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Direito Tributário

A tributação dos lucros das filiais localizadas no exterior: um apanhado geral

Para as empresas brasileiras que possuem filiais no exterior, a tributação dos lucros que retornam ao Brasil deve ser analisada de forma minuciosa, tendo em vista a possibilidade de dupla tributação.

Em vista disso, no artigo de hoje trataremos sobre os principais pontos da tributação desta operação e as principais informações sobre o assunto.

Como funciona a tributação dos lucros da filial no exterior?

A subsidiária de uma empresa brasileira localizada no exterior está sujeita às normas tributárias do país onde está estabelecida para a apuração do imposto sobre a renda.

Entretanto, em conformidade com a prática brasileira de “tributação em bases universais”, os resultados obtidos no exterior devem ser registrados e, eventualmente, tributados no Brasil.

Nesse processo, é possível creditar o valor do imposto pago no exterior. A empresa brasileira que mantém uma filial no exterior é obrigada a calcular o imposto sobre a renda pelo método do lucro real.

E as declarações da sede no Brasil?

A presença da filial deve ser refletida nas demonstrações financeiras da matriz como um “investimento no exterior”, da mesma forma que seria se fosse um investimento em uma sociedade coligada ou controlada.

Esse investimento deve ser avaliado por meio do método da equivalência patrimonial, conforme estabelecido pela Lei 12.973/201.

Anualmente, a variação do valor do investimento, equivalente aos lucros ou prejuízos obtidos pela filial no exterior, deve ser incluída no cálculo do lucro real e na base de cálculo da contribuição social sobre o lucro (CSLL).

Em síntese, o governo tributa o lucro global, mas permite a compensação de prejuízos de forma específica, o que desafia o conceito de renda.

A matriz brasileira pode deduzir adições relacionadas às regras de preços de transferência em transações com a filial no exterior. Além disso, é possível deduzir o imposto pago pela filial no exterior, limitado ao montante do imposto sobre a renda e CSLL incidentes no Brasil.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos que a questão da tributação dos lucros da filial no exterior se baseia no entendimento jurisprudencial de que as filiais têm somente autonomia administrativa, e, portanto, é devido o recolhimento de tributos com base na sede:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO OU RESTITUIÇÃO. INDÉBITOS EM NOME DE FILIAIS. MATRIZ. LEGITIMIDADE. 1. A sucursal, a filial e a agência não têm um registro próprio, autônomo, pois a pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, sendo ela sujeito de direitos e obrigações, assumindo com todo o seu patrimônio a correspondente responsabilidade 2. As filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do CC) e inscrições distintas no CNPJ. 3. O fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz. 4. Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode pleitear restituição ou compensação tributária relativamente a indébitos de suas filiais. 5. Agravo interno parcialmente provido. Recurso especial parcialmente provido, a fim de reconhecer o direito da recorrente de pleitear compensação tributária em nome de suas filiais. (AgInt no AREsp n. 731.625/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 9/2/2021, DJe de 19/3/2021.)

Conclusão

A tributação dos lucros de filiais no exterior é um desafio multifacetado que exige conhecimento especializado e estratégias bem elaboradas.

Se sua empresa opera internacionalmente, a busca por assessoria jurídica especializada é um investimento que pode render frutos significativos.

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Direito de Família

É possível requerer a curatela de pessoa viciada em jogos?

O vício em jogos, sejam eles eletrônicos, de máquinas, de papel, etc., é um problema que atormenta diversas famílias. Muitas vezes, este vício vem acompanhando de uma dilapidação do patrimônio, isto é, o viciado passa a gastar valores absurdos para continuar jogando. Mas, será que é possível requerer a curatela desta pessoa? Qual é a previsão da lei para estes casos? A resposta é que sim, é possível requerer a curatela do viciado em jogo. Porém, existem alguns pontos que devem ser observados.

Mas, o que é a curatela?

Para que você, leitor, entenda sobre a possibilidade de curatela para a pessoa viciada em jogo, é preciso entender um pouco sobre este instituto. A curatela é a representação civil, exercida por uma pessoa nomeada pelo juiz. Significa que a relação de curador e curatelado é de representação, na qual o curador irá agir em nome do curatelado nos atos em que o juiz determinar. Logo, o curador não responderá por todos os atos daquele que representa. É possível, por exemplo, que o juiz determine que a curatela se restrinja aos atos bancários, por exemplo.

Quando ocorre a curatela?

A curatela ocorrerá quando a pessoa, maior de 18 anos, em razão das situações descritas no Código Civil, não pode exercer os atos da vida civil, seja pela falta de discernimento, seja pela impossibilidade de expressão de vontade.

Atualmente, o Código Civil limita a curatela para três sujeitos: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; e os pródigos. Dentro desta lista, os viciados em jogo se caracterizam como os pródigos.

E o que são pródigos?

Os pródigos são aqueles que dilapidam seus bens de forma compulsiva, ou seja, a pessoa que gasta todo o seu patrimônio de forma imoderada e descontrolada, com a mínima ou nenhuma preocupação sobre as suas possibilidades e necessidades. E, neste cenário, os viciados em jogo entram em cena. Muitas vezes, a pessoa viciada em jogo aposta imóveis, dinheiro em conta, carros e até bens de seus familiares, sem se preocupar com as consequências do ato. Quando o vício em jogo ultrapassa o aceitável e passa a prejudicar a sobrevivência do viciado e de sua família, é possível requerer a curatela deste indivíduo.

Aqui vale ressaltar que a simples aposta, envolvendo um alto valor, não dá direito à curatela desta pessoa. É preciso que o vício se caracterize como um grave risco ao patrimônio do sujeito.

Como requerer a curatela?

A curatela é solicitada em um processo judicial e envolverá a escuta do curatelado, além das provas de que os seus gastos com jogos são acima do aceitável. Vale ressaltar que, sem a determinação do juiz, não é possível estabelecer a curatela do viciado.

O que diz a jurisprudência?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela interdição de um jovem de 22 anos, que, além de ser viciado em jogos, era portador de patologias psiquiátricas. Vejamos.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 151344 – SP (2021/0245209-7) DECISÃO Trata-se de recurso ordinário, com pedido de liminar, interposto em face de acórdão que denegou o habeas corpus, mediante acórdão assim ementado: “HABEAS CORPUS – Interdição – Internação compulsória – Decisão nomeando os genitores como curadores provisórios do filho, autorizando, ademais, a sua internação compulsória. Ausência de ilegalidade ou abuso de poder – Paciente que, contando 22 anos de idade, é portador de transtorno afetivo bipolar e jogo patológico – Quadro psicótico remitido, porém descontrole com relação aos jogos de azar, apostando altas quantias, produzindo dívidas significativas, coagindo os genitores em busca de dinheiro, não aceitando o tratamento – Relatório do Psiquiatra que o acompanha desde 2017 indicando os motivos pelos quais reputa como necessária a internação compulsória”. (…) Ademais, a internação não foi determinada tão somente em razão do vício em jogos de azar, mas principalmente em virtude de o paciente possuir transtorno afetivo bipolar, com histórico de surtos e atual comportamento agressivo com baixa adesão ao tratamento medicamentoso, coagindo e ameaçando os pais, bem como de ameaças de suicídio. Dessa forma, considero ausentes os requisitos para a concessão da liminar, mormente ao se considerar que o ora recorrente não logrou êxito em comprovar, por intermédio de prova pré-constituída, que o ato judicial impugnado seja abusivo, ilegal ou teratológico, de forma a causar-lhe dano grave ou de difícil reparação, à luz do exigido no artigo 5°, LXVIII, da Constituição Federal. Em face do exposto, indefiro o pedido de liminar. (STJ – RHC: 151344 SP 2021/0245209-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 06/08/2021)

Conclusão

O requerimento de curatela e interdição são assuntos delicados e que exigem uma tomada de decisão consciente. Por isso, antes de optar pela curatela de uma pessoa próxima, converse com um advogado!

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Direito Imobiliário

Comprei um imóvel na planta, a obra não acabou, mas quero fazer o distrato. O que não pode falar no distrato? Tenho que pagar multa?

A desistência da compra de imóveis na planta é um assunto recorrente, razão pela qual o STJ editou súmula sobre o tema. Ainda que já exista uma lei que trate da desistência destes contratos, algumas incorporadoras ainda trazem impedimentos no momento da rescisão.

Pensando nisso, preparamos este artigo com as principais informações para o comprador do imóvel levar em consideração no momento do pedido de rescisão. Acompanhe!

A Lei do Distrato

A Lei nº 13.786/2018, conhecida como a Lei do Distrato, traz as regras sobre o distrato do contrato de compra de imóvel na planta. Antes desta lei, a Súmula 543 do STJ era o principal embasamento dos compradores, visto que ela estabelecia que, caso a rescisão do contrato ocorra por culpa do vendedor, a devolução dos valores deveria ser parcial. Ou, ainda, caso o comprador tivesse dado causa ao desfazimento, a devolução dos valores deveria ser parcial.  Com isso, antes da Lei do Distrato não havia pela lei um percentual claro de quanto os vendedores poderiam reter em eventual distrato. Porém, desde 2018 incorporadores e consumidores dispõem de uma norma explícita sobre os valores de multa e retenção.  

Como são as regras da rescisão pela Lei do Distrato?

Pela Lei do Distrato, a entrega do imóvel após 180 dias da data inicial de entrega gera ao comprador o direito de rescindir o contrato sem qualquer ônus, ou seja, ele tem o direito de receber integralmente todos os valores pagos. Porém, se a rescisão ocorrer em tempo anterior a este prazo ou após a entrega das chaves, o distrato é possível, porém, com alguns ônus ao comprador. Nestas hipóteses, a incorporadora poderá descontar a comissão de corretagem e uma multa de até 25% sobre a quantia paga, além dos impostos do imóvel e cotas de condomínio. Na hipótese de a obra já ter sido entregue, além dos valores acima será descontado o tempo que o comprador usufruiu do imóvel, correspondente 0,5% do valor global do contrato. Por fim, caso a obra esteja submetida ao patrimônio de afetação, a multa a ser retida pelo incorporador poderá ser de até 50% do valor já pago.

Como reincidir o contrato, afinal?

Tendo em vista as disposições da lei, a recomendação é de que a rescisão seja feita o quanto antes, já que a multa será calculada sobre o valor total já pago pelo comprador. Além disso, se existe previsão de atraso na entrega, é possível aguardar e verificar se o atraso será de 180 dias após a data prevista, pois, nesta hipótese, a rescisão ocorrerá sem a cobrança de multa. Por fim, se você já pegou as chaves e assinou o contrato de financiamento, o banco financiador também deverá ser consultado antes da rescisão.

O que diz a jurisprudência?

Após a Lei do Distrato, os juízes têm entendido que o atraso na entrega depois da tolerância de 180 dias não enseja na indenização por danos morais pela construtora. Inclusive, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido que a rescisão nesta hipótese importa na devolução de 80% dos valores pagos. Vejamos.

APELAÇÃO. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL NA PLANTA. DISTRATO. Ação indenizatória. Sentença de procedência parcial. Inconformismo do autor. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. Pretensão do autor de devolução integral dos valores pagos, recebimento de multa contratual, indenização por danos materiais e morais. Descabimento. Celebração de distrato entre as partes que ocorreu antes do término do prazo contratualmente estabelecido para entrega das chaves, considerada a tolerância de 180 dias. Ausência de dano em virtude do suposto atraso, uma vez que as obrigações contraídas pelas partes em relação ao contrato foram extintas em momento anterior. Devolução de 80% dos valores pagos que é suficiente para devolver as partes ao status quo anterior. Precedentes desta Câmara. Sentença confirmada. Sucumbência recíproca. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (v.29522). (TJ-SP – APL: 10310612920178260562 SP 1031061-29.2017.8.26.0562, Relator: Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 11/12/2018, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/12/2018)

Conclusão

A rescisão de uma compra de imóvel na planta, ainda que gere algum ônus ao comprador, não pode ser negada ou dificultada pelo vendedor.

Por isso, se você está enfrentando problemas no distrato, consulte um advogado!

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Direito de Família

Avós podem ser condenados a pagar alimentos se o valor pago pelo genitor for insuficiente?

Os alimentos avoengos são pagos pelos avós quando os genitores do alimentado não possuem condições de realizar o pagamento ou, ainda, quando o valor pago pelos pais é insuficiente para manter os seus gastos. Com isso, esta modalidade de alimentos tem caráter subsidiário, isto é, só será aplicada em segundo plano. Porém, tem se tornado comum o pedido de alimentos aos avós quando estes possuem um padrão de vida superior ao dos genitores do alimentado. Seria isso possível? Para responder à questão será preciso analisar os julgados dos Tribunais de Justiça.

A natureza dos alimentos avoengos

A obrigação do pagamento dos alimentos avoengos decorre do princípio da solidariedade familiar e da importância de garantir o bem-estar dos filhos, mesmo quando há uma impossibilidade ou insuficiência dos pais em fornecer os recursos necessários.

Para que os netos possam pleitear alimentos avoengos, é necessário atender certos requisitos legais. Em primeiro lugar, é preciso comprovar a insuficiência financeira dos pais para arcar com as despesas básicas do menor. Além disso, é necessário demonstrar que os avós possuem capacidade econômica suficiente para suprir essa necessidade.

Os recentes entendimentos dos Tribunais

Em análise aos julgados dos Tribunais de Justiça, o que se verifica é que é comum que os netos requeiram na Justiça que os avós paguem os alimentos quando estes possuem um padrão de vida elevado. Em grande parte dos casos, os juízes decidem que os filhos devem viver sob o padrão de vida dos pais, e não dos avós, de modo que o pagamento dos alimentos avoengos só deve ser feito se houver nítida necessidade comprovada.

Um dos casos comuns é o pedido feito por netos que cursam faculdade de alto valor, como medicina, por exemplo, e ingressam com pedido judicial para que os avós paguem a mensalidade. No entanto, são frequentes as decisões que negam o pedido. Vale ressaltar que o tema dos alimentos avoengos foi objeto de súmula pelo STJ, a partir da Súmula 596, que determina que “a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais“.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos um caso decidido pelo TJSP que ilustra como os tribunais vêm decidindo acerca dos pedidos de alimentos avoengos para o pagamento de mensalidade de ensino superior:

ALIMENTOS AVOENGOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. Alimentos avoengos. Insurgência contra sentença de parcial procedência, que arbitrou alimentos em favor da autora no patamar de 6,6 salários-mínimos. Art. 1.698 do CC. Alimentos avoengos que constituem obrigação subsidiária e complementar, nascida quando provada impossibilidade de os pais proverem o sustento dos filhos. Súmula 596 do STJ. A autora não logrou comprovar a incapacidade do genitor em arcar com os alimentos, e tampouco que este é sustentado pelos progenitores, ora apelantes. A condição privilegiada dos avós paternos não os obriga a custear o curso de Medicina escolhido pela apelada. O filho deve viver segundo o padrão de vida dos seus pais, não de seus avós, limitando-se os alimentos avoengos ao mínimo indispensável para a sobrevivência do neto. Sentença reformada, para o fim de julgar improcedente o pedido inicial. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1007332-14.2018.8.26.0602; Relator(a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 15/09/2020; Data de Registro: 16/09/2020)

Conclusão

Os alimentos avoengos são uma importante ferramenta jurídica para garantir o bem-estar dos netos em situações específicas em que os pais não possam fornecer os recursos necessários. No entanto, o pedido judicial deve apresentar um forte embasamento, sob pena de negativa do pedido e consequente condenação do neto ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais.

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Direito Imobiliário

Locação por Airbnb pode ser vedada por condomínio?

Na última década surgiram diversas novas formas de prestações de serviços a partir da utilização de plataformas digitais. E isto não foi diferente com o ramo de hospedagem. Atualmente, uma das plataformas mais conhecidas e utilizadas no mundo todo é o Airbnb, que permite a locação de um espaço por tempo determinado, espaço este que muitas vezes está localizado em prédios residenciais. A partir daí, inúmeros condomínios passaram a questionar judicialmente sobre a possibilidade ou não dos condôminos utilizarem os seus imóveis como locação temporária através das plataformas digitais como o Airbnb. Em abril deste ano, o STJ deu a resposta para este caso. Segundo a decisão do tribunal, o condomínio poderá impedir o uso de imóveis para locação pelo Airbnb.

E como a decisão repercutirá na prática

Nos termos da decisão do STJ, o condomínio que tiver estabelecido em sua convenção que os imóveis do local são restritos ao uso residencial veda os condôminos de dispor os imóveis para fins de locação temporária, como é o caso do Airbnb. Segundo o STJ, a utilização do imóvel para hospedagem de terceiros traz com ela a alta rotatividade no local, ofertando insegurança e perturbação aos demais moradores. Com isso, há um desvio da finalidade do condomínio, gerando prejuízos aos outros condôminos. Na prática, se a convenção do condomínio não dispuser que o edifício ou o conjunto de casas tenha como finalidade o serviço de hospedagem ou, ainda, restringir o uso para fins residenciais, o síndico ou outro responsável poderá barrar os usuários do Airbnb de utilizar o imóvel como hospedagem.

Toda esta questão esteve controvertida por tanto tempo, em razão de a lei do inquilinato não regulamentar as locações que tenham prazo inferior a 90 dias, tampouco a situação de locação de imóveis em Airbnb poderem ser enquadradas na Política Nacional do Turismo. Porém, agora, com a decisão do STJ, os condomínios possuem respaldo jurisprudencial para barrar os condôminos de utilizar seus imóveis com esta finalidade. Todavia, ainda é possível que os condomínios que tenham por finalidade o uso residencial permitam a utilização dos imóveis como Airbnb, não estando eles vinculados à decisão do STJ.

O que diz a jurisprudência?

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça elenca os fundamentos pelos quais os condomínios poderão negar que os condôminos utilizem os imóveis para locação em Airbnb. Vejamos.

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. 2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo. 7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício. 8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV). (STJ – REsp: 1819075 RS 2019/0060633-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 20/04/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2021)

Conclusão

Com a recente decisão do STJ, caso você esteja pensando em investir em um imóvel para utilizá-lo como Airbnb, verifique antes a convenção do condomínio.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado.

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Direito das Sucessões

Incide o imposto de ganho de capital no valor recebido por ex-cônjuge referente a reembolso de diferença no montante de bens e direitos que lhe cabiam em decorrência da meação?

Os acordos realizados entre as partes em um divórcio, a respeito da divisão dos bens, nem sempre são baseados na divisão igualitária. Muitas vezes, as partes decidem que um dos cônjuges permanecerá integralmente com um bem mediante a compra da cota do ex-esposo/a.

Assim, ao final da partilha, o que se verificará é que um dos cônjuges ficará com mais bens do que inicialmente teria direito. No entanto, a partilha só será desigual graças à compra da cota da outra parte. A partir daí, a dúvida que surge é: mesmo com a aquisição da cota mediante o reembolso, seria devido o recolhimento do imposto de renda pelo ganho de capital?

Segundo as regras da Receita Federal, sim, é devido o imposto de renda pelo cônjuge que recebeu o reembolso dos bens e direitos que lhe cabiam em razão do divórcio.

Para melhor entender o assunto, pensemos no seguinte exemplo: Ana e José se divorciaram e o único bem adquirido pelas partes na constância do casamento foi um imóvel, que no momento do divórcio estava avaliado em R$ 500 mil. As partes compraram o bem por R$ 400 mil.

Em razão do regime adotado pelas partes, que determina a divisão dos bens adquiridos na união, a partilha ideal seria a distribuição de R$ 250 mil para cada um dos cônjuges. No entanto, as partes decidem que o imóvel ficará com Ana mediante a compra da cota de José. Assim, Ana transfere R$ 250 mil a José e se torna a única proprietária deste imóvel. O que se verifica é que houve um ganho de capital de R$ 100 mil, já que as partes compraram o bem por R$ 400 mil e, na partilha, ele estava avaliado em R$ 500 mil. Logo, com a venda da sua cota, José teve um ganho de R$ 50 mil, montante sobre o qual deve incidir o imposto de renda sobre ganho de capital. Ao final, sobre o recebimento de R$ 250 mil, José deverá recolher R$ 7.500 de imposto de renda.

O que diz a jurisprudência?

A declaração de imposto de renda após o divórcio é essencial para o cálculo do imposto de renda sobre o ganho de capital, mas não é só isso: é a partir dele que pode ser corrigido o recolhimento de outros impostos.

Em um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, após o divórcio de um casal, no qual houve a divisão desigual dos bens, o Fisco realizou a cobrança da ex-cônjuge a respeito do ITCMD, sob alegação de que o imposto não havia sido recolhido. No entanto, a partir da sua declaração de imposto de renda, ficou comprovado o percentual da doação, de modo que o juiz sentenciou pela cobrança do ITCMD proporcional à divisão de bens realizada. Vejamos.

APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. ITCMD. PARTILHA DE BENS EM DIVÓRCIO. EXCESSO DE MEAÇÃO. Pretensão de reconhecimento de nulidade de débito de ITCMD constante do parcelamento a que a autora aderiu no curso da ação. Decisão de primeiro grau que afastou a pretensão por considerar ser inviável a apreciação de aspectos fáticos da relação tributária. Possibilidade de discussão da legitimidade do débito fiscal ora reconhecida. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorrer defeito causador de nulidade do ato jurídico, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. Causa madura para julgamento. Rejeição do argumento de que teria havido nulidade no procedimento administrativo de lançamento do imposto. Contribuinte que deixou de atender às reiteradas notificações da autoridade tributária para se defender no processo. Imposto que, no entanto, comporta redução. Elementos dos autos que comprovam ter a autora recebido os bens declarados na sua DIRPF em razão de partilha de bens em divórcio. Excesso de meação configurado apenas em relação a metade do valor do imóvel partilhado, adquirido na constância do casamento. Encargos de sucumbência que devem, todavia, ser pagos pela autora, visto que foi ela quem deu causa ao ajuizamento da ação ao, reiteradamente, deixar de responder às intimações efetivadas pela Fazenda com a finalidade de esclarecer a ocorrência ou não do fato gerador do imposto. Honorários fixados em 11% do valor atualizado da causa, observada a gratuidade processual deferida à autora. Recurso provido em parte, apenas para reduzir a base de cálculo do imposto a metade do valor do imóvel partilhado. (TJ-SP – AC: 10085208620198260576 SP 1008520-86.2019.8.26.0576, Relator: Bandeira Lins, Data de Julgamento: 16/02/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 16/02/2021)

Conclusão

As hipóteses de incidência de imposto de renda sobre ganho de capital podem causar dúvidas entre os contribuintes. Por isso, consulte o seu contador e um advogado quando comprar ou vender bens e direitos.

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Direito das Sucessões

Previdência Privada é uma forma de transferência de patrimônio?

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre as formas de aposentadoria, graças à Reforma da Previdência, que alterou drasticamente o cenário previdenciário. Por isso, alguns grupos têm optado por investir em previdência privada como forma de garantir uma aposentadoria mais rentável. No entanto, este tipo de previdência também pode ser utilizado como seguro de vida e, melhor ainda, como forma simplificada de transmissão de renda.

Mas como isso funciona?

Pela lei, os seguros de vida e contra acidentes pessoais não são considerados herança, de modo a não incidir tributação sobre eles na partilha e também não comporem o rol de bens no processo de inventário. Isto significa que, após a morte do detentor do plano, o valor do seguro é transferido diretamente aos contemplados, sem que seja necessária a abertura de inventário para a divisão das cotas. Além disso, o detentor do plano poderá escolher a quem será pago o valor do seguro, não sendo necessário que os contemplados sejam somente os herdeiros necessários.

Quais fundos de previdência privada mais populares?

No Brasil, os fundos de previdência privada mais conhecidos são o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).

O PGBL corresponde a uma espécie de plano de previdência complementar privada no qual o titular investe valores e poderá se aposentar a partir dela. Em caso de sua morte, a sua aposentadoria é transmitida aos seus herdeiros ou àqueles que ele indicar no plano.

Já o VGBL é um seguro pessoal, no qual após a morte do titular, o valor investido será repassado diretamente aos beneficiários indicados.

Ambos possuem planos atrativos de tributação, de modo que se tornam vantajosos para a transmissão, em comparação a outros fundos de investimentos.

Há algum risco?

O risco de transmissão de patrimônio por meio dos modelos de previdência privada é quanto à indicação dos beneficiários. Isto porque, em muitos casos, o agente acaba por investir grande parte do seu patrimônio nestes modelos de previdência e elenca como titulares pessoas diferentes do rol dos seus herdeiros necessários, tornando suscetível a configuração de fraude à legítima. E o que é isso? A fraude à legítima ocorre quando o agente doa mais da metade dos seus bens a pessoas que não são herdeiras necessárias, acabando por prejudicar aqueles que, por lei, tem direito à metade dos bens.

A jurisprudência tem reconhecido como fraude à legitima os casos em que o doador investe grande parte dos seus bens nestes tipos de plano, e os juízes têm determinado a inclusão destes valores no rol de bens do inventário (STJ AREsp 1651461, AREsp 921715). Assim, para que o plano de previdência possa ser utilizado com sucesso como transferência de patrimônio, é essencial que haja a destinação correta do montante aos herdeiros necessários e aos demais indicados pelo titular.

Procure um advogado quando planejar a sucessão dos seus bens. Ele pode ser um grande aliado neste processo!

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Direito Imobiliário

Comprei um imóvel com contrato de gaveta e desejo regularizar. O vendedor comprou de um terceiro também sob contrato de gaveta. Deve ser registrada todas as vendas do bem até chegar a mim ou posso registrar o imóvel direto em meu nome?

Ainda que a venda de um imóvel a partir de um contrato de gaveta não seja recomendada, muita gente, além de comprar um imóvel desta forma, também realiza a venda do mesmo bem com um contrato particular. Será que nesta situação é possível que o último comprador requeira o registro diretamente em seu nome, sem que seja necessário o seu registro em nome do vendedor? A resposta é sim, é possível. Mas, para isso, é preciso a anuência do proprietário formal, isto é, daquele que consta como proprietário na escritura. Acompanhe o artigo e veja se o seu caso pode ser resolvido facilmente!

A transferência direta sem que seja registrada a venda para comprador informal

Para que o imóvel seja regularizado pelo último comprador, é necessário que o proprietário, segundo a escritura registrada, concorde em assinar a venda direta para o último comprador. Neste caso, é essencial que a venda entre o proprietário (segundo a escritura) e o primeiro comprador não tenha sido celebrada através de uma escritura de compra e venda. A transferência direta evita o pagamento duplo de ITBI e emolumentos do cartório para os dois registros.

Outro ponto importante é que o primeiro comprador não tenha utilizado o imóvel como garantia em situações como locação, por exemplo. Neste caso, a instituição que aceitou o bem como garantia deve ser informada sobre a venda.

E se a pessoa que consta na escritura não for localizada?

Se a pessoa que consta como proprietária do imóvel não for localizada, o segundo comprador poderá ingressar com uma ação de adjudicação. Esta é uma medida que visa transferir o bem ao real possuidor a partir da comprovação da compra. A questão mais delicada neste caso é comprovar a venda do imóvel entre o proprietário segundo o registro e o primeiro comprador. Por isso, antes de celebrar um contrato de compra e venda de gaveta, exija do vendedor a cópia deste contrato entre o proprietário e o primeiro comprador.

O que diz a jurisprudência?

Um dos problemas de não realizar a transferência imediata do imóvel no momento da compra é o risco de falecimento do vendedor antes da realização da transferência. Neste caso, o comprador dependerá de provas concretas de celebração da venda e, ainda, da boa-fé dos herdeiros do vendedor.

Em um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a herdeira de um comprador requereu na Justiça a transferência do imóvel comprado pelo seu pai falecido. A compra foi feita por contrato de gaveta e o vendedor também havia falecido.

Porém, em razão da falta de provas concretas, o Juízo entendeu pela improcedência do pedido, mantendo o bem com os herdeiros do vendedor. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ALEGAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM RAZÃO DA SUCESSÃO HEREDITÁRIA DO PROMITENTE COMPRADOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. 1. Insurge-se a autora contra sentença de improcedência do pedido. Aduz ter adquirido, no dia 28 de outubro de 2008, o referido imóvel, através de Escritura de Inventário e Partilha, lavrada no Cartório do 6º Ofício do Município de Niterói/RJ, devidamente registrada no cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de São Gonçalo/RJ. 2. Conforme consignado na sentença, o bem foi transacionado, originariamente, pelo genitor da autora, através de promessa de compra e venda firmada com os réus. Contudo, o documento colacionado aos autos, para demonstrar o recebimento do imóvel através de sucessão hereditária, não é capaz de corroborar o direito vindicado. Impropriedade da via eleita. Matérias que transbordam o objeto da ação de adjudicação. Precedentes desta Câmara. 3. Escritura de inventário e partilha, na qual, segundo a inicial, haveria consenso em entregar o “direito e ação do imóvel” unicamente para a demandante. Apelante que afirma o adimplemento do preço do bem. Documento carreado no qual não se identifica a forma de transferência do direito. Inexistência de informação acerca do alegado pagamento do preço. Quinhão atribuído à autora a ultrapassar o monte do espólio. 4. Desigualdade entre os quinhões a impor informação clara no instrumento quanto à origem da cessão de patrimônio, não sendo viável uma interpretação extensiva sobre tal direito, pois os negócios benéficos e a renúncia, interpretam-se restritivamente. Inteligência do contido no art. 114 do Código Civil. 5. Renúncia à herança que demanda a formalização expressa da vontade em instrumento público ou termo judicial, na dicção do art. 1.806 do Código Civil. 6. Partilha dos quinhões efetuada de forma irregular, em afronta aos artigos 648, I, do CPC e 2.019 do Código Civil. 7. Impossibilidade de validação de ato em desacordo com o ordenamento jurídico. Conforme orientação firmada pelo E. STJ, nem mesmo diante de cláusula geral permissiva de realização de negócio jurídico processual (art. 190 do CPC), não está o julgador vinculado à forma pactuada, haja vista a limitação da parte às formas legais, “pois não poderia dispor sobre ato regido por norma de ordem pública” (REsp 1810444). 8. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO. (0008609-96.2016.8.19.0004 – APELAÇÃO. Des(a). SÉRGIO SEABRA VARELLA – Julgamento: 18/03/2021 – VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A compra de um imóvel através de um contrato de gaveta nunca é uma medida recomendada, em razão dos riscos atinentes. Caso você esteja aceitando um imóvel com estas características em razão de uma dívida com o possuidor do bem, por exemplo, a saída recomendada é a cópia do contrato de gaveta celebrado entre o devedor e o real proprietário.

Em todos os casos, sempre exija a matrícula atualizada do imóvel!

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Direito de Família

Desejo retomar meu nome de solteira, mas sem realizar o divórcio. É possível?

A inclusão do sobrenome do marido é uma opção das mulheres que se casam no Brasil. Até 1970, as mulheres que se casavam tinham a obrigação de assumir o sobrenome do seu cônjuge. Desde 1977, o acréscimo do nome se tornou uma faculdade. No entanto, mesmo não existindo uma obrigatoriedade, muitas mulheres ainda optam por incluir o sobrenome do esposo, o que importa em uma série de implicações, como a retificação de todos os documentos pessoais. Pela lei, a retirada do sobrenome do marido poderá ocorrer com o divórcio. Porém, seria possível a alteração do nome da mulher durante a vigência do casamento?

Segundo o STJ, sim

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça permitiu que uma mulher retomasse o nome de solteira, ainda que se mantivesse casada com o homem que lhe passou o sobrenome. Segundo a justificativa da requerente, a supressão do seu sobrenome paterno causou extremo sofrimento, tendo em vista que ela era conhecida por ele. Além disso, a parte alegou que vinha padecendo com problemas sociais e psicológicos desde a alteração.

A ministra relatora do caso permitiu a retomada do nome sob a justificativa de que o direito ao nome é um elemento estrutural da personalidade da pessoa e que, por isso, não deve ela padecer pela impossibilidade de mudança do referido.

Como a decisão do STJ impacta a mudança de nome?

A lei brasileira tem por regra o princípio da imutabilidade do nome. Isso significa que não é possível a alteração do nome e sobrenome, exceto pelas hipóteses previstas em lei, quais sejam a inclusão do sobrenome no casamento, casos em que o nome cause constrangimento e, ainda, no caso de alteração de gênero. Sendo assim, o casamento é a causa mais recorrente da alteração do sobrenome, tendo em vista a frequência desta transação. A partir desta decisão do STJ, abriu-se brecha para que homens e mulheres que não se adaptaram à inclusão do sobrenome do cônjuge solicitem a retificação judicialmente. Isto porque, até o presente momento, não existe lei que permita que a alteração seja feita diretamente nos cartórios de registro civil, como é o caso da retificação de gênero e nome feita pelas pessoas transgêneras.

Vale ressaltar que não só a mulher pode adotar o sobrenome do marido, sendo possível que o marido adote o sobrenome da mulher ou, ainda, que ambos adotem o sobrenome dos seus respectivos cônjuges.

O que diz a jurisprudência?

Interessante conhecer a ementa da decisão do STJ que permitiu esta mudança e as razões utilizadas pela ministra relatora. Vejamos:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIREITO AO NOME. ELEMENTO ESTRUTURANTE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MODIFICAÇÃO DO NOME DELINEADA EM HIPÓTESES RESTRITIVAS E EM CARÁTER EXCEPCIONAL. PREVALÊNCIA DA AUTONOMIA PRIVADA SOPESADA COM A SEGURANÇA JURÍDICA E A SEGURANÇA A TERCEIROS. PARTE QUE SUBSTUTUIU PATRONÍMICO FAMILIAR PELO DO CÔNJUGE NO CASAMENTO E PRETENDE RETOMAR O NOME DE SOLTEIRO AINDA NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO. JUSTIFICATIVAS FAMILIARES, SOCIAIS, PSICOLÓGICAS E EMOCIONAIS PLAUSÍVEIS. PRESERVAÇÃO DA HERANÇA FAMILIAR E DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO EM VIRTUDE DA MODIFICAÇÃO DE SUA IDENTIDADE CIVIL. AUSÊNCIA DE FRIVOLIDADE OU MERA CONVENIÊNCIA. AUSÊNCIA DE RISCOS OU PREJUÍZOS À SEGURANÇA JURÍDICA E A TERCEIROS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 4- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade. 6- Na hipótese, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde. 7- Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar, especialmente na hipótese em que a sentença reconheceu a viabilidade, segurança e idoneidade da pretensão mediante exame de fatos e provas não infirmados pelo acórdão recorrido. (STJ – REsp: 1873918 SP 2019/0239728-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 02/03/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2021)

Conclusão

Se você deseja retomar o seu nome de solteira(o), vale a pena consultar um advogado e verificar a possibilidade no seu caso. Na hipótese de você ter se casado e ainda não ter retificado os documentos pessoais, é possível ingressar com a ação judicial para tentar reverter o que foi determinado no casamento.

 

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Direito Civil

Passagem forçada e servidão de passagem são a mesma coisa?

O direito brasileiro possui alguns institutos que auxiliam no exercício da vizinhança, afinal, é comum existir conflitos nestas relações. Dois destes institutos que são relevantes para o exercício da liberdade da propriedade costumam causar muitas dúvidas para aqueles que são externos ao universo jurídico. São eles: a passagem forçada e a servidão de passagem. Mas, os dois institutos são a mesma coisa? A resposta é não.

Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos destes direitos no intuito de esclarecer as suas dúvidas.

O que é passagem forçada?

A passagem forçada está prevista no art. 1.285 do Código Civil, que prevê o seguinte: “O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”. Assim, o que se verifica é que a passagem forçada é um direito de passar pela propriedade vizinha quando não houver outras vias que permitam este trânsito. Além disso, não basta somente requerer o acesso ao local, é preciso indenizar a outra parte pela perda da área, já que o proprietário da região ficará impedido de dar outros fins ao local.

Outro ponto importante é que a passagem forçada só será concedida se não houver outra forma lícita de acesso à via pública. Além disso, o vizinho a ser escolhido para liberar a passagem deve ser aquele cuja propriedade tenha o mais natural e fácil acesso para prestar a passagem.

O que é servidão de passagem?

Já a servidão de passagem está prevista no art. 1.378 do Código Civil: “A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Tal instituto tem grande proximidade com o acordo entre as partes. A servidão é comum quando as partes possuem imóveis vizinhos e utilizam uma área de passagem, ainda que existam outros meios para trânsito. A servidão ocorre dentro da propriedade do indivíduo que, por mera liberalidade, tolera que o vizinho passe no local.

A partir do acordo entre as partes é possível registrar a área em Cartório de Registro de Imóveis, de modo que, ainda que o dono da propriedade serviente (aquela que é utilizada para passagem) venda o seu bem, o comprador será obrigado a manter a área de servidão.

O que diz a jurisprudência?

Um dos aspectos necessários para o pedido de passagem forçada é a regularização do imóvel ao qual se solicita passagem. Em um recente julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um indivíduo pleiteou a passagem forçada, sob alegação de que uma obra estava maculando o seu direito de ir e vir na propriedade. No entanto, a desembargadora responsável verificou que o imóvel do requerente era irregular e sequer possuía condições de ser regularizado. Deste modo, foi negado o seu pedido de passagem forçada. Vejamos.

APELAÇÃO. PASSAGEM FORÇADA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR NÃO REGULARIZÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. A parte autora alega que o réu, ao adquirir a antiga passagem de pedestres da Prefeitura, único acesso do seu imóvel à via pública, vem obstaculizando seu uso, inclusive com cercamento. Nesse sentido, verifica-se que o pleito da parte autora é a manutenção de uma passagem forçada, e não servidão de passagem. Como cediço, a passagem forçada visa atender a função social da moradia, permitindo o adequado uso, gozo e fruição do bem ao liberar seu acesso à via pública. Todavia, na hipótese em tela, conforme conclusão do laudo pericial sobre a construção do autor no local, a construção do autor não é apenas irregular, mas sequer regularizável. Quer dizer, a construção da moradia no terreno não pode ser regularizada, o que macula o direito do autor de pleitear uma passagem forçada. Ora, se a moradia construída não pode ser legalizada, não se pode estender um direito acessório, de passagem forçada, ao bem. Não se está aqui a reduzir a proteção do direito possessório, mas de reconhecer os seus limites, como a existência de áreas não edificantes. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00228649420148190209, Relator: Des(a). RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 30/05/2019, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

A partir da leitura dos artigos do Código Civil é possível verificar que a principal diferença entre a servidão de passagem e a passagem forçada é o acordo entre as partes. Enquanto na primeira existe tolerância do vizinho, na segunda o proprietário prejudicado pela falta de passagem precisa ingressar com ação judicial para obter o seu direito de saída do seu imóvel. Além disso, na servidão não há exigência de indenização por parte daquele que necessita transitar no local. Por isso, caso você esteja vivenciando conflitos desta natureza e não consiga entrar em acordo com o seu vizinho, procure um advogado!