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Direito Tributário

Cobrança de tributo de bem intangível. Você sabe como funciona?

Para o sucesso da sua empresa e pelo bem da saúde financeira dela, é essencial que o gestor saiba o que ela possui de bens e o quanto exatamente paga de tributos por eles. Um dos conceitos presentes entre as empresas modernas é o de bem intangível. Sobre estes bens também incide a tributação.

Neste artigo traremos das principais dúvidas a respeito dos bens intangíveis e a tributação incidente. Acompanhe!

Mas afinal, o que é bem intangível?

Um bem intangível, como o próprio nome sugere, são bens em que não se pode propriamente tocar, já que não existem de forma física. No entanto, mesmo em plano virtual, possuem extrema relevância e, dada a sua circulação, também são tributáveis pelo fisco.

Como exemplos de bens intangíveis estão os direitos autorais, as marcas e patentes, licenças, fórmulas, franquias, softwares, entre outros. A título de ilustração, um software, por exemplo, muitas vezes pode ter valor muito maior do que a própria máquina utilizada para rodá-lo. Por esta lista é possível verificar a importância destes bens para uma empresa e que, dado o seu valor de mercado, por óbvio que tais bens seriam tributáveis.

Como incide a tributação sobre estes bens?

Como estes bens fazem parte do patrimônio da empresa, comumente são chamados de ativos intangíveis. A tributação destes bens só ocorrerá se for provável que o seu proprietário possui benefício econômico auferido a partir do uso. Além disso, só poderá ser tributado o bem que tiver seu custo mensurado de modo confiável. Deste modo, caso a empresa possua e-books, por exemplo, não será possível a sua tributação, a menos a circulação deste bem aufira algum valor como lucro.

Quanto ao benefício econômico, a legislação prevê que será caracterizado tal benefício quando a partir dele for incluída a venda de produtos e serviços, redução de custos, entre outros benefícios. Assim, o tributo que incidirá sobre o bem intangível irá depender da natureza do bem. A título de ilustração, a tributação do software depende do seu fim. Por exemplo, se ele for vendido de forma impessoal, o imposto que incidirá será o ICMS. Caso seja desenvolvido de forma personalizada, o imposto a ser recolhido será o ISS, já que o que o caracteriza é o serviço por ele prestado.

O que diz a jurisprudência?

O STJ já decidiu sobre a incidência de tributos sobre os programas de softwares, o qual, conforme já explicado, depende da finalidade do programa para a determinação do imposto a ser recolhido. Vejamos.

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. SOFTWARE ESPECIAL DE INTERESSE CORPORATIVO. DEFINIÇÃO DO TRIBUTO INCIDENTE. REVISÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. III – É firme o posicionamento desta Corte segundo o qual os programas de computadores, quando criados e vendidos de forma impessoal, avulsa e aleatória, são tributados pelo ICMS; já o desenvolvimento de softwares personalizados, com exclusividade, para determinados clientes, configura prestação de serviço, sujeitando-se à tributação pelo ISS. IV – In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, com o objetivo de acolher a pretensão recursal, quanto à natureza do software em exame, para efeito de definir o tributo incidente, demandaria necessária interpretação de cláusula contratual, além do imprescindível revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz dos óbices contidos nas Súmulas n. 05 e 07/STJ. V – Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VI – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VII – Agravo Interno improvido. (STJ – AgInt no REsp: 1553801 SP 2013/0096856-8, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 07/08/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2018)

Conclusão

É essencial que a sua empresa esteja alinhada com o seu advogado tributarista para que sejam verificados quais impostos devem incidir sobre os bens intangíveis. Além disso, seu contador terá papel fundamental neste trabalho, já que ele poderá dimensionar a função do seu bem intangível e se será cabível mesmo a aplicação de imposto.

Lembre-se de que a sonegação de impostos é crime no Brasil.

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Direito de Família

O que é bem de família?

Quando se trata de execução de dívidas é comum surgir a questão inerente ao bem de família. Mas, o que seria exatamente um bem de família?

A Lei nº 8.009/1990 traz, em seu art. 1º, o conceito de bem família, sendo ele o imóvel próprio do casal ou da entidade familiar, sendo este imóvel utilizado para moradia do casal e dos seus filhos. Deste modo, a casa, apartamento, sítio, etc. utilizado pela família para residência própria é considerado bem de família e, nos termos da referida lei, não pode ser penhorado e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Isto significa que, caso qualquer um que resida neste imóvel seja executado por alguma dívida de origem descrita em lei, não poderá o bem de família ser vendido pelo Estado, no intuito de que o valor obtido seja utilizado para o pagamento da dívida.

Isto significa que somente o imóvel do casal será considerado bem de família? E o único bem da pessoa solteira, viúva, etc.?

O bem de família não ganha proteção somente quando os proprietários e residentes são compostos por um casal e filhos. O STJ já sumulou o assunto: a súmula 364 do STJ estabelece que o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. Deste modo, aquele que reside sozinho, independente do estado civil, terá o seu bem protegido em eventual execução.

Esta regra também é aplicável àqueles que são divorciados e, no divórcio, enquanto casal, as partes possuíam mais de um bem e, na partilha, cada um permaneceu com um imóvel. Caso a execução seja feita após o divórcio, estando as partes residindo cada uma em uma residência, as respectivas casas não poderão ser executadas, em razão de serem consideradas bem de família.

Outro aspecto importante é que, caso a família possua mais de um imóvel, é possível que ela registre um deles como bem de família e, deste modo, o imóvel não poderá ser penhorado. Este registro deverá ser feito diretamente na matrícula do referido bem.

O que diz a jurisprudência?

Um dos aspectos importantes sobre a impenhorabilidade do bem de família é quanto a não incidência na execução de alimentos. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, quanto ao princípio da menor onerosidade do executado, este não se aplica ao devedor de alimentos, já que, nesta hipótese, o que prevalece é o princípio da dignidade da pessoa humana, aplicável à necessidade do menor de ser alimentado. Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. PENHORA DOS BENS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. PONDERAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS. PREVALÊNCIA DO DIREITO DE ALIMENTAR-SE EM DETRIMENTO DA PROPRIEDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 2. A Lei n. 8.009/1990 prevê que a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio da entidade familiar compreende os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados, não valendo, entretanto, a proteção, quando se referir à execução movida por credor de pensão alimentícia. 3. O conflito entre o direito à propriedade de bens móveis que guarnecem determinada residência, protegido pelas normas gerais de execução do codex e o direito de alimentar-se do credor de pensão dessa natureza, resguardado pela Lei n. 8.009, deve ser solucionado com prevalência desse último, porquanto é a norma que melhor materializa as perspectivas do constituinte em seu desígnio de conferir condições mínimas de sobrevivência e promover a dignidade da pessoa humana. 4. Quando em análise o direito de menor, a orientação deve ser pela busca da máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, especificamente criando condições que possibilitem, de maneira concreta, a obtenção dos alimentos para A sobrevivência. 5. Em execução de alimentos não incide o princípio da menor onerosidade do devedor, que cede espaço à regra da máxima efetividade que deve tutelar o interesse do credor em situações como tais. 6. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1301467 MS 2011/0311611-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/04/2016, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2016)

Conclusão

Ainda que o bem de família seja considerado impenhorável, a Lei nº 8.009/90 elenca as hipóteses de dívidas em que a regra não será considerada, sendo elas: execução de dívida contraída para a aquisição do bem, cobrança de impostos decorrentes do bem de família, execução de hipoteca quando o imóvel for dado como garantia real, quando o bem for adquirido com valores provenientes de produto de crime ou quando o imóvel for utilizado como fiança em contrato de locação.

A flexibilidade da lei ocorre para dar maior seguridade aos credores. Por isso, antes de firmar um contrato com garantia, consulte um advogado!

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Direito Civil

O colégio pode ser responsabilizado pelo bullying sofrido pela criança?

O bullying é um problema sério que atinge crianças e adolescentes, e que pode gerar consequências catastróficas para a autoestima dos pequenos. Tamanha é a gravidade do problema que, no Brasil, foi criada a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). A lei define o bullying como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

Dentro deste cenário, questiona-se: será que as instituições de ensino têm responsabilidade sobre os atos de bullying cometidos contra crianças e adolescentes? A resposta para esta pergunta vem a partir da análise da lei e da jurisprudência.

A responsabilidade das escolas pelo bullying sofrido pelos alunos

As escolas têm a responsabilidade de criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os alunos. Portanto, quando um caso de bullying ocorre dentro de suas dependências e envolve alunos da instituição, é legítimo questionar a sua responsabilidade.

Segundo o art. 5º da Lei nº 13.185/2015, é dever das instituições de ensino “assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática”. Em vista disso, a interpretação deste artigo leva à conclusão de que, caso a instituição não cumpra com a regra de prevenção e combate ao bullying e haja um prejuízo ao aluno, é possível responsabilizar a escola.

Na prática, o que se tem visto nos tribunais são ações movidas por pais, em que os filhos foram intimidados e violentados por outros alunos e a escola não tomou qualquer medida para fazer cessar a violência. Existem inúmeros casos em que os tribunais reconhecem a omissão da instituição e as condenam a indenizar a criança vítima da situação.

Como proceder nestes casos?

Antes de requerer uma indenização na Justiça, o primeiro passo é tentar um acordo com o colégio para fazer cessar a intimidação e violência contra o menor. A tentativa de resolver a questão de forma amigável é uma medida que tende a ser eficaz nesses casos. Porém, se mesmo assim não houver solução para o caso e a criança vem apresentando sinais de sofrimento com a violência, a ação judicial pode ser uma saída para fazer cessar o problema e também para indenizar a família pelos danos sofridos pelo menor.

O que diz a jurisprudência?

O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente julgou um caso importante: na situação em concreto, o aluno era portador de uma síndrome e foi vítima de bullying por um grupo de alunos que zombou da sua aparência física. O TJSP entendeu que o colégio não agiu de modo a impedir a violência sofrida pelo menor e, portanto, a omissão gerou o dever de indenizar. Vejamos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA COM DETERMINAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AUTORA VÍTIMA DE BULLYING. AUTORA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. A ação de indenização fundada na omissão da ré para solução da situação de “bullying” contra a autora, no ambiente escolar. A autora portadora de necessidades especiais advindas da Síndrome Moebius. Prova de que, mesmo ciente, de que os outros alunos praticaram atos discriminatórios em face da autora, a ré se omitiu na prevenção e tratamento do problema. Vídeo que veiculou lamentável cena em que os demais alunos zombaram da aparência física da autora, utilizando-se de filtros de aplicativo de celular para alterarem os próprios rostos em alusão à última. Situação que se situou numa prática de Intimidação Sistemática (Bullying). Ré que não agiu para impedir ou alterar marginalização, discriminação e ridicularização sofridas pela autora. Omissão descabida e que representou violação de direitos fundamentais e de normas previstas em diversas leis – Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei º 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), Lei nº Lei nº 13.185/2015 (introduziu o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying)”). Ré que se limitou a suspender os alunos, diante do vídeo, que não se cuidava de um fato isolado, mas demonstrava, isto sim, uma prática de bullying. Tanto que o Ministério Público terminou por ajuizar ação civil pública para obrigar a ré a promover educação inclusiva, até então negada em favor da autora, a qual se viu compelida a mudar de escola. Defesa que alterou a verdade dos fatos, não só ao qualificar o fato como isolado, mas também ao negar o bullying. Danos morais configurados. Situação que ultrapassou o mero aborrecimento. Autora que teve frustrada a expectativa de ter um ambiente escolar saudável, inclusivo e integralmente adequado às suas necessidades. Valor da indenização de R$ 30.000,00, que se revelou módico para as circunstâncias do caso concreto. Reconhecimento de litigância de má-fé, de ofício, na fase recursal. Ré que alterou a verdade dos fatos e apresentou recurso manifestamente protelatório. Ação parcialmente procedente. Aplicação de multa processual de 9,5% sobre o valor da causa (atualizado) para sanção da litigância de má-fé da ré apelante. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO COM DETERMINAÇÃO. (TJSP; Apelação Cível 1001463-40.2018.8.26.0224; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/05/2023; Data de Registro: 31/05/2023)

Conclusão

Mais uma vez observamos o Judiciário empenhado não apenas em reprimir a prática do bullying, mas também em promover a conscientização das escolas. Sendo a lei clara, é imprescindível que os pais também coíbam os seus filhos a não serem autores deste tipo de violência, sob pena de responsabilização posterior.

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Direito de Família

Guarda compartilha no caso de os pais morarem em cidades diferentes, é possível?

A separação de um casal fatalmente afeta os filhos, já que o rompimento significa, sobretudo, uma mudança no cotidiano da criança, que agora não mais terá os pais convivendo com ela diariamente. No entanto, quando é possível uma boa relação entre os genitores, existem alguns caminhos para possibilitar a convivência da criança com os ambos os pais. Uma delas é a guarda compartilhada. Mas, seria possível exercer este tipo de guarda entre pais que residem em cidades diferentes? Felizmente, sim!

Neste artigo abordaremos os principais aspectos sobre o assunto. Acompanhe!

O que é guarda compartilhada?

A guarda compartilhada, diferente do que muita gente imagina, não se restringe à residência da criança, mas da responsabilidade sobre decisões acerca da vida dela. Quando um genitor detém a guarda do filho, cabe a ele realizar as escolhas acerca da vida do menor como, por exemplo, a escola na qual ele estudará, as atividades que fará no dia a dia, como será a alimentação, etc. Porém, na guarda compartilhada, a realização destas escolhas será feita por ambos os genitores. Além disso, pai e mãe serão responsáveis pelas atribuições do cotidiano da criança e dividirão as tarefas entre si. No entanto, neste molde de guarda, a criança deverá ter uma residência fixa e o genitor que não reside com a criança poderá realizar o pagamento da pensão alimentícia.

Como exercer a guarda compartilhada entre pais que moram em municípios distintos?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é plenamente possível o exercício da guarda compartilhada entre genitores que residem em cidades diferentes. No voto da relatora houve o entendimento de que, com o avanço das tecnologias da comunicação, é possível que o exercício da guarda compartilhada seja feito até entre genitores que morem em países diferentes. Isto porque o exercício deste tipo de guarda está voltado à divisão das decisões sobre a vida dos filhos, não sendo essencial que o genitor esteja presente fisicamente com a criança. Assim, se um dos genitores mora em uma cidade e a residência fixa da criança é em outra, caberá aos pais, no exercício da guarda compartilhada, dividir as responsabilidades sobre o menor. Isto não significa que os pais não deverão acordar os dias para a realização de visitas ou quanto ao pagamento da pensão alimentícia, já que tais fatores não se confundem com o exercício da guarda.

O que diz a jurisprudência?

Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça explica o posicionamento dos tribunais a respeito da guarda compartilhada e as possibilidades advindas. Vejamos.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. OBRIGATORIEDADE. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA ALTERNADA. DISTINÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. RESIDÊNCIA DOS GENITORES EM CIDADES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. 1- Recurso especial interposto em 22/7/2019 e concluso ao gabinete em 14/3/2021. 2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a fixação da guarda compartilhada é obrigatória no sistema jurídico brasileiro; b) o fato de os genitores possuírem domicílio em cidades distintas representa óbice à fixação da guarda compartilhada; e c) a guarda compartilhada deve ser fixada mesmo quando inexistente acordo entre os genitores. 3- O termo “será” contido no § 2º do art. 1.584 não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção relativa de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. 4- Apenas duas condições podem impedir a aplicação obrigatória da guarda compartilhada, a saber: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; e b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar. 5- Os únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada são a suspensão ou a perda do poder familiar, situações que evidenciam a absoluta inaptidão para o exercício da guarda e que exigem, pela relevância da posição jurídica atingida, prévia decretação judicial. 6- A guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada e não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário dos filhos com os pais, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, esta modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada. 7- É admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos. 8- Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1878041 SP 2020/0021208-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/05/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/05/2021)

Conclusão

A separação dos genitores não pode ser óbice para que a criança não tenha uma relação contínua com ambos os pais e seus familiares. Por isso, é papel destes pais prezar pela boa convivência entre si, visando um crescimento saudável do menor.

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Direito Imobiliário

É possível perder um imóvel por abandono?

O abandono de imóveis, seja de casas ou de terrenos, é uma realidade em inúmeras cidades. E isso pode ser um problema, afinal, um local desocupado dá margem a que pessoas depositem objetos e entulhos, sendo uma verdadeira perturbação à vizinhança. Mas, será que é possível perder um imóvel por abandono? A resposta é que sim, é possível.

Acompanhe os fundamentos e veja o que você pode fazer para evitar que seu imóvel seja tomado!

Por que um imóvel abandonado pode ser tomado?

Ao contrário do que muita gente pensa, o direito à propriedade não é absoluto. Isso significa que uma pessoa não pode fazer o que bem entende com o seu imóvel, devendo ela observar o que diz a lei. Um dos princípios previstos na Constituição Federal é o da função social da propriedade. Por este princípio, toda propriedade deve atingir um fim, não podendo servir apenas como objeto de especulação. Assim, por exemplo, uma pessoa não pode comprar um terreno extenso e deixá-lo por anos a fio sem utilização.

Caso não o utilize e sequer realize os cuidados básicos de manutenção, é possível que os entes públicos tomem o local e até mesmo que possuidores do espaço reivindiquem a propriedade através da usucapião.

A usucapião como forma de tomada de propriedade

A usucapião é um instituto previsto em nossa legislação. Por ela, a pessoa que detém da posse mansa, pacífica e de boa-fé de um imóvel pode reivindicar a propriedade. Este pedido poderá ser feito através de um processo judicial e até mesmo através de um cartório. Assim, se a pessoa dá a função social em determinado imóvel e o proprietário não reclama deste uso, é possível requerer a usucapião.

O que fazer para evitar a perda do imóvel que não está sendo utilizado

Se você possui um imóvel, mas não deseja utilizá-lo tão cedo, existem formas de cumprir a função social da propriedade. A forma mais conhecida é a locação. Ela poderá ser aplicada tanto para casas, salões, etc. quanto para áreas não construídas.

Em caso de imóvel rural, outra possibilidade é o arrendamento, opção em que o proprietário poderá angariar maiores valores.

Além disso, caso você deseje que uma pessoa próxima faça o uso do imóvel, mas não deseja cobrar por isso, é possível que as partes assinem um contrato de comodato. A medida é essencial para evitar uma futura solicitação de usucapião.

O que diz a jurisprudência?

Uma das questões decididas pelos tribunais é quanto à rescisão do contrato de locação por abandono do imóvel. Embora a maioria dos contratos de locação prevejam esta questão, os tribunais também decidem que o abandono do imóvel é causa para rescisão.

Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro comprova isto. Vejamos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. STAND DE VENDAS. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. ABANDONO DO IMÓVEL. CAUSA DE RESCISÃO CONTRATUAL. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. INDEVIDA COBRANÇA DE MULTA DIÁRIA PELO NÃO FUNCIONAMENTO DO STAND APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DAS AVARIAS NO IMÓVEL ATRIBUÍDAS AO AUTOR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Trata-se de ação de cobrança proposta por locador de imóvel comercial, destinado a stand de vendas, objetivando o recebimento de valores a título de multa por descumprimento de cláusula contratual que determina o funcionamento do espaço durante a vigência do contrato. 2. Contrato de locação firmado com prazo determinado de 365 dias, a contar de 02/02/2019 e término em 01/02/2020, posteriormente prorrogado por termos aditivos até 04/03/2014. 3. A afirmação da autora no sentido de que o término contrato corresponde à data de 18/06/2014 em que houve a retomada do imóvel, colide não só com a cláusula do termo aditivo que fixa o termo do contrato em 04/03/2014, mas também com a cláusula do contrato de locação pelo qual o abandono do imóvel acarreta rescisão automática do contrato. 4. Considerando-se que o contrato de locação não mais vigorava entre as partes ao menos, inexiste justa causa para a cobrança de multa pretendida pela parte autora em razão do não funcionamento do stand de vendas no período de maio de 2014 a junho de 2014. 5. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ – APL: 02680076720148190001, Relator: Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME, Data de Julgamento: 20/10/2020, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/10/2020)

Conclusão

A função social da propriedade é um dos mais importantes princípios da nossa Constituição, e é dever de todo proprietário de imóvel observá-lo. Isso evita uma futura perda do bem por abandono, seja pela tomada do bem pelo Poder Público, seja através da usucapião.

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Direito Civil

Ação monitória: Entenda como a mensagem trocada em aplicativo de mensagens pode ser utilizada em uma cobrança judicial de dívida

A cobrança de dívidas infelizmente faz parte do cotidiano das pessoas físicas e jurídicas. E se antes era necessário um cheque, contrato ou nota promissória para que a cobrança fosse feita judicialmente, hoje a legislação tornou mais simples o processo. A partir de um mecanismo previsto no Código de Processo Civil e do entendimento dos tribunais, atualmente é possível realizar a cobrança de dívidas firmadas por mensagens e e-mails por meio da ação monitória.

Como funciona a ação monitória?

A ação monitória está prevista no art. 700 e seguintes do Código de Processo Civil e tem por base a cobrança de dívida baseada em prova escrita sem eficácia de título executivo. O CPC, a partir do art. 784, lista quais documentos podem ser considerados títulos executivos − e este rol é restritivo, isto é, se o documento não estiver listado no artigo, ele não pode ser objeto de execução. No entanto, a partir da ação monitória, qualquer meio de prova idôneo pode ser utilizado para prosseguir com a ação, inclusive as provas orais documentadas.

O curso da ação monitória é o seguinte: o juiz analisará as provas apresentadas e, se entender que são legítimas, citará o réu para que ele realize o pagamento em 15 dias ou apresente defesa neste período.

Nota-se que o curso desta ação é semelhante ao processo de execução, sendo mais célere que uma ação de cobrança. Na ação de cobrança, as partes são ouvidas, há audiência, e somente após a sentença transitada em julgado é que o credor poderá propor a execução da dívida, atrasando, assim, o pagamento dos valores.

A utilização de e-mails e mensagens trocadas pelo WhatsApp

Tendo por base a regra da ação monitória, de que qualquer prova escrita pode ser utilizada para comprovar a existência da dívida, os credores têm utilizado os e-mails trocados entre as partes e até mesmo conversas feitas no WhatsApp para fundamentar a ação. Porém, o que se tem visto nos julgados é que, muito embora os tribunais aceitem como meio de comprovar a dívida as conversas feitas nos aplicativos de mensagens, é essencial que na troca de mensagens: 1) o devedor declare que têm ciência da dívida; 2) haja o valor do débito; 3) tenha estabelecido o prazo para pagamento.

Em análise aos julgados, verifica-se que, nos processos em que as provas apresentadas não continham as referidas informações, houve o indeferimento do pedido do credor. Esta regra, inclusive, é aplicada aos casos de provas baseadas em e-mails. Com isso, se você não tem um contrato firmado com o devedor, mas as mensagens e e-mails trocados possuem as informações listadas, é possível a propositura da ação monitória.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que não foi possível o prosseguimento da ação monitória, em razão de as mensagens apresentadas não conterem a declaração da devedora acerca do seu dever de pagamento do débito:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS POR APLICATIVO DE MENSAGENS. Ação monitória estribada na transcrição de conversas pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. A ação monitória tem apoio no artigo 1102a do Código de Processo Civil, vigente antes da distribuição, e no artigo 700 do atual Código de Processo Civil, devendo o credor instruir a inicial com prova escrita sem eficácia de título executivo. A transcrição de conversas por aplicativo de mensagens consubstancia documento hábil a estribar o pedido monitório, desde que o juízo se convença da veracidade das informações nela contidas e da consonância com os demais elementos de prova juntos nos autos. Inviável considerar a transcrição de conversas como prova apta a instruir a ação monitória por ausência de declaração da suposta devedora sobre o valor total da dívida. Embora caracterizada a relação de crédito, era indispensável a prova do valor da obrigação assumida pela Ré. A falta de documento escrito capaz de viabilizar a cobrança na via monitória acarreta a improcedência do pedido. Recurso desprovido. (0005018-72.2015.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA – Julgamento: 24/07/2018 – QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Conclusão

Em resumo, as mensagens trocadas em aplicativos de mensagens podem ser poderosas aliadas na comprovação de uma dívida ou obrigação em uma Ação Monitória. No entanto, é crucial seguir procedimentos adequados para garantir a autenticidade e a relevância das mensagens como prova judicial, como por exemplo, a partir da realização de uma ata notorial.

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Direito Tributário

Como devem ser recolhidos os impostos sobre os royalties recebidos?

Os royalties, remunerações pagas pelo uso ou exploração de propriedade intelectual, como patentes, marcas e direitos autorais, representam uma importante fonte de receita para muitas empresas.

No entanto, a tributação sobre esses rendimentos pode ser um campo minado se não for devidamente compreendida e gerenciada.

Neste artigo, exploraremos como devem ser recolhidos os impostos sobre royalties, fornecendo insights valiosos para evitar surpresas fiscais desagradáveis.

A classificação dos royalties

No Brasil, a Lei n. 4.506/1964 regula a tributação sobre os royalties. Aqui é preciso salientar que esta é uma lei antiga, que não contempla as necessidades atuais do tema e que é objeto de críticas entre os especialistas.

Nos termos do art. 22, por royalties se entendem os rendimentos obtidos pelo uso, fruição e exploração de direitos, que englobam os direitos de recursos minerais, vegetais, invenções, processos, fórmulas de fabricação, marcas, direitos autorais.

Assim, se sua empresa explora alguma marca ou patente e terceiros fazem o uso dela, o pagamento feito pelos terceiros pelo uso é denominado royalties. Estes valores, em contrapartida, devem ser tributados diretamente na fonte, a partir do imposto de renda.

As deduções permitidas

A Lei nº 4.506/1964, ao permitir a dedução de despesas com royalties no artigo 71, impõe restrições significativas, especialmente relacionadas a pagamentos a sócios, incluindo a matriz no exterior para filiais brasileiras e a controladores de sociedades brasileiras residentes no exterior.

Essas restrições refletem a equiparação de royalties a lucros ou dividendos para fins tributários.

É importante ressaltar a incidência do Imposto sobre a Renda na fonte, conforme estabelecido no artigo 3° da Medida Provisória nº 2.159-70/2001, com uma taxa de 15% durante o pagamento, remessa e operações similares a não residentes.

Além disso, os impactos tributários dos royalties estendem-se à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) de acordo com a Lei nº 10.168/2000.

Essa contribuição, com uma alíquota de 10%, é aplicada mensalmente sobre os valores relacionados à remuneração de licença de uso, aquisição de conhecimentos tecnológicos e contratos de transferência de tecnologia com residentes ou domiciliados no exterior.

O que diz a jurisprudência?

Outro fator importante acerca do recolhimento de royalties é que, segundo entendimento do STF, o valor recebido dos royalties compõe a receita bruta e faturamento da empresa e, por consequência, deve ser tributada pelo PIS e COFINS, conforme se verifica nesta decisão do STJ:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. COOPERATIVA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. VENDA DE SEMENTES, GRÃOS E MUDAS. DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA. FATO DEFINIDOR DA QUALIDADE DA MERCADORIA. ROYALTIES. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. LEI 9.718/1998. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO. POSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, segundo o qual a receita bruta e o faturamento, para fins de definição da base de cálculo de incidência da contribuição para o PIS e da COFINS, são termos equivalentes e consistem na totalidade das receitas auferidas com a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços, assim entendido como a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais típicas. Precedentes. 2. A pesquisa científica ou tecnológica cria, melhora ou desenvolve o produto oferecido, tornando-o atraente para os potenciais compradores interessados nas características desenvolvidas pelo procedimento científico. Essas características são, em alta proporção, definidoras da qualidade específica buscada pelo produtor-cooperado (menor custo de produção por hectare; menor incidência de pragas; maior resistência a produtos químicos etc). 3. A receita da venda do produto (semente, grãos, mudas etc) e, concomitante, as receitas de royalties (derivados de seu desenvolvimento) são provenientes das atividades típicas da cooperativa autora; são indissociáveis, se considerado o fato de uma receita estar intimamente vinculada com a geração da outra, razão pela qual não há como se retirar os royalties da base de cálculo das contribuições, tendo em vista compor a “soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais típicas”. 4. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Pedido autoral julgado improcedente. Verba honorária de 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC/1973. (REsp n. 1.520.184/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 13/5/2021.)

Conclusão

O recolhimento de impostos sobre royalties é uma questão crucial que requer atenção meticulosa e conhecimento especializado.

A compreensão das nuances fiscais, a classificação adequada dos royalties e o cumprimento das obrigações legais são passos essenciais para evitar complicações fiscais.

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Direito das Sucessões

Cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade: É possível afastá-las em eventual doação de bens?

As cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade estabelecem que o beneficiário de uma doação fique impedido de vender o bem, também sendo impedida a sua penhora. Estes são tipos de cláusulas comumente utilizados em planejamento sucessório, visando que o herdeiro não venda o bem recebido em doação. Porém, em alguns casos, a propriedade daquele bem pode se tornar insustentável, de modo que a venda seja a única saída. E, neste caso, seria possível afastar as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade? Em uma recente decisão, o STJ decidiu que sim, é possível. Mas, para isso, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Acompanhe!

A necessidade de venda do imóvel

Vamos considerar a seguinte situação: você é beneficiário de um imóvel que lhe foi doado com cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade. Durante vários anos você desfrutou do imóvel, arcando com os custos de manutenção e impostos. No entanto, em determinado momento da vida, esse presente se tornou um fardo financeiro insustentável, gerando prejuízo. Agora surge a dúvida se a restrição à venda do imóvel ainda deve ser aplicada nesse contexto.

Este assunto foi alvo de decisões recentes pelo STJ. No recente caso julgado, um casal de idosos requereu judicialmente a venda do imóvel recebido em doação pelos pais de um deles. O imóvel em questão era objeto de diversos problemas, como furto de gado, prejuízos econômicos e a existência de uma área de reserva florestal dentro do terreno. O STJ, por sua vez, permitiu o cancelamento das cláusulas restritivas, desde que observados alguns requisitos.

Os requisitos exigidos pelo STJ

Na decisão, o STJ listou os seguintes requisitos autorizadores da venda de imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade:

  • Inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros;
  • A existência de ônus financeiro causado pelo imóvel, isto é, a propriedade gera mais prejuízos do que benefícios;
  • Existência de real interesse das pessoas cuja cláusula visa proteger. No entendimento do STJ, a intenção do doador certamente é de manter o bem-estar do beneficiário, de modo que não é sustentável impor que o donatário tenha obrigações que o prejudiquem a partir da doação do imóvel;
  • Longa passagem de tempo da doação;
  • Falecimento do doador.

Com isso, é possível perceber que os requisitos do STJ são específicos e que, por óbvio, o Tribunal de Justiça competente poderá exigir a presença de outros requisitos no momento de análise do caso.

O que diz a jurisprudência?

Vejamos a aplicação dos requisitos exigidos pelo STJ para o afastamento das cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade do bem:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ESTATUTO DA PESSOA IDOSA. DOAÇÃO. IMÓVEL RURAL. CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 1.848 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CRITÉRIOS JURISPRUDENCIAIS. PRESENÇA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade melhor promoveria os direitos fundamentais dos recorrentes, pessoas idosas, e se existente ou não justa causa para o levantamento dos gravames no imóvel rural dos recorrentes. 3. No caso, a alegação de afronta aos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do CC/2002, por meio de interpretação sistemática e teleológica. 4. A possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores. 5. Na hipótese, todos os critérios jurisprudenciais estão presentes. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 2.022.860/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Conclusão

A recente decisão do STJ abriu brechas para que os beneficiários das doações possam vender o imóvel recebido. Para isso, é importante que estejam presentes os requisitos listados pelo STJ, ressaltando que é possível que o juiz do caso entenda de forma diferente a partir do caso em concreto.

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Direito de Família

“Birdnesting”: o revezamento de casas entre casal separado como forma de manter as crianças no mesmo lar

Em um divórcio convencional, o que se verifica é que o casal se separa e uma das partes opta por permanecer no lar, enquanto o outro recomeça a vida em outra casa. Quando um casal possui filhos, o Código Civil determina, em regra, que a guarda das crianças seja compartilhada, isto é, mantém-se um lar fixo para o menor e as decisões sobre a vida dela são tomadas em conjunto pelos pais. Neste modelo, a criança geralmente passa os finais de semana e feriados na casa do outro genitor, mantendo-se, assim, dois lares: o do pai e o da mãe.

Recentemente, os tribunais de países como Estados Unidos, Holanda e Austrália têm adotado nos processos uma nova modalidade de divórcio: o birdnesting, ou nesting, que se caracteriza pelo revezamento de lares entre os pais, mantendo-se, assim, as crianças no mesmo lar.

Mas o que é o birdnesting?

O termo vem do inglês nest, que significa “ninho”. Assim, em tradução livre, birdnesting estaria próximo à ideia da ação que os pássaros têm ao constituírem o ninho. Estes animais, ao construírem o ninho para os seus filhotes, entram e saem do espaço, revezando, assim, os cuidados. Esta ideia, quando aplicada ao divórcio, visa dar um suporte aos filhos do casal que está se separando. Na prática, os pais mantêm a casa comum para os filhos, sem alterar o arranjo que existia antes da separação. Com isso, é necessário que os genitores se revezem quanto à moradia nesta casa comum e adotem um esquema em que parte da semana o pai reside na casa comum e na outra parte da semana a mãe more neste lar.

O que se tem visto nos países em que o modelo vem sendo aplicado é que os pais convertem parte da casa principal como um anexo ou, ainda, adquirem um segundo imóvel, que também se torna compartilhado entre o ex-casal.

Qual a vantagem deste modelo?

A adoção do birdnesting tem sido feita como justificativa para o bem-estar das crianças, que inevitavelmente sofrem com as mudanças trazidas pelo divórcio. Isto porque este modelo evita que haja uma mudança brusca na rotina dos filhos, visto que eles mantêm o endereço, o mesmo quarto e não cortam o laço com aquele ambiente que, por anos, foi sinônimo de bem-estar e conforto. Além disso, as mudanças do arranjo familiar são realizadas de maneira gradual, tornando mais fácil de ser assimilada pelas crianças.

Um ponto importante do birdnesting é que, em alguns casos, os casais adotam o modelo de forma provisória, de maneira a preparar os filhos para uma ruptura futura. Assim, na prática, o modelo de revezamento pode ser aplicado somente nos primeiros anos da separação, para que seja dado tempo para que as crianças assimilem a nova realidade.

O que diz a jurisprudência?

Por ser nova a discussão sobre o birdnesting, os tribunais brasileiros ainda não têm decidido sobre esta forma de guarda. Em regra, os tribunais determinam a guarda compartilhada e fixam a residência-base o lar de um dos genitores.

Vejamos uma decisão recente do TJSP, em que o juiz entendeu que o lar paterno reunia todas as condições necessárias para o melhor desenvolvimento do menor.

APELAÇÃO CÍVEL – Guarda e visitas – Partes que tiveram um filho nascido em 18/03/2013 – Ação proposta pela genitora, almejando a guarda compartilhada com residência fixa no lar materno – Sentença de parcial procedência, concedendo a guarda compartilhada, mas fixando a residência do infante no lar paterno – Irresignação da autora sobre a residência fixa – Não acolhimento – Caso em que, embora não haja elementos desabonadores em desfavor da genitora, deve ser prestigiada a situação fática já consolidada, mesmo porque inexiste qualquer indício de risco ou prejuízo ao menor – Contexto em que se revela mais razoável que o infante permaneça na residência paterna, onde já está estabelecido desde dezembro de 2017 – RECURSO DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação Cível: AC 1006808-84.2018.8.26.0127 SP 1006808-84.2018.8.26.0127. Data de publicação: 16 abr. 2021).

Conclusão

Ainda que o birdnesting seja extremamente vantajoso para as crianças, é visível que o modelo só servirá aos casais que conseguem ter uma boa convivência após o divórcio. Caso contrário, o modelo tradicional de divórcio deve ser aplicado, sempre com vista no melhor interesse dos filhos.

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Direito Imobiliário

Responsabilidade civil do síndico. Vamos saber mais?

O exercício do cargo de síndico demanda do indivíduo uma série de responsabilidades por ser uma tarefa repleta de funções. É por isso que o condomínio deve eleger uma pessoa extremamente competente para este fim. Além do exercício das competências, o síndico também poderá ser responsabilizado civilmente pelos seus atos.

Mas afinal, o que é responsabilidade civil?

A responsabilidade civil é o dever da pessoa, seja ela física ou jurídica, de reparar pelo dano causado, dano este que poderá estar tanto na esfera material quanto moral. São a Constituição Federal e o Código Civil que estabelecem este dever. No entanto, a forma de reparação e a quantia devem ser estimadas no contrato ou judicialmente.

Entendido o conceito de responsabilidade civil, pode-se dizer que, toda vez que o síndico for o responsável pelo dano a um condômino ou ao próprio condomínio, ele terá o dever civil de realizar a reparação. Mas, será que todos os atos exercidos pelo síndico são passíveis de reparação?

Quais são as obrigações legais do síndico?

Para que possamos saber quais atos do síndico são passíveis de condenação por responsabilidade civil, é preciso entender quais são as suas funções segundo a legislação. Segundo o Código Civil, o síndico tem como função:

I – Convocar a assembleia dos condôminos;

II – Representar o condomínio, praticando os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

III – Dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo de interesse do condomínio;

IV – Cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

V – Diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

VI – Elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;

VII – Cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;

VIII – Prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;

IX – Realizar o seguro da edificação.

Com isso, é possível afirmar que sempre que o condômino ou condomínio for prejudicado em razão da inobservância das obrigações pelo síndico, o referido deverá ser responsabilizado civilmente. Além disso, em caso de violações aos direitos trabalhistas dos funcionários do condomínio, o síndico também poderá ser responsabilizado.

Como o síndico pode ser punido em caso de descumprimento?

Conforme dito anteriormente, a forma e o valor da reparação em caso de dano não estão previstos em lei, devendo ser determinados por um juiz através de um processo judicial ou de uma previsão na Convenção de Condomínio. Com isso, os condôminos poderão estabelecer na Convenção as punições aplicáveis ao síndico em caso de descumprimento de suas funções. Na hipótese de haver algum dano pelo síndico sem que haja qualquer sanção prevista na Convenção, caberá aos condôminos lesados ingressar com ação judicial contra a pessoa do síndico, seja ela pessoa física ou jurídica, na qualidade de administrador.

O que diz a jurisprudência?

Uma das principais responsabilidades do síndico é quanto ao manejo dos valores pagos pelos condôminos. Inclusive, caso seja verificada alguma irregularidade na quantia em caixa, é possível que o síndico, mesmo que já destituído do cargo, seja responsabilizado judicialmente.

Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo demonstra a questão. Vejamos.

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. QUESTIONAMENTO SOBRE A GESTÃO DE CONTAS E DESPESAS CONDOMÍNIO RESIDENCIAL PELO SÍNDICO ANTECESSOR. Parte autora que, durante o período de 2003 a 2010, exerceu a função de síndico de condomínio residencial. Eleição sendo conduzida ao cargo novo condômino que, em sede de auditoria, apontou o valor de R$ 286.000,00, de despesas do condomínio, sem o devido lastro probatório. Demanda de prestação de contas que apontou a divergência de valores de aproximadamente R$ 3.000,00 devido pelo anterior síndico ao condomínio. Desavenças e condutas passíveis de censura que decorrem da vida em sociedade, sobre as quais não restou configurada a ocorrência de atos ilícitos ensejadores da pretendida indenização por danos morais. Precedentes. Pedido julgado improcedente. Decisão mantida. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. (TJ-SP – AC: 00146361720128260562 SP 0014636-17.2012.8.26.0562, Relator: Rodolfo Pellizari, Data de Julgamento: 04/07/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2019)

Conclusão

Ser síndico exige o conhecimento mínimo da legislação federal, estadual e até municipal, visto que o descumprimento das normas pode ensejar em sérias sanções.

Se você é síndico e possui dúvidas quanto ao exercício de sua função, não hesite em procurar um advogado!