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Direito Imobiliário

Locação por Airbnb pode ser vedada por condomínio?

Na última década surgiram diversas novas formas de prestações de serviços a partir da utilização de plataformas digitais. E isto não foi diferente com o ramo de hospedagem. Atualmente, uma das plataformas mais conhecidas e utilizadas no mundo todo é o Airbnb, que permite a locação de um espaço por tempo determinado, espaço este que muitas vezes está localizado em prédios residenciais. A partir daí, inúmeros condomínios passaram a questionar judicialmente sobre a possibilidade ou não dos condôminos utilizarem os seus imóveis como locação temporária através das plataformas digitais como o Airbnb. Em abril deste ano, o STJ deu a resposta para este caso. Segundo a decisão do tribunal, o condomínio poderá impedir o uso de imóveis para locação pelo Airbnb.

E como a decisão repercutirá na prática

Nos termos da decisão do STJ, o condomínio que tiver estabelecido em sua convenção que os imóveis do local são restritos ao uso residencial veda os condôminos de dispor os imóveis para fins de locação temporária, como é o caso do Airbnb. Segundo o STJ, a utilização do imóvel para hospedagem de terceiros traz com ela a alta rotatividade no local, ofertando insegurança e perturbação aos demais moradores. Com isso, há um desvio da finalidade do condomínio, gerando prejuízos aos outros condôminos. Na prática, se a convenção do condomínio não dispuser que o edifício ou o conjunto de casas tenha como finalidade o serviço de hospedagem ou, ainda, restringir o uso para fins residenciais, o síndico ou outro responsável poderá barrar os usuários do Airbnb de utilizar o imóvel como hospedagem.

Toda esta questão esteve controvertida por tanto tempo, em razão de a lei do inquilinato não regulamentar as locações que tenham prazo inferior a 90 dias, tampouco a situação de locação de imóveis em Airbnb poderem ser enquadradas na Política Nacional do Turismo. Porém, agora, com a decisão do STJ, os condomínios possuem respaldo jurisprudencial para barrar os condôminos de utilizar seus imóveis com esta finalidade. Todavia, ainda é possível que os condomínios que tenham por finalidade o uso residencial permitam a utilização dos imóveis como Airbnb, não estando eles vinculados à decisão do STJ.

O que diz a jurisprudência?

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça elenca os fundamentos pelos quais os condomínios poderão negar que os condôminos utilizem os imóveis para locação em Airbnb. Vejamos.

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. 2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo. 7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício. 8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV). (STJ – REsp: 1819075 RS 2019/0060633-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 20/04/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2021)

Conclusão

Com a recente decisão do STJ, caso você esteja pensando em investir em um imóvel para utilizá-lo como Airbnb, verifique antes a convenção do condomínio.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado.

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Direito das Sucessões

Incide o imposto de ganho de capital no valor recebido por ex-cônjuge referente a reembolso de diferença no montante de bens e direitos que lhe cabiam em decorrência da meação?

Os acordos realizados entre as partes em um divórcio, a respeito da divisão dos bens, nem sempre são baseados na divisão igualitária. Muitas vezes, as partes decidem que um dos cônjuges permanecerá integralmente com um bem mediante a compra da cota do ex-esposo/a.

Assim, ao final da partilha, o que se verificará é que um dos cônjuges ficará com mais bens do que inicialmente teria direito. No entanto, a partilha só será desigual graças à compra da cota da outra parte. A partir daí, a dúvida que surge é: mesmo com a aquisição da cota mediante o reembolso, seria devido o recolhimento do imposto de renda pelo ganho de capital?

Segundo as regras da Receita Federal, sim, é devido o imposto de renda pelo cônjuge que recebeu o reembolso dos bens e direitos que lhe cabiam em razão do divórcio.

Para melhor entender o assunto, pensemos no seguinte exemplo: Ana e José se divorciaram e o único bem adquirido pelas partes na constância do casamento foi um imóvel, que no momento do divórcio estava avaliado em R$ 500 mil. As partes compraram o bem por R$ 400 mil.

Em razão do regime adotado pelas partes, que determina a divisão dos bens adquiridos na união, a partilha ideal seria a distribuição de R$ 250 mil para cada um dos cônjuges. No entanto, as partes decidem que o imóvel ficará com Ana mediante a compra da cota de José. Assim, Ana transfere R$ 250 mil a José e se torna a única proprietária deste imóvel. O que se verifica é que houve um ganho de capital de R$ 100 mil, já que as partes compraram o bem por R$ 400 mil e, na partilha, ele estava avaliado em R$ 500 mil. Logo, com a venda da sua cota, José teve um ganho de R$ 50 mil, montante sobre o qual deve incidir o imposto de renda sobre ganho de capital. Ao final, sobre o recebimento de R$ 250 mil, José deverá recolher R$ 7.500 de imposto de renda.

O que diz a jurisprudência?

A declaração de imposto de renda após o divórcio é essencial para o cálculo do imposto de renda sobre o ganho de capital, mas não é só isso: é a partir dele que pode ser corrigido o recolhimento de outros impostos.

Em um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, após o divórcio de um casal, no qual houve a divisão desigual dos bens, o Fisco realizou a cobrança da ex-cônjuge a respeito do ITCMD, sob alegação de que o imposto não havia sido recolhido. No entanto, a partir da sua declaração de imposto de renda, ficou comprovado o percentual da doação, de modo que o juiz sentenciou pela cobrança do ITCMD proporcional à divisão de bens realizada. Vejamos.

APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. ITCMD. PARTILHA DE BENS EM DIVÓRCIO. EXCESSO DE MEAÇÃO. Pretensão de reconhecimento de nulidade de débito de ITCMD constante do parcelamento a que a autora aderiu no curso da ação. Decisão de primeiro grau que afastou a pretensão por considerar ser inviável a apreciação de aspectos fáticos da relação tributária. Possibilidade de discussão da legitimidade do débito fiscal ora reconhecida. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorrer defeito causador de nulidade do ato jurídico, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. Causa madura para julgamento. Rejeição do argumento de que teria havido nulidade no procedimento administrativo de lançamento do imposto. Contribuinte que deixou de atender às reiteradas notificações da autoridade tributária para se defender no processo. Imposto que, no entanto, comporta redução. Elementos dos autos que comprovam ter a autora recebido os bens declarados na sua DIRPF em razão de partilha de bens em divórcio. Excesso de meação configurado apenas em relação a metade do valor do imóvel partilhado, adquirido na constância do casamento. Encargos de sucumbência que devem, todavia, ser pagos pela autora, visto que foi ela quem deu causa ao ajuizamento da ação ao, reiteradamente, deixar de responder às intimações efetivadas pela Fazenda com a finalidade de esclarecer a ocorrência ou não do fato gerador do imposto. Honorários fixados em 11% do valor atualizado da causa, observada a gratuidade processual deferida à autora. Recurso provido em parte, apenas para reduzir a base de cálculo do imposto a metade do valor do imóvel partilhado. (TJ-SP – AC: 10085208620198260576 SP 1008520-86.2019.8.26.0576, Relator: Bandeira Lins, Data de Julgamento: 16/02/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 16/02/2021)

Conclusão

As hipóteses de incidência de imposto de renda sobre ganho de capital podem causar dúvidas entre os contribuintes. Por isso, consulte o seu contador e um advogado quando comprar ou vender bens e direitos.

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Direito das Sucessões

Previdência Privada é uma forma de transferência de patrimônio?

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre as formas de aposentadoria, graças à Reforma da Previdência, que alterou drasticamente o cenário previdenciário. Por isso, alguns grupos têm optado por investir em previdência privada como forma de garantir uma aposentadoria mais rentável. No entanto, este tipo de previdência também pode ser utilizado como seguro de vida e, melhor ainda, como forma simplificada de transmissão de renda.

Mas como isso funciona?

Pela lei, os seguros de vida e contra acidentes pessoais não são considerados herança, de modo a não incidir tributação sobre eles na partilha e também não comporem o rol de bens no processo de inventário. Isto significa que, após a morte do detentor do plano, o valor do seguro é transferido diretamente aos contemplados, sem que seja necessária a abertura de inventário para a divisão das cotas. Além disso, o detentor do plano poderá escolher a quem será pago o valor do seguro, não sendo necessário que os contemplados sejam somente os herdeiros necessários.

Quais fundos de previdência privada mais populares?

No Brasil, os fundos de previdência privada mais conhecidos são o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).

O PGBL corresponde a uma espécie de plano de previdência complementar privada no qual o titular investe valores e poderá se aposentar a partir dela. Em caso de sua morte, a sua aposentadoria é transmitida aos seus herdeiros ou àqueles que ele indicar no plano.

Já o VGBL é um seguro pessoal, no qual após a morte do titular, o valor investido será repassado diretamente aos beneficiários indicados.

Ambos possuem planos atrativos de tributação, de modo que se tornam vantajosos para a transmissão, em comparação a outros fundos de investimentos.

Há algum risco?

O risco de transmissão de patrimônio por meio dos modelos de previdência privada é quanto à indicação dos beneficiários. Isto porque, em muitos casos, o agente acaba por investir grande parte do seu patrimônio nestes modelos de previdência e elenca como titulares pessoas diferentes do rol dos seus herdeiros necessários, tornando suscetível a configuração de fraude à legítima. E o que é isso? A fraude à legítima ocorre quando o agente doa mais da metade dos seus bens a pessoas que não são herdeiras necessárias, acabando por prejudicar aqueles que, por lei, tem direito à metade dos bens.

A jurisprudência tem reconhecido como fraude à legitima os casos em que o doador investe grande parte dos seus bens nestes tipos de plano, e os juízes têm determinado a inclusão destes valores no rol de bens do inventário (STJ AREsp 1651461, AREsp 921715). Assim, para que o plano de previdência possa ser utilizado com sucesso como transferência de patrimônio, é essencial que haja a destinação correta do montante aos herdeiros necessários e aos demais indicados pelo titular.

Procure um advogado quando planejar a sucessão dos seus bens. Ele pode ser um grande aliado neste processo!

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Direito Imobiliário

Comprei um imóvel com contrato de gaveta e desejo regularizar. O vendedor comprou de um terceiro também sob contrato de gaveta. Deve ser registrada todas as vendas do bem até chegar a mim ou posso registrar o imóvel direto em meu nome?

Ainda que a venda de um imóvel a partir de um contrato de gaveta não seja recomendada, muita gente, além de comprar um imóvel desta forma, também realiza a venda do mesmo bem com um contrato particular. Será que nesta situação é possível que o último comprador requeira o registro diretamente em seu nome, sem que seja necessário o seu registro em nome do vendedor? A resposta é sim, é possível. Mas, para isso, é preciso a anuência do proprietário formal, isto é, daquele que consta como proprietário na escritura. Acompanhe o artigo e veja se o seu caso pode ser resolvido facilmente!

A transferência direta sem que seja registrada a venda para comprador informal

Para que o imóvel seja regularizado pelo último comprador, é necessário que o proprietário, segundo a escritura registrada, concorde em assinar a venda direta para o último comprador. Neste caso, é essencial que a venda entre o proprietário (segundo a escritura) e o primeiro comprador não tenha sido celebrada através de uma escritura de compra e venda. A transferência direta evita o pagamento duplo de ITBI e emolumentos do cartório para os dois registros.

Outro ponto importante é que o primeiro comprador não tenha utilizado o imóvel como garantia em situações como locação, por exemplo. Neste caso, a instituição que aceitou o bem como garantia deve ser informada sobre a venda.

E se a pessoa que consta na escritura não for localizada?

Se a pessoa que consta como proprietária do imóvel não for localizada, o segundo comprador poderá ingressar com uma ação de adjudicação. Esta é uma medida que visa transferir o bem ao real possuidor a partir da comprovação da compra. A questão mais delicada neste caso é comprovar a venda do imóvel entre o proprietário segundo o registro e o primeiro comprador. Por isso, antes de celebrar um contrato de compra e venda de gaveta, exija do vendedor a cópia deste contrato entre o proprietário e o primeiro comprador.

O que diz a jurisprudência?

Um dos problemas de não realizar a transferência imediata do imóvel no momento da compra é o risco de falecimento do vendedor antes da realização da transferência. Neste caso, o comprador dependerá de provas concretas de celebração da venda e, ainda, da boa-fé dos herdeiros do vendedor.

Em um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a herdeira de um comprador requereu na Justiça a transferência do imóvel comprado pelo seu pai falecido. A compra foi feita por contrato de gaveta e o vendedor também havia falecido.

Porém, em razão da falta de provas concretas, o Juízo entendeu pela improcedência do pedido, mantendo o bem com os herdeiros do vendedor. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ALEGAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM RAZÃO DA SUCESSÃO HEREDITÁRIA DO PROMITENTE COMPRADOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. 1. Insurge-se a autora contra sentença de improcedência do pedido. Aduz ter adquirido, no dia 28 de outubro de 2008, o referido imóvel, através de Escritura de Inventário e Partilha, lavrada no Cartório do 6º Ofício do Município de Niterói/RJ, devidamente registrada no cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de São Gonçalo/RJ. 2. Conforme consignado na sentença, o bem foi transacionado, originariamente, pelo genitor da autora, através de promessa de compra e venda firmada com os réus. Contudo, o documento colacionado aos autos, para demonstrar o recebimento do imóvel através de sucessão hereditária, não é capaz de corroborar o direito vindicado. Impropriedade da via eleita. Matérias que transbordam o objeto da ação de adjudicação. Precedentes desta Câmara. 3. Escritura de inventário e partilha, na qual, segundo a inicial, haveria consenso em entregar o “direito e ação do imóvel” unicamente para a demandante. Apelante que afirma o adimplemento do preço do bem. Documento carreado no qual não se identifica a forma de transferência do direito. Inexistência de informação acerca do alegado pagamento do preço. Quinhão atribuído à autora a ultrapassar o monte do espólio. 4. Desigualdade entre os quinhões a impor informação clara no instrumento quanto à origem da cessão de patrimônio, não sendo viável uma interpretação extensiva sobre tal direito, pois os negócios benéficos e a renúncia, interpretam-se restritivamente. Inteligência do contido no art. 114 do Código Civil. 5. Renúncia à herança que demanda a formalização expressa da vontade em instrumento público ou termo judicial, na dicção do art. 1.806 do Código Civil. 6. Partilha dos quinhões efetuada de forma irregular, em afronta aos artigos 648, I, do CPC e 2.019 do Código Civil. 7. Impossibilidade de validação de ato em desacordo com o ordenamento jurídico. Conforme orientação firmada pelo E. STJ, nem mesmo diante de cláusula geral permissiva de realização de negócio jurídico processual (art. 190 do CPC), não está o julgador vinculado à forma pactuada, haja vista a limitação da parte às formas legais, “pois não poderia dispor sobre ato regido por norma de ordem pública” (REsp 1810444). 8. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO. (0008609-96.2016.8.19.0004 – APELAÇÃO. Des(a). SÉRGIO SEABRA VARELLA – Julgamento: 18/03/2021 – VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel através de um contrato de gaveta nunca é uma medida recomendada, em razão dos riscos atinentes. Caso você esteja aceitando um imóvel com estas características em razão de uma dívida com o possuidor do bem, por exemplo, a saída recomendada é a cópia do contrato de gaveta celebrado entre o devedor e o real proprietário.

Em todos os casos, sempre exija a matrícula atualizada do imóvel!

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Direito de Família

Desejo retomar meu nome de solteira, mas sem realizar o divórcio. É possível?

A inclusão do sobrenome do marido é uma opção das mulheres que se casam no Brasil. Até 1970, as mulheres que se casavam tinham a obrigação de assumir o sobrenome do seu cônjuge. Desde 1977, o acréscimo do nome se tornou uma faculdade. No entanto, mesmo não existindo uma obrigatoriedade, muitas mulheres ainda optam por incluir o sobrenome do esposo, o que importa em uma série de implicações, como a retificação de todos os documentos pessoais. Pela lei, a retirada do sobrenome do marido poderá ocorrer com o divórcio. Porém, seria possível a alteração do nome da mulher durante a vigência do casamento?

Segundo o STJ, sim

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça permitiu que uma mulher retomasse o nome de solteira, ainda que se mantivesse casada com o homem que lhe passou o sobrenome. Segundo a justificativa da requerente, a supressão do seu sobrenome paterno causou extremo sofrimento, tendo em vista que ela era conhecida por ele. Além disso, a parte alegou que vinha padecendo com problemas sociais e psicológicos desde a alteração.

A ministra relatora do caso permitiu a retomada do nome sob a justificativa de que o direito ao nome é um elemento estrutural da personalidade da pessoa e que, por isso, não deve ela padecer pela impossibilidade de mudança do referido.

Como a decisão do STJ impacta a mudança de nome?

A lei brasileira tem por regra o princípio da imutabilidade do nome. Isso significa que não é possível a alteração do nome e sobrenome, exceto pelas hipóteses previstas em lei, quais sejam a inclusão do sobrenome no casamento, casos em que o nome cause constrangimento e, ainda, no caso de alteração de gênero. Sendo assim, o casamento é a causa mais recorrente da alteração do sobrenome, tendo em vista a frequência desta transação. A partir desta decisão do STJ, abriu-se brecha para que homens e mulheres que não se adaptaram à inclusão do sobrenome do cônjuge solicitem a retificação judicialmente. Isto porque, até o presente momento, não existe lei que permita que a alteração seja feita diretamente nos cartórios de registro civil, como é o caso da retificação de gênero e nome feita pelas pessoas transgêneras.

Vale ressaltar que não só a mulher pode adotar o sobrenome do marido, sendo possível que o marido adote o sobrenome da mulher ou, ainda, que ambos adotem o sobrenome dos seus respectivos cônjuges.

O que diz a jurisprudência?

Interessante conhecer a ementa da decisão do STJ que permitiu esta mudança e as razões utilizadas pela ministra relatora. Vejamos:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIREITO AO NOME. ELEMENTO ESTRUTURANTE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MODIFICAÇÃO DO NOME DELINEADA EM HIPÓTESES RESTRITIVAS E EM CARÁTER EXCEPCIONAL. PREVALÊNCIA DA AUTONOMIA PRIVADA SOPESADA COM A SEGURANÇA JURÍDICA E A SEGURANÇA A TERCEIROS. PARTE QUE SUBSTUTUIU PATRONÍMICO FAMILIAR PELO DO CÔNJUGE NO CASAMENTO E PRETENDE RETOMAR O NOME DE SOLTEIRO AINDA NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO. JUSTIFICATIVAS FAMILIARES, SOCIAIS, PSICOLÓGICAS E EMOCIONAIS PLAUSÍVEIS. PRESERVAÇÃO DA HERANÇA FAMILIAR E DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO EM VIRTUDE DA MODIFICAÇÃO DE SUA IDENTIDADE CIVIL. AUSÊNCIA DE FRIVOLIDADE OU MERA CONVENIÊNCIA. AUSÊNCIA DE RISCOS OU PREJUÍZOS À SEGURANÇA JURÍDICA E A TERCEIROS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 4- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade. 6- Na hipótese, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde. 7- Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar, especialmente na hipótese em que a sentença reconheceu a viabilidade, segurança e idoneidade da pretensão mediante exame de fatos e provas não infirmados pelo acórdão recorrido. (STJ – REsp: 1873918 SP 2019/0239728-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 02/03/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2021)

Conclusão

Se você deseja retomar o seu nome de solteira(o), vale a pena consultar um advogado e verificar a possibilidade no seu caso. Na hipótese de você ter se casado e ainda não ter retificado os documentos pessoais, é possível ingressar com a ação judicial para tentar reverter o que foi determinado no casamento.

 

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Direito Civil

Passagem forçada e servidão de passagem são a mesma coisa?

O direito brasileiro possui alguns institutos que auxiliam no exercício da vizinhança, afinal, é comum existir conflitos nestas relações. Dois destes institutos que são relevantes para o exercício da liberdade da propriedade costumam causar muitas dúvidas para aqueles que são externos ao universo jurídico. São eles: a passagem forçada e a servidão de passagem. Mas, os dois institutos são a mesma coisa? A resposta é não.

Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos destes direitos no intuito de esclarecer as suas dúvidas.

O que é passagem forçada?

A passagem forçada está prevista no art. 1.285 do Código Civil, que prevê o seguinte: “O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”. Assim, o que se verifica é que a passagem forçada é um direito de passar pela propriedade vizinha quando não houver outras vias que permitam este trânsito. Além disso, não basta somente requerer o acesso ao local, é preciso indenizar a outra parte pela perda da área, já que o proprietário da região ficará impedido de dar outros fins ao local.

Outro ponto importante é que a passagem forçada só será concedida se não houver outra forma lícita de acesso à via pública. Além disso, o vizinho a ser escolhido para liberar a passagem deve ser aquele cuja propriedade tenha o mais natural e fácil acesso para prestar a passagem.

O que é servidão de passagem?

Já a servidão de passagem está prevista no art. 1.378 do Código Civil: “A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Tal instituto tem grande proximidade com o acordo entre as partes. A servidão é comum quando as partes possuem imóveis vizinhos e utilizam uma área de passagem, ainda que existam outros meios para trânsito. A servidão ocorre dentro da propriedade do indivíduo que, por mera liberalidade, tolera que o vizinho passe no local.

A partir do acordo entre as partes é possível registrar a área em Cartório de Registro de Imóveis, de modo que, ainda que o dono da propriedade serviente (aquela que é utilizada para passagem) venda o seu bem, o comprador será obrigado a manter a área de servidão.

O que diz a jurisprudência?

Um dos aspectos necessários para o pedido de passagem forçada é a regularização do imóvel ao qual se solicita passagem. Em um recente julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um indivíduo pleiteou a passagem forçada, sob alegação de que uma obra estava maculando o seu direito de ir e vir na propriedade. No entanto, a desembargadora responsável verificou que o imóvel do requerente era irregular e sequer possuía condições de ser regularizado. Deste modo, foi negado o seu pedido de passagem forçada. Vejamos.

APELAÇÃO. PASSAGEM FORÇADA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR NÃO REGULARIZÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. A parte autora alega que o réu, ao adquirir a antiga passagem de pedestres da Prefeitura, único acesso do seu imóvel à via pública, vem obstaculizando seu uso, inclusive com cercamento. Nesse sentido, verifica-se que o pleito da parte autora é a manutenção de uma passagem forçada, e não servidão de passagem. Como cediço, a passagem forçada visa atender a função social da moradia, permitindo o adequado uso, gozo e fruição do bem ao liberar seu acesso à via pública. Todavia, na hipótese em tela, conforme conclusão do laudo pericial sobre a construção do autor no local, a construção do autor não é apenas irregular, mas sequer regularizável. Quer dizer, a construção da moradia no terreno não pode ser regularizada, o que macula o direito do autor de pleitear uma passagem forçada. Ora, se a moradia construída não pode ser legalizada, não se pode estender um direito acessório, de passagem forçada, ao bem. Não se está aqui a reduzir a proteção do direito possessório, mas de reconhecer os seus limites, como a existência de áreas não edificantes. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00228649420148190209, Relator: Des(a). RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 30/05/2019, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A partir da leitura dos artigos do Código Civil é possível verificar que a principal diferença entre a servidão de passagem e a passagem forçada é o acordo entre as partes. Enquanto na primeira existe tolerância do vizinho, na segunda o proprietário prejudicado pela falta de passagem precisa ingressar com ação judicial para obter o seu direito de saída do seu imóvel. Além disso, na servidão não há exigência de indenização por parte daquele que necessita transitar no local. Por isso, caso você esteja vivenciando conflitos desta natureza e não consiga entrar em acordo com o seu vizinho, procure um advogado!

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Direito Tributário

Quais impostos incidem na importação de serviços de software?

O uso de softwares por empresas se tornou uma necessidade latente. E, muitas vezes, é inevitável licenciar softwares de outros países, dado que as mais importantes desenvolvedoras estão localizadas no hemisfério norte. Assim, é essencial conhecer quais tributos incidem nesta operação, no intuito de averiguar se a importação de um software é a saída mais estratégica para o seu negócio.

Os impostos incidentes na importação do software

Em primeiro lugar, é fundamental fazer uma distinção entre a aquisição de uma licença de uso de software estrangeiro e a importação de serviços. Se você estiver importando serviços, a operação estará sujeita a diversos impostos, incluindo IOF, PIS/COFINS, CIDE, IR e ISSQN. No entanto, se estiver adquirindo uma licença de uso de software estrangeiro para uso próprio, não haverá incidência de tributos.

Por outro lado, quando se adquire uma licença de uso de software estrangeiro com a intenção de revendê-la no país, surgem obrigações fiscais. Nesse caso, o Imposto de Renda (IR) será aplicado a uma alíquota de 15%. Além disso, se o software a ser revendido for um Software as a Service (SaaS), haverá a incidência adicional da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) à alíquota de 10%.

Novo entendimento da Receita Federal

A partir da Consulta nº 107 da Receita Federal, foi estabelecido que as remessas feitas em contrapartida à importação de licenças de uso de software são consideradas royalties, sujeitas ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) a uma alíquota de 15%, conforme estabelecido nos artigos 767 e 44 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/98). Entretanto, houve uma mudança notável em relação ao PIS-Importação e à Cofins-Importação, pois agora a Receita Federal considera que a licença de uso de software é uma compensação por um serviço prestado, sujeita a uma alíquota de 9,25%, conforme o inciso II do artigo 3º e o inciso II do artigo 7º da Lei 10.865 de 2004.

A fundamentação da Receita Federal para essa posição se baseia na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADIn 5.659, que estabeleceu que os softwares, sejam eles “sob medida” ou “de prateleira”, são considerados serviços. No entanto, a redação da solução de consulta se tornou ambígua, uma vez que as discussões no STF sobre a tributação do ICMS ou do ISS aplicados à licença de software giraram em torno da distinção entre bens e serviços, um conceito que não está diretamente relacionado à legislação tributária federal. Dessa forma, a atribuição de diferentes definições para um único evento econômico, a licença de software, parece ser equivocada, uma vez que não é viável considerá-la simultaneamente como royalty para efeitos do IRRF e como serviço no âmbito das leis do PIS-Importação e da Cofins-Importação.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a decisão do STF acerca da distinção dos programas de computador e os impostos incidentes:

Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Lei nº 6.763/75-MG e Lei Complementar Federal nº 87/96. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). Distinção entre software sob encomenda ou padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer. Insuficiência. Modulação dos efeitos da decisão. 1. A tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades. Diversos precedentes da Corte têm superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar, notadamente nos contratos tidos por complexos (v.g. leasing financeiro, contratos de franquia). 2. A Corte tem tradicionalmente resolvido as indefinições entre ISS e do ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar. 5. Igualmente há prestação de serviço no modelo denominado Software-as-a-Service (SaaS), o qual se caracteriza pelo acesso do consumidor a aplicativos disponibilizados pelo fornecedor na rede mundial de computadores, ou seja, o aplicativo utilizado pelo consumidor não é armazenado no disco rígido do computador do usuário, permanecendo online em tempo integral, daí por que se diz que o aplicativo está localizado na nuvem, circunstância atrativa da incidência do ISS 7. Modulam-se os efeitos da decisão nos termos da ata do julgamento. (ADI 5659, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-096  DIVULG 19-05-2021  PUBLIC 20-05-2021)

Conclusão

Em resumo, a importação de serviços de software pode estar sujeita a diversos impostos, como o ISS, IRRF, PIS, COFINS, Imposto de Importação e IOF. É essencial que as empresas estejam cientes dessas obrigações fiscais e busquem orientação profissional para cumprir todas as exigências legais. A correta gestão tributária é crucial para evitar problemas com o fisco e garantir a saúde financeira do negócio.

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Direito das Sucessões

O que é fideicomisso? Como é usado o fideicomisso no testamento?

A transmissão de bens por inventário permite ao testador explorar diversas possibilidades, que vão desde a doação de bens aos herdeiros necessários e outros beneficiários, até mesmo a imposição de condições para o recebimento dos bens.

Uma destas possibilidades é o fideicomisso. Mas, você sabe o que é isso? Neste artigo iremos explorar os principais aspectos deste instituto. Acompanhe!

O que é fideicomisso?

O fideicomisso é uma disposição testamentária na qual o testador estabelece como regra a doação de um bem sob a condição de que, com a morte ou o decorrer do tempo, este beneficiário repasse o bem a um terceiro beneficiário.

O Código Civil traz o fideicomisso pela denominação substituição fideicomissária, assim definida: “Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”.

Assim, o que se vê são três figuras: o testador, o fiduciário e o herdeiro fideicomissário.

O fiduciário é o indivíduo que receberá os bens, que serão de sua propriedade de forma temporária, ou seja, enquanto não ocorrer a condição estabelecida pelo testador. O herdeiro fideicomissário, por sua vez, é aquele que substituirá o fiduciário após ocorrida a condição especificada no testamento.

Deste modo, o que se verifica é que o testador escolhe quem receberá o bem, determina a condição de transmissão e estipula o segundo beneficiário.

Como ele pode ser utilizado na transmissão dos bens?

Primeiro, o fideicomisso só poderá ser instituído através de testamento. Aqui no blog já falamos das formas de testamento.

Sendo válido o testamento, a vontade disposta no documento deverá ser acatada pelos herdeiros, que deverão tomar todas as providências devidas para que seja cumprida a determinação do testador.

Nota-se que o fideicomisso poderá ser uma proteção aos concepturos, ou seja, aqueles que ainda estão por nascer. A partir daí, o testador estabelece que parte dos bens deverão ser transferidos à criança com o seu nascimento.

Qual a relevância do fideicomisso?

Pense na seguinte situação: João possui uma sobrinha, Ana, pela qual tem grande estima. No entanto, João tem idade avançada, enquanto Ana está no início da infância.

João pretende garantir os estudos de Ana e, para isso, estabelecerá em seu testamento o seguinte: parte dos seus imóveis e das suas cotas em uma empresa serão doados à sua irmã, Marcia, mãe de Ana. Quando Ana completar 18 anos, será obrigação de Marcia repassar estes bens à filha, como cumprimento da vontade do irmão.

Caso Marcia não realize o disposto no testamento, é possível que Ana ingresse com uma ação judicial, no intuito de que sejam cumpridas as vontades de seu tio. Além disso, enquanto os bens estiverem em posse de Marcia, ela não poderá vender ou dispor do patrimônio.

O que diz a jurisprudência?

Uma das dúvidas que comumente surgem entre testador, fiduciário e fideicomissário é a possibilidade de ser transmitido o bem recebido pelo fiduciário a terceiros, de modo a extinguir a doação ao fideicomissário.

No entanto, a jurisprudência tem seguido o entendimento de que tal transação não é possível. Um recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra a compreensão do Judiciário sobre este tema. Vejamos.

FIDEICOMISSO. Autores fiduciários que pretendem a extinção do fideicomisso e transferência antecipada dos bens aos fideicomissários mediante doação. Inadmissibilidade. Fiduciários que detém a propriedade restrita e resolúvel, não podendo dispor sobre os bens. Extinção que somente se dá por renúncia ou superveniência da condição resolutiva. Ação improcedente. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 10554406720148260100 SP 1055440-67.2014.8.26.0100, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 17/07/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/07/2016)

Conclusão

O que se verifica é que a figura do fideicomisso traz a possibilidade de o testador escolher o que fazer com os seus bens, de modo que as suas vontades deverão ser cumpridas mesmo após a sua morte.

Deste modo, poderá ser uma boa alternativa de garantir a manutenção de terceiros que sejam importantes para o testador.

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Direito Imobiliário

Como regularizar o imóvel comprado na planta?

Como regularizar o imóvel comprado na planta?

A compra de um imóvel na planta pode significar a realização de um sonho, pois, em muitos casos, é quando a pessoa consegue adquirir seu primeiro imóvel. Porém, a regularização ainda deixa dúvidas por parte dos adquirentes, tendo em vista o longo prazo entre a assinatura do contrato e a quitação do bem.

Neste artigo, listaremos quais são os documentos necessários e como é o procedimento para regularização do imóvel na planta. Acompanhe!

O momento de regularização do imóvel

Primeiro, só é possível transferir o imóvel adquirido na planta após o término da construção e da quitação do bem. Com isso, enquanto o imóvel não tiver sido finalizado, ele ficará em nome da construtora ou, caso tenha sido entregue, mas não quitado, ficará em nome da instituição financeira. O que o adquirente pode fazer enquanto não for quitado o imóvel é registrar o contrato de compra e venda. Este registro dá maior segurança ao adquirente e serve como prova da compra do bem. Finalizado e quitado o imóvel, o adquirente deverá verificar dois pontos importantes antes de fazer o registro: a presença do habite-se e da declaração de quitação.

O habite-se e a declaração de quitação do imóvel

O habite-se é um documento emitido pelos municípios, que atesta que o empreendimento imobiliário está pronto para ser habitado. Após a expedição do habite-se, é importante que a construtora realize a averbação da construção na matrícula do imóvel. Sem a referida averbação, não é possível escriturar o bem adquirido. Finalizada a expedição do habite-se e feita a averbação da construção, o adquirente deverá solicitar a declaração de quitação pela construtora e apresentar ao cartório de notas os seguintes documentos:

  • RG e CPF
  • Certidão de nascimento ou de casamento
  • Contrato de compra e venda do imóvel
  • Declaração de quitação emitida pela construtora
  • Comprovante de quitação do ITBI

Após a expedição da escritura, o adquirente deverá registrar o documento em um cartório de registro de imóveis.

O que diz a jurisprudência?

O habite-se é um dos documentos necessários para a regularização do imóvel adquirido na planta.

Recentemente, alguns municípios passaram a cobrar ISS (Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza) para a expedição do documento. Porém, a questão foi parar nos tribunais e o TJSP e STJ decidiram que é indevida a cobrança do imposto. Vejamos.

Remessa necessária. Mandado de Segurança. ISS. Município que condicionou a expedição do “habite-se” ao pagamento do imposto devido. Sentença que concedeu a segurança para anular o lançamento complementar de ISS e determinar a emissão do “habite-se”, independentemente da quitação do ISS incidente sobre a obra. Autos remetidos a este Tribunal para o Reexame Necessário. Verificação de que a questão relativa à inexigibilidade do ISS complementar e à ilegalidade do arbitramento da sua base de cálculo não foram objeto do pedido inicial. Julgamento extra petita configurado. Violação ao princípio da adstrição e do artigo 492 do CPC. Anulação parcial da sentença que se impõe. Questão de fundo objeto do mandamus. “Habite-se”. Município que dispõe de meios próprios para satisfação do crédito tributário quando o valor é devido. Observância do fundamento de que é vedada a autotutela estatal para fins coercitivos em matéria tributária. Precedentes do STJ e deste TJSP, baseados nas Súmulas 70, 323 e 547 do STF, que impedem a denegação do “habite-se” como forma de forçar o cumprimento de obrigações tributárias, as quais possuem formas próprias de exação. Concessão da ordem que era de rigor. Sentença parcialmente anulada e, na parte subsistente, mantida. Reexame necessário provido em parte. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1017189-43.2022.8.26.0053; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/08/2022; Data de Registro: 31/08/2022)

Conclusão

A regularização de um imóvel, seja ele adquirido na planta ou já pronto, requer atenção aos documentos apresentados.

Se a construtora apresentar alguma resistência em entregar os documentos devidos, não hesite em contatar um advogado!

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Direito de Família

Qual é a idade mínima para ser configurada a união estável?

No Brasil, os menores de 16 anos não podem se casar, nem mesmo com autorização dos pais ou da Justiça. Este é uma norma que foi reforçada a partir da Lei nº 13.811/2019, que alterou o Código Civil e vedou o casamento nesta faixa etária, independentemente da circunstância. Mas, será que esta regra é aplicável à união estável? Isto é, a partir de quando é possível a configuração de união estável com pessoa menor de 18 anos? Este é um ponto ainda não definido em lei e que tem sido suprido pela doutrina e pela jurisprudência.

O entendimento doutrinário e dos Tribunais

Em razão da falta de norma que regulamente a idade mínima para a união estável, a doutrina e a jurisprudência têm entendimento majoritário de que são aplicáveis a este regime as normas sobre casamento. Com isso, a interpretação é de que o menor de 16 anos não pode contrair união estável, ainda que os pais ou a Justiça autorize. No caso dos jovens de 16 e 17 anos, é possível o reconhecimento da união estável caso haja autorização expressa ou a partir do reconhecimento judicial. Um ponto importante é que, por não existir uma regra concreta, é possível que os cartórios se neguem a celebrar escritura de união estável caso uma das partes tenha menos que 18 anos.

O projeto de Lei nº 728/2023

Tendo em vista a ausência de norma para a questão, corre na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que visa regular a idade mínima para a instituição da união estável. O objetivo do projeto é proibir a união estável de menores de 16 anos através de alterações no Código Civil. De acordo com o PL, os mesmos requisitos exigidos para casamento serão aplicados para estabelecer a união estável. A justificativa do projeto é de que a falta de uma norma que estabeleça uma idade mínima para a união estável agrava um conflito recorrente que causa constantes processos judiciais. Ainda, o projeto defende que, embora o Código Civil já estipule a idade mínima de 16 anos para a emancipação por meio do casamento, não existe uma norma que determine uma idade mínima para o reconhecimento da união estável, ainda que algumas pessoas utilizem a analogia para isso.

O que diz a jurisprudência

Os Tribunais de Justiça têm decidido que as regras para o casamento de pessoas menores de 16 anos são aplicáveis ao regime da união estável. Vejamos uma recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que indeferiu o reconhecimento de união estável no período em que a mulher ainda não tinha 16 anos:

UNIÃO ESTÁVEL – Reconhecimento – Documentação que se mostra suficiente ao deslinde do feito, observando-se o art. 370 do CPC – Documentos e narrativa fornecidos por ambas as partes que indicam a presença dos requisitos de existência de relacionamento público, contínuo e duradouro, com o objetivo de constituição de família – Nascimento da primeira filha antes da celebração de casamento – Inviabilidade, porém, de reconhecimento judicial antes de a demandada ter atingido a maioridade, ante a previsão legal que veda a realização de casamento sem autorização aos que atingirem 16 (dezesseis) anos e, em qualquer hipótese, aos que não tiverem atingido a idade núbil – Não configuração de analogia com retirada de direitos e sim observação da finalidade protetiva dos menores colocada no texto legal, aplicando-a ao instituto da união estável – Reconhecimento a partir da maioridade – Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1003593-55.2020.8.26.0281; Relator (a): Álvaro Passos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itatiba – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/07/2022; Data de Registro: 06/07/2022)

Conclusão

O reconhecimento da união estável com pessoa menor de idade pode ter impactos significativos entre casais que iniciaram a união ainda nesta idade e constituíram patrimônio. É certo que o Projeto de Lei irá regular esta questão para casos futuros, cabendo ao Judiciário regular os casos passados.