O direito brasileiro possui alguns institutos que auxiliam no exercício da vizinhança, afinal, é comum existir conflitos nestas relações. Dois destes institutos que são relevantes para o exercício da liberdade da propriedade costumam causar muitas dúvidas para aqueles que são externos ao universo jurídico. São eles: a passagem forçada e a servidão de passagem. Mas, os dois institutos são a mesma coisa? A resposta é não.
Neste artigo falaremos sobre os principais aspectos destes direitos no intuito de esclarecer as suas dúvidas.
O que é passagem forçada?
A passagem forçada está prevista no art. 1.285 do Código Civil, que prevê o seguinte: “O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”. Assim, o que se verifica é que a passagem forçada é um direito de passar pela propriedade vizinha quando não houver outras vias que permitam este trânsito. Além disso, não basta somente requerer o acesso ao local, é preciso indenizar a outra parte pela perda da área, já que o proprietário da região ficará impedido de dar outros fins ao local.
Outro ponto importante é que a passagem forçada só será concedida se não houver outra forma lícita de acesso à via pública. Além disso, o vizinho a ser escolhido para liberar a passagem deve ser aquele cuja propriedade tenha o mais natural e fácil acesso para prestar a passagem.
O que é servidão de passagem?
Já a servidão de passagem está prevista no art. 1.378 do Código Civil: “A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Tal instituto tem grande proximidade com o acordo entre as partes. A servidão é comum quando as partes possuem imóveis vizinhos e utilizam uma área de passagem, ainda que existam outros meios para trânsito. A servidão ocorre dentro da propriedade do indivíduo que, por mera liberalidade, tolera que o vizinho passe no local.
A partir do acordo entre as partes é possível registrar a área em Cartório de Registro de Imóveis, de modo que, ainda que o dono da propriedade serviente (aquela que é utilizada para passagem) venda o seu bem, o comprador será obrigado a manter a área de servidão.
O que diz a jurisprudência?
Um dos aspectos necessários para o pedido de passagem forçada é a regularização do imóvel ao qual se solicita passagem. Em um recente julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um indivíduo pleiteou a passagem forçada, sob alegação de que uma obra estava maculando o seu direito de ir e vir na propriedade. No entanto, a desembargadora responsável verificou que o imóvel do requerente era irregular e sequer possuía condições de ser regularizado. Deste modo, foi negado o seu pedido de passagem forçada. Vejamos.
APELAÇÃO. PASSAGEM FORÇADA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR NÃO REGULARIZÁVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. A parte autora alega que o réu, ao adquirir a antiga passagem de pedestres da Prefeitura, único acesso do seu imóvel à via pública, vem obstaculizando seu uso, inclusive com cercamento. Nesse sentido, verifica-se que o pleito da parte autora é a manutenção de uma passagem forçada, e não servidão de passagem. Como cediço, a passagem forçada visa atender a função social da moradia, permitindo o adequado uso, gozo e fruição do bem ao liberar seu acesso à via pública. Todavia, na hipótese em tela, conforme conclusão do laudo pericial sobre a construção do autor no local, a construção do autor não é apenas irregular, mas sequer regularizável. Quer dizer, a construção da moradia no terreno não pode ser regularizada, o que macula o direito do autor de pleitear uma passagem forçada. Ora, se a moradia construída não pode ser legalizada, não se pode estender um direito acessório, de passagem forçada, ao bem. Não se está aqui a reduzir a proteção do direito possessório, mas de reconhecer os seus limites, como a existência de áreas não edificantes. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00228649420148190209, Relator: Des(a). RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 30/05/2019, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)
Conclusão
A partir da leitura dos artigos do Código Civil é possível verificar que a principal diferença entre a servidão de passagem e a passagem forçada é o acordo entre as partes. Enquanto na primeira existe tolerância do vizinho, na segunda o proprietário prejudicado pela falta de passagem precisa ingressar com ação judicial para obter o seu direito de saída do seu imóvel. Além disso, na servidão não há exigência de indenização por parte daquele que necessita transitar no local. Por isso, caso você esteja vivenciando conflitos desta natureza e não consiga entrar em acordo com o seu vizinho, procure um advogado!