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Investigação de paternidade pode ser realizada post mortem? Qual o prazo para esse requerimento?

A constatação da paternidade é condição primordial para que o suposto filho receba a herança do pai. Em 2020, 5,9% das crianças nascidas no Brasil foram registradas somente com o nome da mãe. Além do não recebimento de alimentos, estas crianças crescem com abandono paterno, um problema crescente em nosso país. Porém, se a pessoa descobre o paradeiro do suposto pai após o referido ter falecido, seria possível o reconhecimento da paternidade? Segundo o Código Civil, sim.

Neste artigo abordaremos as principais questões sobre o assunto. Acompanhe!

Como realizar o reconhecido de paternidade post mortem?

O Código Civil Brasileiro prevê em seu art. 1.609, parágrafo único, que o reconhecimento dos filhos poderá ser feito mesmo após a morte do suposto pai. E isso ocorre graças às tecnologias existentes, que permitem que seja realizado o exame de DNA entre os filhos biológicos do falecido e o requerente, ou até mesmo entre os irmãos do falecido e o suposto filho.

Caso o suposto pai não tenha deixado nenhum destes parentes, é possível a realização da exumação do corpo, com a consequente retirada do material genético do falecido para a utilização no exame de DNA. Porém, em alguns casos, em razão do alto valor para a exumação e pelas questões emocionais envolvidas, os tribunais decidem a questão da paternidade a partir das provas trazidas pelo requerente, como testemunhas e provas documentais. Além disso, caso os parentes do falecido se recusem a realizar o exame, também é possível que seja declarada a paternidade presumida, prevista no art. 2º-A da Lei nº 8.560/1992.

Existe um prazo para que o reconhecimento seja feito?

Como o falecimento de uma pessoa gera aos seus herdeiros o direito de recebimento de herança, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em um Recurso Especial, que o filho poderá requerer o reconhecimento da paternidade em até 10 (dez) anos da data do falecimento do suposto pai. Este prazo visa dar garantia aos demais herdeiros na partilha da herança. Isso porque, no caso de os herdeiros realizarem a partilha da herança e, posteriormente, surgir um filho do falecido, eles deverão realizar a divisão do patrimônio com este novo herdeiro. Com isso, na hipótese de os beneficiários não disporem mais da cota recebida, será papel deles desembolsar o valor que seria devido ao novo herdeiro. É por isso que o STJ limitou o prazo para que o suposto filho realize o pedido de investigação de paternidade como forma de garantir segurança jurídica na partilha de bens do falecido.

O que diz a jurisprudência?

Um dos pontos relevantes da investigação de paternidade post mortem é que, no caso de recusa dos supostos irmãos para a realização do exame, é possível que seja comprovada a paternidade através de outras provas.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado sobre o assunto. Vejamos.

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. IRMÃOS PATERNOS. DNA. RECUSA. SÚMULA 301/STJ. PROVA INDICIÁRIA ROBUSTA E CONVINCENTE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Inexistindo a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da recusa dos irmãos paternos do investigado em submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum, nos termos da Súmula 301/STJ. Precedentes. 2. Concluindo o Tribunal de origem robustos, fortes e convincentes os indícios e presunções apresentados pelo autor, não é viável o reexame desse fundamento em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp: 499722 DF 2014/0083250-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 18/12/2016, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/02/2017)

Conclusão

A comprovação de paternidade através de exame de DNA com os supostos irmãos biológicos é uma das tecnologias do nosso tempo que vem auxiliando na comprovação destes vínculos.

Aqui, vale ressaltar que, em alguns casos, é possível que as partes sejam obrigadas a custear o exame. Por isso, é importante consultar um advogado para que ele analise o seu caso!

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É possível se negar a fazer o exame de DNA?

Um dos princípios no nosso ordenamento jurídico é a garantia de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Mas será que esta questão pode ser aplicada aos casos de exame de DNA em que o suposto pai biológico é intimado a realizar o exame? Esta é uma dúvida recorrente que atinge homens que recebem a citação e mulheres que desejam que o genitor dos seus filhos cumpra com suas obrigações enquanto pai. Segundo a Lei nº 8.560/1992, que regula a investigação de paternidade, é possível a negativa. Porém, a recusa do intimado gera a presunção da paternidade.

Neste artigo abordaremos os principais pontos deste assunto. Acompanhe!

A presunção da paternidade em caso de negativa do exame do DNA

Atualmente, o principal meio de constatar a paternidade biológica é através da realização de um exame de DNA. Em razão da tecnologia existente, este tipo de exame pode determinar com até 99% de precisão a relação de paternidade entre duas pessoas. Porém, a legislação brasileira prevê a utilização de diversos meios para provar o que foi levantado no processo. Isso significa que, em um processo judicial, desde que sejam lícitas, as partes podem utilizar quaisquer meios para provar o que estão alegando. Assim, ainda que o exame de DNA seja a principal forma de ser reconhecida a paternidade, caso o pai não queira fornecer o seu material genético, é possível que sejam utilizados outros meios de se provar que este indivíduo é pai da criança.

Um dos exemplos comuns de provas admitidas pela jurisprudência é a comprovação de que os pais da criança tiveram um relacionamento anterior ao início da gestação do menor. Além disso, caso as partes tenham sido casadas no período de nascimento ou gestação da criança, é presumível a paternidade.

Por fim, ainda que as provas sejam inconsistentes, é comum que os tribunais declarem a paternidade em razão da recusa injustificada do suposto pai biológico.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que a legislação preveja que a recusa de submissão no exame de DNA gera a presunção de paternidade, o Superior Tribunal de Justiça entende que não basta a simples alegação do requerente. É preciso que haja outras provas que façam presumir que o solicitante é filho do suposto pai biológico.

Uma decisão do referido Tribunal dispõe sobre a questão. Vejamos.

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. RECUSA DO INVESTIGADO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS. SÚMULA 7/STJ. PATERNIDADE DECLARADA POR PRESUNÇÃO. CABIMENTO. SÚMULA 301/STJ. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. 1. Controvérsia acerca da declaração de paternidade com base na presunção decorrente da recusa à realização de exame de DNA. 2. Nos termos da Súmula 301/STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção ‘juris tantum’ de paternidade”. 3. No mesmo sentido, o art. 2º-A da Lei 8.560/1992 dispõe que: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. 4. Inversão do ônus da prova em desfavor do investigado que se recusa ao exame de DNA. Julgados desta Corte Superior. 5. Necessidade, porém, de se apurar indícios mínimos de um relacionamento amoroso, para que se possa declarar a paternidade por presunção. Julgados desta Corte Superior. 6. Caso concreto em que o juízo, baseado no incontroverso relacionamento “social” entre o investigado e a genitora do investigante, na iniciativa da genitora de acionar a promotoria de justiça desde o longínquo ano de 1997, somado à recusa insistente do investigado em colaborar com a elucidação dos fatos, presumiu a paternidade com base na Súmula 301/STJ. 7. Ausência de produção de prova em sentido contrário pelo investigado, que se limitou a negar os fatos. 8. Inviabilidade de se contrastar o entendimento do juízo acerca dos elementos indiciários dos autos, em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 9. Manutenção da declaração de paternidade. 10. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ – AgInt no REsp: 1561249 MG 2015/0255644-2, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/05/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/05/2018)

Conclusão

Caso você seja intimado a realizar um exame de DNA, nossa recomendação é que haja a colaboração para o exame, de modo a evitar a presunção de paternidade.

Além disso, ao receber a citação pelo oficial de Justiça, busque um advogado!

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Contrato de namoro e união estável: Qual é a diferença?

Se antes o único documento que regulava a união de duas pessoas era a certidão de casamento, hoje em dia, graças ao avanço da doutrina e da jurisprudência, é possível que as partes celebrem contratos entre si, de modo a estabelecer regras para o relacionamento. E os dois contratos aceitos pelos tribunais são o contrato de união estável e o contrato de namoro.

Você sabe quais são as diferenças entre estes instrumentos? Neste artigo separamos as principais informações sobre o assunto. Acompanhe!

O que é o contrato de união estável?

Este contrato visa regular a união estável das partes. A partir dele é possível colocar no papel a data de início da relação, as condições da união, os bens adquiridos pelas partes e todos os outros pormenores necessários. Isso pode ser importante para que as partes resguardem seus patrimônios em eventual separação, já que em razão da validade jurídica conferida ao documento é possível utilizá-lo como prova em caso de processo judicial. Porém, a jurisprudência já entendeu que o contrato de união estável não poderá determinar regime de bens diferente do regime de comunhão parcial, já que a escolha do regime é devida exclusivamente ao casamento.

Como se caracteriza o contrato de namoro?

Como a união estável possui caráter patrimonial e visa regular a relação de um casal que tem por objetivo a constituição de família, o contrato de namoro vem legitimar uma relação que não tem esse viés. Assim, o casal que está em fase de namoro deseja se resguardar de eventual caracterização da relação como união estável, o que poderá atingir o patrimônio das partes, poderá pactuar entre si um contrato de namoro. Este instrumento irá estabelecer que a relação entre as partes, ainda que seja pública e duradoura, não passa de um namoro e que, portanto, não gera os direitos patrimoniais inerentes à união estável e ao casamento. As partes poderão celebrar o contrato em instrumento particular ou escritura pública, não existindo uma exigência quanto à forma.

Meu patrimônio estará resguardado com o contrato de namoro?

Ainda que as partes estejam cientes de que a relação é regulada pelo contrato de namoro, é possível que, caso o relacionamento tenha indícios de existência de família, poderá ser caracterizada a união estável. Assim, se o casal tiver celebrado o contrato, porém coabitam, dividem despesas básicas, incluem o outro no plano de saúde empresarial e até mesmo se apresentam como marido e mulher, por exemplo, é possível que a relação seja vista como união estável e, assim, seja alterada a questão patrimonial. Por isso, é preciso muito cuidado com a forma como a exposição da relação é feita e que as partes se atentem quanto aos atos praticados.

O que diz a jurisprudência?

Um dos cuidados que as partes devem ter ao pactuar um contrato de namoro é quanto à aquisição de bens em comum durante o período que vigorar o namoro. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou um caso em que um casal, após assinar um contrato de namoro entre si, comprou um imóvel e, posteriormente, se casou. No divórcio, houve discussão quanto à partilha do bem adquirido no período do namoro. O magistrado, por sua vez, entendeu que se tratava de bem particular, pois o patrimônio adquirido na constância de namoro, pela lei, não deve ser partilhado com o(a) namorado(a). Vejamos.

Apelação. Família. Ação de divórcio litigioso, alimentos e partilha de bens. Sentença que decreta o divórcio e partilha, na proporção de 50% para cada um, os valores pagos pelo imóvel durante o casamento. Recurso de ambas as partes. Partes que firmaram contrato de namoro, que exclui a existência de união estável anterior ao casamento. Contrato firmado que não constitui pacto antenupcial. Obrigações lá assumidas que não podem ser discutidas na ação de divórcio. Bens adquiridos antes do casamento que não devem ser partilhados. Prestações do imóvel de propriedade exclusiva do réu pagas durante o casamento que devem ser partilhadas na proporção de 50% para cada um. Alimentos que não são devidos à autora. Requerente pessoa jovem e apta a trabalhar, ainda que momentaneamente desempregada. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJ-SP – AC: 10071613820198260597 SP 1007161-38.2019.8.26.0597, Relator: Cristina Medina Mogioni, Data de Julgamento: 02/06/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2021)

Conclusão

A redação de um contrato de namoro ou de união estável é importante para que as partes resguardem seus bens de eventual separação.

Converse com o seu advogado e veja qual instrumento melhor se aplica ao seu caso!

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Novo casamento e enteados justificam a redução de pensão?

Quando os pais de uma criança são separados, é constante a discussão sobre o valor a ser pago a título de pensão alimentícia pelo genitor que não reside com o menor. Engana-se quem pensa que ele pagará uma quantia já prevista em lei ou o valor que para ele for cabível.

A doutrina e a legislação brasileira determinam que o valor da pensão alimentícia se calcará no trinômio necessidade x possibilidade x proporcionalidade. Isto significa que o montante será calculado conforme as necessidades do menor, a possibilidade de pagamento do genitor (ou seja, a partir do quanto ele aufere mensalmente e do quanto são seus gastos para a sua subsistência) e a proporcionalidade na divisão dos gastos entre os pais da criança, afinal, o montante utilizado para a manutenção da vida desta criança deve ser dividido entre seus genitores. Mas isto não significa que a divisão será igual, já que pela regra do Código Civil, os pais contribuem na proporção dos seus recursos, isto é, quem ganha mais, contribui mais. No entanto, uma dúvida que surge entre os genitores: quais devem os valores de pensão quando da existência de uma nova união e a possibilidade de minoração dos alimentos? Seria possível diminuir o valor da pensão, exclusivamente, com base nessa nova união? Afinal, uma nova união ou o nascimento de um novo filho diminuiria o quesito proporcionalidade, já que aumentariam os gastos essenciais do devedor e, assim, diminuiriam os seus recursos.

O STJ entendeu que não. Para o Tribunal, apenas a alegação de formação de nova família pelo alimentante não justifica a minoração dos alimentos, já que deve estar demonstrada a diminuição da possibilidade do pagamento. Isto será verificado a partir dos rendimentos do devedor e das novas dívidas contraídas por ele. Além disso, na existência de um novo filho, deve ser observada a igualdade de tratamento dos filhos, independente da ordem de nascimento, já que deve haver isonomia na manutenção de todos eles, sem desproporcionalidade dos valores pagos. Por exemplo, se para o primeiro filho o genitor deve realizar o pagamento de R$ 1.000,00, mas recebe mensalmente R$ 12.000,00, não se justifica a minoração dos alimentos, já que a pensão não compromete grande parte dos seus rendimentos. No entanto, se a renda do devedor é de R$ 2.0000,00 e ele paga ao menor o valor de R$ 1.000,00 e desta nova união advém outro filho, há a justificativa para a minoração da pensão do primeiro filho, já que a legislação brasileira prevê a não discriminação de um filho em detrimento do outro, de modo que é justo que o valor recebido pelo pai seja pago proporcionalmente a todos os seus filhos e ainda não prejudique a sobrevivência do devedor. Deste modo, sendo violados os fatores proporcionalidade e possibilidade, já que haverá comprovadamente um comprometimento dos rendimentos do devedor de alimentos e que justifiquem a redução da pensão do primeiro filho, é plenamente possível que o devedor inicie uma Ação de Revisão de Alimentos no intuito de que sejam reajustados os valores pagos ao menor.

Quando se trata de enteados, o devedor deverá demonstrar que a manutenção deste menor é de sua responsabilidade, e que não há outro genitor responsável por ele, para que assim seja utilizado o argumento para minoração. Caso contrário, na hipótese de este enteado também receber pensão alimentícia de seu genitor, não se justifica a diminuição da pensão.

Por fim, caso o responsável pelo menor, que administra a pensão da criança, contraia nova união, também não se justifica a minoração da pensão, já que o pai continua tendo o dever de prover a subsistência do seu filho, independente da condição financeira do padrasto.

O que diz a jurisprudência?

O STJ tem entendimento consolidado quanto a não possibilidade de minoração de alimentos com base exclusivamente na alegação de nova família e do nascimento de novo filho do alimentante.

No julgado a seguir, o Tribunal analisou a situação fática e verificou que, mesmo com o nascimento de um novo filho do alimentante e da formação de nova família, não se justificaria a diminuição do valor da pensão, já que a condição profissional do devedor se aprimorou desde a determinação judicial que estabeleceu o valor dos alimentos, anulando a alegação de diminuição do quesito possibilidade. Vejamos.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. PROCESSO INCLUÍDO EM PAUTA. JULGAMENTO SUSPENSO. CONTINUAÇÃO EM SESSÃO SUBSEQUENTE. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. CONSTITUIÇÃO DE NOVA FAMÍLIA. SUPERVENIÊNCIA DE OUTRO FILHO. INSUFICIÊNCIA PARA JUSTIFICAR A DIMINUIÇÃO DA PRESTAÇÃO. REDUÇÃO DA CAPACIDADE FINANCEIRA NÃO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 12. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte Superior, “a circunstância de o alimentante constituir nova família, com nascimento de filhos, por si só, não importa na redução da pensão alimentícia paga à filha havida de união anterior, sobretudo se não resta verificada a mudança para pior na situação econômica daquele” (REsp 703.318/PR, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 21/6/2005, DJ de 1º/8/2005, p. 470). 3. No caso, as instâncias ordinárias, examinando as circunstâncias da causa, concluíram que não ficou demonstrada a redução da capacidade econômica do alimentante, consignando que, ao contrário, teria alterado para melhor, já que, quando fixados os alimentos, o autor era estudante universitário, sendo, agora, médico formado. Infirmar as conclusões do julgado, nesse ponto, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte Superior. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp: 1618149 SP 2019/0337946-2, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 24/08/2020, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/09/2020)

Conclusão

A minoração do valor da pensão alimentícia é assunto delicado, e a diminuição só poderá ocorrer mediante fundada justificativa. Tal questão visa prevenir que os devedores prejudiquem a subsistência dos seus filhos em nome de questões não relevantes. No entanto, na hipótese de a criação e manutenção de um filho estar sendo prejudicada em razão do valor pago de pensão ao outro filho, abre-se caminhos para ações revisionais de alimentos.

Em todos os casos, busque aconselhamento de um advogado!

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Quem fica com o pet após a separação? Existe regulamentação de visitas para animal doméstico?

Atualmente, o modelo de família deixou de ser composto exclusivamente por pai, mãe e filhos. Em pesquisas recentes do IBGE ficou evidenciado que são diversos os modelos de família presentes no país. E, em uma destas pesquisas, foi levantado que o percentual de famílias que possuem crianças em seus lares (36%) é inferior ao percentual de famílias compostas por adultos e animais de estimação (44% das casas). Isto demonstra a mudança de padrões da sociedade, evidenciando a importância que os animais de estimação têm ganhado nas famílias brasileiras. Por isso, é de se imaginar o quanto as partes podem sofrer em uma separação diante da hipótese de não conviver mais com o pet estimado.

No Brasil, o Código Civil dá tratamento aos animais como sendo bens semoventes, de modo a não existir tratamento especial a eles, ainda que seja grande a estima dos seus tutores. No entanto, no Direito a lei nem sempre acompanha a realidade – e a partir daí entra o Poder Judiciário para resolver os conflitos decorrentes desta disputa entre um casal que está se divorciando e não possui um acordo sobre quem ficará com o animal e como serão feitas as visitas.

Em um recente Recurso Especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, um casal que vivia em união estável e estava em separação, decidiu de modo amigável sobre a partilha dos bens. Porém, o conflito ficou instaurado quanto ao direito de visitas ao cachorrinho do casal, já que o animal permaneceu com a mulher que, por sua vez, se recusava a permitir a visitas do ex-companheiro ao bicho. Em 2ª instância, o Tribunal julgador decidiu por fixar um regime de visitas ao animal. Já no STJ, o ministro-relator decidiu por manter a decisão, se pautando em diversos princípios inerentes ao ser humano e também ao animal.

Um ponto interessante é que, em um dos votos, um dos ministros utilizou o regime de bens das partes como base para fundamentar a sua decisão. Para ele, como o regime utilizado para união estável das partes foi o de comunhão universal, sendo o animal uma espécie de bem, o regime deveria ditar o compartilhamento do pet.

Como resolver a questão em eventual caso concreto?

Em caso de separação, seja por divórcio, seja de união estável, a grande recomendação é que as partes entrem em acordo quanto ao regime de visitas e sobre quem ficará com o animal. Neste caso, deve ser levado em consideração aquele que possui espaço inadequado, tempo, entre outros fatores. Em último caso, a questão poderá ser deliberada em eventual ação judicial. No entanto, como este campo ainda é incerto, já que não existe lei sobre o tema, é possível que o juiz determine um regime de visitas não muito adequado às partes ou até mesmo que ele se paute no regime de casamento ou por aquele que possui o nome na carteira de vacinação do animal.

O que diz a jurisprudência?

A decisão do STJ sobre o direito de visitas ao animal de estimação traz uma rica explicação sobre a relação moderna entre o homem e o pet. Para o ministro-relator, ainda que esta relação não seja equiparada à guarda de filhos, o direito não pode negligenciar este vínculo e reduzir o bicho a um bem, conforme definição do Código Civil. Por isso, pautando-se no direito humano ao bem-estar e à felicidade, o Superior Tribunal decidiu por manter a decisão do tribunal de 2ª instância, determinando o direito do antigo companheiro de realizar as visitas ao cachorro. A ementa merece a leitura! Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um múnus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)

Conclusão

A presença dos animais no cotidiano das famílias é algo cada vez mais recorrente, tendo adquirido um condão de membro familiar. Por isso, é crescente o número de ações que pleiteiam a regulamentação de visitas aos pets.

Em todos os casos, sempre prefira um acordo! É ele que garantirá uma melhor solução para ambas as partes.

 

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Eu e meu marido compramos uma casa assim que casamos, a 80% do valor do imóvel foi pago com o FGTS dele, se nos separarmos será 50% do imóvel para cada um?

A partilha de bens no divórcio é uma fase delicada na separação. Isto porque esta divisão muitas vezes não se resume a verificar o montante adquirido pelo casal e repartir por dois. Comumente, um dos cônjuges tem preferência por permanecer com um bem, enquanto o outro prefere a venda, entre outras diversas questões.

Quando se fala em divisão de bens no divórcio, o primeiro aspecto a ser verificado é o regime de casamento. É ele que determina como será partilhado o patrimônio do casal. No Brasil, o regime legal é o da comunhão parcial de bens, razão pela qual rege grande parcela dos casamentos no país. Uma das principais regras deste regime é que só serão partilhados os bens adquiridos durante a constância do casamento. Porém, uma dúvida que surge é: e quando os bens foram adquiridos com valores obtidos pelas partes antes do casamento como, por exemplo, o FGTS? Como fica a partilha?

Em razão de programas federais permitirem saques dos valores do FGTS para a compra de imóveis, muitos casais vêm utilizando destas contas para adquirir o primeiro imóvel. Por isso tem sido grande a demanda nos tribunais, e aquele que utilizou o FGTS para quitar grande parte do imóvel tem pleiteado que a divisão do bem seja feita nos moldes do pagamento, e não do regime de bens. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que quando o imóvel é pago parcialmente com valor das contas do FGTS de um dos cônjuges, sendo este valor adquirido antes do casamento, a divisão do bem será feita conforme a proporção paga por cada um, e não de metade para cada.

Por exemplo, um casal adquire um imóvel no valor de R$ 200 mil, sendo que 80% do valor, o que corresponde a R$ 160 mil, foi pago com o saque do FGTS do marido. Os outros R$ 40 mil foram pagos com o patrimônio em comum. No divórcio, o marido terá direito a 80% do imóvel, já que 80% foram pagos por ele com valores obtidos antes do casamento (qual seja o depósito de FGTS) e a quota de 20% deverá partilhada entre as partes, já que tal parcela foi paga através de esforços comuns entre o antigo casal.

O que diz a jurisprudência?

O STJ, além de entender que a parte do imóvel comprado com FGTS adquirido antes do casamento não deve ser partilhado entre o casal que contraiu casamento em regime parcial de bens, também entende que, em eventual doação de valores a qualquer uma das partes, mesmo durante a vigência do casamento, também não será partilhada em divórcio. Tais regras são válidas para o casamento em regime de comunhão parcial de bens.

Segundo o STJ, se na doação dos valores feita durante o casamento o doador não especificou que os valores eram direcionados ao casal, na partilha o montante também não será dividido, em atenção à regra do art. 1.660, III, do Código Civil.  Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. 7. No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes. Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal. 8. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ – REsp: 1399199 RS 2013/0275547-5, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 09/03/2016, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/04/2016)

Conclusão

Ainda que o regime de casamento determine a divisão de bens em eventual divórcio, existem regras previstas pela jurisprudência que são determinantes para uma partilha justa.

Por isso, busque sempre um advogado especialista no assunto!

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Direito de Família

O que é abandono afetivo e cuidado parental

Entender o que é abandono afetivo e cuidado parental é importante. Apesar de o amor não ser uma obrigação entre as pessoas, existem situações em que as demonstrações de falta de consideração podem gerar consequências legais.

Nesse artigo falaremos sobre o conceito de abandono afetivo, destacando a importância do cuidado parental. Descubra quais são as consequências do abandono e qual a responsabilidade dos pais para com os filhos.

Conceito de abandono afetivo

Para entender o que é abandono afetivo, basta imaginar uma situação em que os pais não cumprem com o dever de respeito, de boa convivência familiar e de cuidado parental. Apesar de o amor e carinho não serem elementos legalmente determinados, o cuidado parental deve estar presente em todas as relações familiares. Dessa forma, a omissão com relação ao cuidado, companhia e também assistência moral podem configurar abandono afetivo. Não se trata, assim, de uma obrigação de amor, mas sim de obrigação de cuidado.

De acordo com a advogada Tânia da Silva Pereira, “O ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana”. Dessa forma, o cuidado é importante para o desenvolvimento humano.[1]

[1] Tânia da Silva Pereira. Abrigo e alternativas de acolhimento familiar. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309.

O que diz a legislação

De acordo com o art. 227 da Constituição Federal e art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), os pais são diretamente responsáveis pelos filhos. Essa responsabilidade abrange o cuidado, a criação e a convivência familiar. Para ficar com um exemplo de abandono afetivo, podemos imaginar um contexto em que um pai, além de não aceitar o filho, faz demonstrações públicas de desprezo. Nesse caso, a falta de cuidado e respeito é inegável. No entanto, não há previsão legal sobre o abandono afetivo como, por exemplo, sobre a indenização.

O que diz a jurisprudência

Apesar da inexistência de leis que tratem a questão, o abandono afetivo já foi objeto de discussão na jurisprudência brasileira. No passado, decisões foram tomadas no sentido de não reconhecimento da possibilidade de indenização. No entanto, o entendimento atual é no sentido da possibilidade. Vejamos:

Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade.

  1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
  2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988.
  3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. […]
  4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
  5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
  6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
  7. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

Conclusão

Nesse artigo mostramos o que é abandono afetivo e quais são as suas consequências. Destacamos também a importância do cuidado parental para o desenvolvimento dos filhos.

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No divórcio meu cônjuge tem direito a uma parte do meu FGTS?

A partilha de bens em um divórcio é determinada pelo regime de bens escolhido no casamento – e isto não é novidade para os nossos leitores. No entanto, quando se trata de quais bens serão partilhados, as dúvidas começam a surgir, afinal, a data e o modo de aquisição do bens são determinantes para responder a esta questão. Sendo o FGTS uma poupança do trabalhador, a dúvida que surge é: seria possível solicitar a partilha deste montante no divórcio? A resposta é sim. Mas existem algumas ressalvas.

O regime de bens do casal determina a possibilidade de partilha do FGTS

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, sendo os valores do FGTS depositados na conta do trabalhador na constância do casamento, o cônjuge deste trabalhador teria direito a estes valores em eventual divórcio das partes. Para isto, será levado em consideração o regime de casamento das partes. Por exemplo, caso sejam casados em regime de comunhão total, deverá ser partilhado o valor integral das contas do FGTS. Já na hipótese de regime de comunhão parcial, deverão ser divididos somente os valores depositados durante a vigência do casamento.

Nota-se que esta regra de partilha do FGTS vem de um entendimento jurisprudencial, ou seja, não está propriamente na lei. Deste modo, em eventual divórcio extrajudicial, ou seja, realizado em cartório, caso não haja um consenso entre as partes sobre o assunto, somente será possível a partilha do FGTS através do divórcio judicial. Além disso, na hipótese de o cônjuge proprietário das contas de FGTS estar empregado na vigência do divórcio, o outro cônjuge que possui direito de partilha só poderá ter acesso à sua meação após a demissão sem justa causa do trabalhador ou em caso de morte deste.

Como evitar que o ex-cônjuge gaste todo o dinheiro se ele for demitido após o divórcio?

Primeiro, no processo de divórcio a parte interessada deve requerer na petição que sejam partilhados os valores do FGTS do ex-cônjuge. Sendo deferido o pedido, o juiz mandará um ofício para a Caixa Econômica, que ficará ciente de que, do montante do FGTS do trabalhador, parte será destinada ao ex-cônjuge quando da ocasião do saque.

O que diz a jurisprudência?

O STJ tem entendimento consolidado sobre esse tema. Para o Tribunal, em razão de o FGTS ser uma poupança, ainda que alimentada pelo empregador, sendo o fato gerador datado da época do casamento, devem os valores ser partilhados após o divórcio. Como durante o divórcio o cônjuge estava vinculado à empresa, o STJ determinou que a Caixa Econômica Federal fizesse a reserva do montante destinado ao ex-cônjuge para que, no momento oportuno, o dinheiro fosse transferido a ele. Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade em que afirmou se tratar de “direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)”. 4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes. 8. Recurso especial a que se nega provimento. RECURSO ESPECIAL Nº 1.399.199 – RS (2013/0275547-5)

Conclusão

A possibilidade de divisão dos valores de FGTS existe, ainda que seja determinada pela jurisprudência. Um ponto a que o casal em divórcio deve se atentar é que, caso ambos tenham valores de FGTS a receber, a divisão pode ser anulada. Em todos os casos, informe o seu advogado no processo de divórcio se o seu ex-marido ou a sua ex-esposa possui contas de FGTS a receber.

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Posso pedir pensão alimentícia retroativa?

O pagamento de alimentos é um dos temas mais consolidados na doutrina e na jurisprudência. No entanto, ainda existem algumas controvérsias que geram dúvidas entre os que possuem direito a receber estes valores. Pensemos na seguinte hipótese: um menor possui um genitor que há 5 anos não paga qualquer valor a título de pensão alimentícia. Seria possível reaver estes valores, ou seja, receber todos os 5 anos de pensão atrasada?

Isto só será possível se já existir ação judicial determinando a obrigação do genitor de pagar os alimentos, ainda que, por lei, este genitor tenha o dever de realizar estes pagamentos. Enquanto não existir tal decisão judicial não será possível realizar a cobrança retroativa. No entanto, um aspecto importante desse assunto é quando começa a vigorar esta obrigação. Seria necessário o trânsito em julgado determinando o pagamento para assim existir o dever do genitor? Felizmente, não. Existindo um pedido liminar feito pelo advogado e, consequentemente, concedido pelo juiz, a obrigação começa a vigorar. Este pedido liminar pode ser feito em um processo de divórcio, quando é decidida a guarda e os alimentos da criança ou em um processo de reconhecimento de paternidade, de guarda ou somente de alimentos.

Pela jurisprudência, a partir do momento em que o genitor é citado da ação judicial já começa a vigorar a sua obrigação de pagamento de alimentos, sendo a regra aplicada pelos juízes. Assim, a pensão retroativa só poderá ser cobrada a partir da data da citação. Pensemos no exemplo acima. Por exemplo, o genitor não paga qualquer valor deste julho de 2015. Inicia-se um processo de pedido de alimentos em outubro de 2017 e o genitor é citado em novembro de 2017. Pelo entendimento jurisprudencial, só poderiam ser cobrados os valores desde novembro de 2017, ainda que a inadimplência seja anterior a isso. Tal cobrança poderá ser feita através de uma ação de cumprimento de sentença, na qual os valores são cobrados judicialmente.

Vale ressaltar que assim que o alimentado completa 18 anos, ele possui 2 anos para cobrar estes valores retroativos. Após este período, há a decadência do seu direito de cobrança. Além disso, na hipótese de inadimplência, o genitor só poderá ser preso em caso de inadimplência dos últimos três meses. O valor antecedente só poderá ser cobrado em rito de penhora.

O que diz a jurisprudência?

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado sobre este tema, tanto é que existe uma súmula que o rege. A súmula 621 reza que os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade. Isto significa que a regra de que só poderão ser cobrados os valores dos alimentos a partir da citação vale também para as ações de redução, majoração e exoneração de alimentos. Vejamos.

EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. AUSÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS EM SENTENÇA. EFEITO RETROATIVO À DATA DA CITAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. Brasília (DF), 06 de abril de 2020. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE RECURSO ESPECIAL Nº 1.838.267 – AC (2019/0276356-7) RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE DECISÃO Cuida-se de recurso especial, com pedido de tutela provisória, interposto por M. A. M. P de N., fundamentado na alínea a do permissivo constitucional. A controvérsia devolvida a esta Corte Superior se refere aos alimentos devidos no curso da demanda de divórcio cumulada com oferta de alimentos, que foi proposta pelo próprio recorrente. No seu raciocínio, não seriam devidos alimentos antes de sua fixação por sentença, uma vez que o Juízo de primeiro grau não teria fixado expressamente os alimentos provisórios. Com efeito, esta Corte Superior tem entendimento pacífico de que os alimentos fixados em sentença são devidos desde a data da citação na ação de alimentos. É o que se depreende do enunciado n. 621 da Súmula do STJ assim redigida: “os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”. Assim, ao retroagir somente até à data da contestação, o Tribunal de origem dissentiu da jurisprudência desta Corte Superior. Contudo, uma vez que não houve recurso do alimentado, não é possível alinhar o acórdão recorrido e o entendimento desta Corte Superior, sob pena de incorrer em vedada reformatio in pejus. Com esses fundamentos, conheço do presente recurso para negar-lhe provimento. Publique-se. (STJ – REsp: 1838267 AC 2019/0276356-7, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 13/04/2020)

Conclusão

A cobrança de alimentos é uma parte essencial para aqueles que possuem o direito de receber estes valores. Por isso, enquanto houver a situação de inadimplência é essencial que o alimentado alinhe com seu advogado a situação para que os valores possam ser cobrados de maneira eficaz.

 

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Reconhecimento de união estável pós-morte. Como fazer?

A união estável é uma forma de constituição de família, ainda que não haja uma celebração anterior para a sua formação, como é o caso do casamento. Um ponto importante é que a Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, reconhece a união estável, garantindo a ela a proteção do Estado, devendo a lei facilitar a conversão em casamento. A partir desta previsão foi editada a Lei nº 9.278/1996, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal. Em seu art. 1º há a definição de união estável: “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Por isso, mesmo sem a celebração de uma formalidade ou de um acordo, após o rompimento da união é possível, por meio de uma ação judicial, que haja o reconhecimento da união estável e, assim, passem a valer todos os efeitos patrimoniais, como o dever de pagamento de alimentos, de partilha de bens, entre outros.

Mas, e quando há a morte de um dos companheiros? Como fazer esta prova e assim ter direito à meação?

Quando há a morte de um dos companheiros, abre-se o processo de inventário. Neste processo, é possível que os demais herdeiros necessários façam o reconhecimento do companheiro sobrevivente e, assim, facilitem a partilha dos bens. No entanto, quando não há este reconhecimento prévio, é necessário que o companheiro inicie um processo judicial para reconhecimento de união estável pós-morte. Tal processo se torna um pouco delicado em razão das provas que devem ser apresentadas para demonstrar a união. As provas devem demonstrar que a união destas partes tinha o condão de entidade familiar, era duradoura, pública e contínua. Além disso, constantemente os julgados decidem pelo reconhecimento da união estável pós-morte quando é verificado o animus ou affectio maritalis, ou seja, a afeição entre as partes em se tratar como marido e mulher.

Outro ponto importante verificado nos julgados é que, em muitos casos, prevalece o disposto no art. 112 do Código Civil, que estabelece que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem, ou seja, se nas provas apresentadas o que se extrai é o comportamento das partes como cônjuges, se torna possível o reconhecimento da união estável.

O que diz a jurisprudência?

Ainda que a jurisprudência frequentemente reconheça a união estável pós-morte, existem julgados em que, a partir das provas demonstradas, houve o entendimento de que as partes, mesmo próximas e com relação pública, não tinham o condão de constituir família, ainda que um dia já tivessem este estado. Assim, o Tribunal indeferiu o reconhecimento da união estável, como é o caso do julgado a seguir:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA QUANTO À CONFIGURAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL APÓS A SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL E O ÓBITO DO EX-CÔNJUGE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO 2. Acórdão recorrido que manteve a improcedência do pedido de reconhecimento de união estável post mortem, sob o fundamento de que as provas produzidas nos autos não demonstraram a configuração de união estável no período entre a separação do casal e o falecimento do ex-cônjuge. 3. Segundo o Tribunal de origem, as provas produzidas indicaram que o casal, embora tenha mantido certo contato após a separação, separou-se definitivamente, não se revelando no período de doença do ex-esposo reconciliação ou continuidade da vida em comum, e sim laços de amizade, confiança e solidariedade entre eles, a indicar que a agravante teria prestado mero auxílio durante o tratamento da enfermidade.” (AgRg no AREsp 424.941/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe de 07/06/2016). (STJ – AgInt no REsp: 1602194 MG 2011/0104904-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 25/04/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/05/2017)

Conclusão

O reconhecimento da união estável pós-morte é possível, ainda que neste processo a comprovação seja um pouco mais delicada em razão de um dos companheiros não estar presente para contribuir com o seu depoimento. É essencial que, caso haja divergência entre os herdeiros quanto ao reconhecimento da união estável do falecido com a companheira sobrevivente, a referida inicie um processo judicial o quanto antes, no intuito de interromper o processo de inventário e assim diminuir os possíveis riscos à sua meação.