PLANTA. DISTRATO. Ação indenizatória. Sentença de procedência parcial. Inconformismo do autor. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. Pretensão do autor de devolução integral dos valores pagos, recebimento de multa contratual, indenização por danos materiais e morais. Descabimento. Celebração de distrato entre as partes que ocorreu antes do término do prazo contratualmente estabelecido para entrega das chaves, considerada a tolerância de 180 dias. Ausência de dano em virtude do suposto atraso, uma vez que as obrigações contraídas pelas partes em relação ao contrato foram extintas em momento anterior. Devolução de 80% dos valores pagos que é suficiente para devolver as partes ao status quo anterior. Precedentes desta Câmara. Sentença confirmada. Sucumbência recíproca. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (v.29522). (TJ-SP – APL: 10310612920178260562 SP 1031061-29.2017.8.26.0562, Relator: Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 11/12/2018, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/12/2018)

Conclusão

A rescisão de uma compra de imóvel na planta, ainda que gere algum ônus ao comprador, não pode ser negada ou dificultada pelo vendedor.

Por isso, se você está enfrentando problemas no distrato, consulte um advogado!

Categorias
Direito de Família

Avós podem ser condenados a pagar alimentos se o valor pago pelo genitor for insuficiente?

Os alimentos avoengos são pagos pelos avós quando os genitores do alimentado não possuem condições de realizar o pagamento ou, ainda, quando o valor pago pelos pais é insuficiente para manter os seus gastos. Com isso, esta modalidade de alimentos tem caráter subsidiário, isto é, só será aplicada em segundo plano. Porém, tem se tornado comum o pedido de alimentos aos avós quando estes possuem um padrão de vida superior ao dos genitores do alimentado. Seria isso possível? Para responder à questão será preciso analisar os julgados dos Tribunais de Justiça.

A natureza dos alimentos avoengos

A obrigação do pagamento dos alimentos avoengos decorre do princípio da solidariedade familiar e da importância de garantir o bem-estar dos filhos, mesmo quando há uma impossibilidade ou insuficiência dos pais em fornecer os recursos necessários.

Para que os netos possam pleitear alimentos avoengos, é necessário atender certos requisitos legais. Em primeiro lugar, é preciso comprovar a insuficiência financeira dos pais para arcar com as despesas básicas do menor. Além disso, é necessário demonstrar que os avós possuem capacidade econômica suficiente para suprir essa necessidade.

Os recentes entendimentos dos Tribunais

Em análise aos julgados dos Tribunais de Justiça, o que se verifica é que é comum que os netos requeiram na Justiça que os avós paguem os alimentos quando estes possuem um padrão de vida elevado. Em grande parte dos casos, os juízes decidem que os filhos devem viver sob o padrão de vida dos pais, e não dos avós, de modo que o pagamento dos alimentos avoengos só deve ser feito se houver nítida necessidade comprovada.

Um dos casos comuns é o pedido feito por netos que cursam faculdade de alto valor, como medicina, por exemplo, e ingressam com pedido judicial para que os avós paguem a mensalidade. No entanto, são frequentes as decisões que negam o pedido. Vale ressaltar que o tema dos alimentos avoengos foi objeto de súmula pelo STJ, a partir da Súmula 596, que determina que “a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais“.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos um caso decidido pelo TJSP que ilustra como os tribunais vêm decidindo acerca dos pedidos de alimentos avoengos para o pagamento de mensalidade de ensino superior:

ALIMENTOS AVOENGOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. Alimentos avoengos. Insurgência contra sentença de parcial procedência, que arbitrou alimentos em favor da autora no patamar de 6,6 salários-mínimos. Art. 1.698 do CC. Alimentos avoengos que constituem obrigação subsidiária e complementar, nascida quando provada impossibilidade de os pais proverem o sustento dos filhos. Súmula 596 do STJ. A autora não logrou comprovar a incapacidade do genitor em arcar com os alimentos, e tampouco que este é sustentado pelos progenitores, ora apelantes. A condição privilegiada dos avós paternos não os obriga a custear o curso de Medicina escolhido pela apelada. O filho deve viver segundo o padrão de vida dos seus pais, não de seus avós, limitando-se os alimentos avoengos ao mínimo indispensável para a sobrevivência do neto. Sentença reformada, para o fim de julgar improcedente o pedido inicial. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1007332-14.2018.8.26.0602; Relator(a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 15/09/2020; Data de Registro: 16/09/2020)

Conclusão

Os alimentos avoengos são uma importante ferramenta jurídica para garantir o bem-estar dos netos em situações específicas em que os pais não possam fornecer os recursos necessários. No entanto, o pedido judicial deve apresentar um forte embasamento, sob pena de negativa do pedido e consequente condenação do neto ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais.